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Jovino Machado - Quem é Cléo de Páris?

 

Cléo de Páris - Eu me considero uma mulher batalhadora com alma de menina. Saí de uma cidadezinha de 7 mil habitantes no interior do Rio Grande do Sul  e conquistei muitas coisas importantes com o meu trabalho e minha dedicação. Sou incansável se acredito em algo. Mas também tenho um lado pueril, leve, um descompromisso que me salva um pouco. Às vezes sou mimada e difícil...

 

 

JM - Fale sobre a sua mãe e o seu pai.

 

CP - São as pessoas que mais admiro no mundo! Lindos, verdadeiros e honestos. Minha base, meu amor. Minha mãe é uma mulher sábia e altruísta. Não teve oportunidade de estudar o quanto queria, casou cedo, virou dona de casa, mas nunca se acomodou, tem projetos sociais. Trabalhou como assistente social durante muitos anos, é muito viva e intensa, me ensina todo dia que é possível conseguir o que se quer com empenho e honestidade. Meu pai é caixeiro-viajante. Um homem reservado, gentil e de alma pura. Dos seus olhos verdes, jorra vontade de viver, valentia e sabedoria. Ele é prático sem ser raso. Resolve qualquer problema com tranquilidade. É enérgico se precisa, mas muito respeitoso. Me ensina que a vida sempre tem razão.

 

 

JM - Como foi o início de sua carreira de atriz?

 

CP - Na minha cidadezinha não tinha teatro, nem cursos, só um velho cinema que eu adorava quando podia ir. Estudei balé clássico em Erechim, cidade vizinha, e minha professora tinha bastante ligação com teatro. Fazíamos espetáculos bem teatrais, uma vez até falei um texto curtinho... assim, nasceu uma paixão pelos palcos, pela vibração de uma plateia, pela energia de trabalhar tão intensamente. Comecei a procurar e fazer oficinas de teatro. Mais tarde, mudei-me pra Porto Alegre, onde ingressei na primeira companhia que trabalhei, a Cia. das Índias. Foi uma fase bem romântica, cheia de paixão. Ensaio era a maior diversão do mundo! A gente cuidava de um teatrinho, do bar, limpava os banheiros, pintava, fazia figurino, saía no domingo, nas feiras, vestidos como personagens, distribuindo panfletos... tudo era sonho.

 

 

JM - Você gostou de trabalhar com o Zé do Caixão? Ele é um bom diretor? Como é o método de trabalho dele?

 

CP - Eu gostei muito, ele é uma pessoa muito especial. É um ser humano lindo e é um artista íntegro, fiel a si mesmo, sem medo de errar e de sonhar. Ele é um bom diretor, conhece muito e sabe o que quer. Sempre trabalhou na precariedade e nesse filme teve uma estrutura incrível, aproveitou com maestria. Tivemos uma preparação de atores sem a presença do Mojica e na hora das filmagens, ele dava indicações de intenções e climas. Ele é um cavalheiro e faz uma coisa que o cinema nacional deveria se inspirar: ele trabalha com fábula! Às vezes, acho o nosso cinema muito fechado na realidade, nos problemas cotidianos, sem entender que a poesia pode mostrar uma realidade cruel, com mais força do que o óbvio consegue.

 

 

JM - Onde mais gosta de atuar? No cinema? Ou no teatro? O que acha das novelas brasileiras? Tem vontade de atuar na TV?

 

CP - No teatro. Eu vejo TV muito pouco e quase nada de novelas. Mas pelo que conheço, acho uma fórmula defasada, engessada. Não questiona, não perturba, não experimenta. Então, pra mim, perde o sentido. Não tenho vontade e não vou atrás nem de TV nem de cinema, mas se aparecer alguma oportunidade muito boa, acho que não dispensaria. Toda experiência vale.

 

 

JM - Certa vez, Fernanda Montenegro disse que a profissão do ator não é para quem tem pudor. Charlotte Gainsborg usou dublê nas cenas mais fortes de Anticristo. Atores americanos fazem sexo de roupa. Você aparece seminua em Vestido de Noiva. O que pensa sobre a nudez na arte? Você se sentiria à vontade fazendo cenas de sexo no cinema?

 

CP - No teatro, além da seminudez de Vestido de Noiva, fiz por dois anos A Filosofia na Alcova, que tinha cenas de nudez e violência sexual. Foi importante pra mim, mas não posso dizer que é confortável, prefiro não fazer. Tem vezes que o espetáculo pede e a nudez realmente é necessária, daí compreendo, mas tem também outro jeito, quando o espetáculo pede nudez e você perverte às avessas... Acho que hoje é ultrapassada essa ideia de que ficar nu é transgressor. No cinema, fiz também cena de nudez, mas nesse caso acho bem mais constrangedor, tem uma equipe geralmente grande, tem pausas, problemas de luz... Agora, acho que o pudor não é só do corpo e todo ator tem suas limitações, que no meu entendimento são menos graves quando apenas físicas...

 

 

Com Fabiano Machado em A Filosofia da Alcova | foto de Bob Sousa

 

 

JM - Cite 10 filmes que você ama.

 

CP - Gritos e Sussurros, Ingmar Bergman; De Olhos Bem Fechados, Stanley Kubrick; Asas do Desejo, Wim Wenders; Longe Dela, Sarah Polley; As Virgens Suicidas, Sofia Coppola; Fale com Ela, Pedro Almodóvar; O Sonho de Cassandra, Wood Allen; A Noite, Michelangelo Antonioni; O Escafandro e a Borboleta, Julian Schnabel; Dogville, Lars Von Trier.

 

 

JM - Qual é a melhor coisa de trabalhar com os Satyros?

 

CP - A segurança de estar entre amigos, dividir a cena com pessoas que posso contar na vida e que podem contar comigo sempre; a liberdade pra criar e conversar.

 

 

JM - Você aceitaria um convite para posar nua para a Playboy? O que pensa sobre isso? É um trabalho como outro qualquer?

 

CP - No meu caso, não seria nada conveniente aceitar um convite como esse. Não gosto de julgar e acho que pra algumas mulheres vale a pena sim. Pra quem tem fama e vai ganhar um bom dinheiro, pra arrumar a vida ou ajudar a família, por exemplo. Mas acho que não gostaria de fazer e nem da repercussão, até porque não gostaria de ficar famosa a esse ponto, gosto da minha vida assim.

 

 

JM - Quem são os seus compositores preferidos?

 

CP - Paulinho da Viola, Tom Zé, Jards Macalé, Chico Buarque, Walter Franco, Arnaldo Antunes, Tom Jobim.

 

 

JM - O que acha do trabalho do Teatro Oficina? Aceitaria um convite para trabalhar com o Zé Celso?

 

CP - Acho um trabalho grandioso, importante e belo. Eu já quis trabalhar com o Zé, mas a vida sempre me levou por outros caminhos, nunca nem cheguei a tentar. Eu brinco que meu tempo de ter trabalhado com o Oficina já passou, que eu não teria agora afinidade com o trabalho deles. Mas não sei, sempre se pode mudar e eu respeito muito o que eles fazem.

 

 

JM - Cite algumas peças de teatro que você adorou assistir.

 

CP - Primeiro Amor (de Samuel Beckett, com Marat Descartes. Direção: Georgette Fadel); Diálogo Inútil do Abismo com a Queda (Texto e direção: César Ribeiro); O que você foi quando era criança? (de Lourenço Mutarelli, com a Cia. da Mentira); Hamlet (montagem do Peter Brook); A Vida na Praça Roosevelt (de Dea Loher, com o grupo alemão Talia Theater); A Tragédia de Romeu e Julieta (direção de Marcelo Lazzaratto); Memória da Cana (direção de Newton Moreno).

 

 

JM – Conte-me como foi a viagem à Cuba com os Satyros.

 

CP - Uma experiência e tanto. Primeiro, porque se trata de um lugar único e também por acompanhar nossa Phedra D. Córdoba, que voltava pro seu país depois de 54 anos! Montar um texto cubano e estrear em Cuba tem uma força extraordinária! Convivemos com aquela realidade, com o clima, a comida, as habitações, a cultura, enquanto finalizávamos o espetáculo e extraímos muita força disso.

 

 

JM - Qual é o seu signo, sua cor e sua fruta preferida?

 

CP - Peixes, azul e abacaxi.

 

 

JM - Como é a rotina de ensaios e a convivência com os atores do Satyros?

 

CP - Se estamos em processo novo, os ensaio são diários, bem puxados e intensos. Se estamos em cartaz, é uma rotina mais leve. O que acontece, geralmente, é estarmos em cartaz e já ensaiando um processo novo... Nossa convivência é ótima, gostamos de ficar juntos, somos uma família. Saímos muito juntos, marcamos almoços e jantares, viajamos. No ano passado, fomos pra Paraty no Ano Novo, uma delícia!

 

 

JM - O que Cléo De Páris mais gosta de fazer quando não está trabalhando?

 

CP - Dormir, escrever, ler, ver amigos, ficar sozinha em casa, telefonar pra minha mãe.

 

 

Em Vestido de Noiva | foto de Midori de Lucca

 

 

JM - Escrever no blogue dá prazer? Você escreve poemas? Pensa em publicar livro?

 

CP - Eu amo meu blogue [http://pueril.zip.net]. Cuido como se fosse um diamante e me dá muito prazer. Também me deixa mais calma. Não escrevo poemas, até já escrevi, mas não são bons. Eu gostaria de juntar meus textos preferidos e transformar num texto teatral, um solo. Talvez faça isso um dia, mas publicar livro seria pretensão demais pros meus rabiscos...

 

 

JM - Felicidade é o peixinho morder a isca sem se machucar no anzol. Certa vez li essa frase num poema infantil em seu blogue. O que é a felicidade pra você?

 

CP - É o peixinho morder a isca sem se machucar no anzol! Posso discorrer horas sobre isso, mas vai ser tudo pra explicar o que essa criança já disse. Somos muito afoitos, queremos muito e muito rápido, esquecemos de prestar atenção e perdemos o essencial, o simples, onde está a felicidade. Imaginamos uma felicidade imensa e sem fim, uma vida perfeita, sem medo, sem dor. Nunca vamos achar. O anzol vai existir sempre, a isca também. É preciso ter cuidado, paciência, serenidade e entendimento pra ser feliz. É preciso também lembrar que a felicidade acaba, depois volta, depois acaba, depois volta...

 

 

JM - O que é o amor para você? O que é o sexo para você? Acredita no amor romântico?

 

CP - A pergunta é complexa. Não sei dizer o que é o amor, mas sei que é preciso ser incansável quando se ama. Tem que ser um encontro mais forte do que os problemas. Qualquer tipo de amor, por um amigo, por um parente, por uma profissão, por um companheiro, é verdadeiro quando você não consegue se livrar dele facilmente, por causa de bobagens. O amor que acaba de repente, pra mim nunca existiu. O amor é forte e nos fortalece. Não acredito no amor romântico, tenho 37 anos e já me decepcionei bastante. Acredito no desafio de amar, no aprendizado, na perseverança. Romantismo é pra quem quer mentir. Sexo... é uma maravilha, que quando mal aproveitada, atrapalha mais do que ajuda.

 

 

JM - O que é mais importante na vida para Cléo De Páris?

 

CP - Minha família.

 

 

 

junho, 2010
 
 
 
 
 
 

 

Cléo de Páris (Barão de Cotegipe/RS, 1972). Atriz. Faz parte da companhia teatral "Os Satyros". Em 1998, participou do curta A Vida do Outro, em 16mm, que lhe rendeu um Kikito de melhor atriz. Participou das montagens A Filosofia na Alcova, do Marquês de Sade; Cosmogonia, Experimento Número 1, de Rodolfo García Vazquez; A Vida na Praça Roosevelt e Inocência, de Dea Loher; O Dia das Crianças, de Sérgio Roveri; El Truco, de Roberto Áudio; Divinas Palavras, de Ramón del Valle-Inclán; Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues e Liz, de Reinaldo Montero, que teve estreia mundial em Havana, em julho de 2008. No cinema, participou dos filmes Snake (2001); Vou Zoar Até Morrer (2001); Tolerância (2000); A Verdade às Vezes Mancha (2000); Dois Filmes em Uma Noite (2000); Outros (2000); Nocturnu (1998). Atuou no teleteatro Vento nas Janelas, em 2007, com direção e roteiro de Rodolfo García Vázquez, uma co-produção da TV Cultura e SESC. Em 2008, dando sequência ao projeto, fez A Noiva, um telefilme com a mesma equipe, ao lado de Gero Camilo e com roteiro de Ivam Cabral. Também em 2008, esteve no cinema, no elenco de Encarnação do Demônio, de José Mojica Marins e em Booker Pittman, curta-metragem de Rodrigo Grota. Em 2009, estreou o espetáculo Cansei de Tomar Fanta, texto de Alberto Guzik, e direção de Daniel Tavares. Escreve o blogue Pueril.

 
 

Jovino Machado (Formiga-MG, 1963). Poeta. Graduado em Letras (UFMG). Publicou, entre outros, Trint'anos proust'anos (Mazza edições, 1995), Samba (Orobó Edições, 1999), Balacobaco (Orobó Edições, 2002), Fratura Exposta (Anome Livros, 2005), Meu bar, meu lar (Editora Couber Artístico, 2009) e Cor de cadáver (Anome Livros, 2009).

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