O CASAL DE PATINADORES

 

 

Não pela idade no lombo. Tanto estrago no rosto só os reveses justificam — injustiça, desamor, ingratidão. A pele lisa das mãos não dava sinais de senilidade. Afinal, o que nos envelhece não são os anos, os dias, as horas, mas apenas o momento do trompaço.

A roupa dele, não nova, denotava boa qualidade. E o caimento do corte denunciava tempos abonados, merecedor do consagrado estilista D'Carlos.

 Falava bem. Olhar arguto, com expressão de quem acha a resignação uma covardia. Foi empresário de sucesso. Perdeu tudo, sem permitir que o fracasso lhe subisse à cabeça. Só não perdeu as qualidades de músico, poeta, bondade e bom humor. Só? Caramba! Apregoava não saber muito, mas sabia o que fazer com o pouco.

Se fosse resignado, já que nunca teve habilidade nem para trocar uma lâmpada, não teria feito com as próprias mãos o casal de patinadores. Primeiro esculpiu o homem, tão imperfeito que lhe dava autenticidade. Garimpou com canivete num sarrafo roliço, jogado. Escalavrou o cepo, foi ao cerne até dar ao rosto sensação de contentamento. A ideia dos patins de rodinhas veio depois, para plantar vida à criatura. Logo percebeu a solidão do patinador. E sem precisar tirar uma costela dele, fez a patinadora, esbelta, graciosa, boca de carmim, biquinho pidão.

Um passante, senhor bem-vestido, terno risca de giz, também nos moldes do bem-bom de outrora, meio acanhado por não ser comprador de bugigangas de rua, disfarçou para ver o casal de patinadores deslizando na pista improvisada num tabuleiro, no colo do vendedor, que dava leves trejeitos com os joelhos, imprimindo evoluções elegantes na dupla. Resolveu se deter, traído por percepção refinada, sensível às delícias das insignificâncias. Os bailarinos iam crescendo de lá pra cá em rodopios animados, ao som de uma valsa vienense, solfejada entre dentes pelo dono daqueles artefatos em atração, com vida para quem merece intuir.

Puxou papo:

— É de pilha?

— Não. De fricção.

— Você mesmo é que fez?

— Sim. Mas não sou escultor nem artesão. Fuçador acidental.

— Então...

— Então, graças ao que a ociosidade aguça, mais a necessidade, fui fazendo. A futilidade não exige esforço real. E uma paixão boba pôs alma nos patinadores.

— Parece que a gente se conhece, não é mesmo?

— Também acho. É surpreendente o desdobramento da alma, como nessas duas criaturinhas, que já não posso chamar de objetos. Elas se amam.

— Quanto custa?

— O patinador um real. A patinadora dezenove. Mas só vendo os dois juntos.

— Não digo? Somos parecidos. Gostei da sua inventiva. Acontece que só tenho dez reais e gostaria de levar a patinadora para minha netinha. É original. E nunca tenho como presenteá-la.

— Poxalavida! Perdoe. Sem a patinadora o patinador morreria de tristeza. Vejo por mim. E ela perderia a razão de incorporar vida.

— Desculpe. Entendo. Quem sabe, quando  receber os caraminguás da minha aposentadoria eu lhe reencontre.

— Tá bom. Leva. Mas olha, ela não gosta ser chamada de bibelô.

Quadras adiante, com a patinadora no bolso, o comprador sentiu pena. Arrependeu-se. Voltou. O vendedor não estava no mesmo lugar. Olhou pela vidraça da lanchonete, viu com que sofreguidão o criador comia um sanduíche. Com a outra mão esfregava os olhos, como se estivessem ardendo. Ao lado, o jornaleiro tomava conta do tabuleiro com o patinador solitário, sem dúvida melancólico. Pedia placa: Tédio.

Largou a patinadora encostadinha no patinador. E sem os dez reais que seriam para seu lanche e condução, sumiu pelo lado da sombra.

 

 

 

CRÔNICA E CRONISTA

 

 

Entretanto, cronista é... sei! É esquisito, trombada no estilo abrir qualquer fala ou escrita com a palavra entretanto. No entanto, ainda é melhor que outrossim e serve de inusitado tranco pro papo pegar carona no pensamento, engatando de reboque na frase para dizer que cronista é retratista mundano. Lambe-lambe de tudo posto de viés. Explode o flash, entrega a foto nua e crua. Roteirista telegráfico do circunstancial. Sua aguçada sensibilidade pode desdobrar o instante. E do quase nada surge o imprevisto, levando à emoção ou ao riso. Assim, diz até da faca sem cabo que perdeu a lâmina. Mas  o leitor sente o fio.

O cronista mais corta do que acrescenta em seu texto. Como o escultor na madeira: escalavra o cepo, até chegar ao cerne. E explode no âmago.

Parece fácil escrever crônica. E se aventura o envernizado, com ou sem diploma na parede. Talvez por isso, jornais e revistas tradicionais, massudos, intitulam a coluna C R Ô N I C A, em letras garrafais, tamanho litro. Se não, ninguém fica sabendo tratar-se de crônica.

Ocorre o escritor ou jornalista ser competente em outro gênero, dito nobre. Pode até ser o dono da empresa. Mas é cronista? Não. Não tem acesos os três olhos.  O da nuca, próprio do cronista, isso lá não tem não! Mais se parece ao escrivão de cartório, que escritura de feitio seco, quadriculado.

Otto Lara Resende e Clarice Lispector, consagrados, brilhantes na arte de escrever, criativos, faziam questão de dizer que não eram cronistas, apesar de às vezes parecer. Mas como disse seu Ângelo, meu pai, sobre a caranguejada do Tio Catita, "Parecido não é igual".

Apesar de se reconhecer valores que se firmaram como Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Henrique Pongetti, só a qualidade de cronista não lhes deu o pódio. Rubem Braga é exceção.

Os manejadores de caneta-tinteiro ou do computador, no mundo das letras, sem talento, porém espertinhos, julgam que basta se fingir de simples para escrever crônica. Não sabem que "Simples não é o começo, é o fim". Como também já disseram, "Se simples fosse fácil, já tinham feito outro Parabéns a Você".

Falsos cronistas descambam para o ordinário, por não saber dar trato à vulgaridade. Outros, fazem crítica literária de alto nível, comentam ciência política, montam respeitável artigo de fundo ou dissecam um acidente em reportagem, mas atropelam o título crônica quando se atrevem nesse gênero. Não alcançam o plano poético e a pluralidade das coisas aparentemente sem valor. Jamais se detêm no instantâneo da fotografia doméstica. Ou na figura de um mero passante.

O cronista precisa ter disponibilidade de espírito. Ver além das aparências com muita pontaria.

Intelectuais de cultura socada não acertam na crônica. Também, pra que, né? Você conhece concurso literário para crônica? Poesia, romance, conto, peça infantil e até paródia, recebem prêmios. A doença é crônica, com perdão do trocadilho.

Gênero ingrato. Consome o escritor, por dele exigir o extrato da essência, mas reluta-se para consagrá-lo na literatura. O cronista esgota o assunto em meia folha de papel, sacando facetas do cotidiano, gastando o que poderia ser armazenado para um conto ou romance. Liquida o mote pela rapidez como entrega o tema, muitas vezes à altura de uma obra literária de fôlego. Isso significa presentear talento a retalho. Convenhamos: é preciso coragem para se intrometer em prosa de alma e liberdade pra conversa fiada.

O poder de síntese do cronista é caracterizado pelo engenho como usa a pontuação na frase. E nem  sempre é frase, ainda que enxuta. É simples palavra, solta, capaz de despertar para reflexos humanos. Preciso, de passeios breves, constrói com baba de quiabo um conteúdo vivaz ao decifrar criaturas. Sem excessos, dá tacadas com extrema agilidade, encaçapando tristezas e alegrias, dispensando adjetivos.

As satisfações efêmeras, a pedra do bingo, o motel, as serenatas, são coisas das cantadas e da crônica, que o compacto haicai ou o concretismo buscam eternizar com certo hermetismo e nobreza. Por isso mesmo, perdem o gozo da leveza e do superficial que a crônica esbanja.

Talvez uma crônica não dure mais que algumas horas. Raríssimas permanecem. A maioria, publicada no jornal pela manhã, à tarde já está forrando a casa do coelho. De um modo geral, todas contam o que o historiador formal não registra por julgar irrelevante. A informalidade demonstra: crônicas deixam ensinamentos que enriquecem o bate-papo e o malabarismo de viver, destacando costumes. O cronista, manhoso, chega a ser solene "atento à importância misteriosa de existir". Mas quando você menos espera, bandeia do grave para o frívolo, em molecagem maneirosa.

O cronista recria o real e acerta o mote numa estilingada. Pródigo, serve gratuitamente sopa de letrinhas. Nasceu para vintém, valendo merecidamente muito mais que um tostão. O arteiro escreve, você ouve a fala. Sente o bafo. Vê. Apalpa. Descortina a graça da convivência. Dá o toque de lirismo que a pressa apaga nas pessoas, sem mais tempo para o incomum no comum. Via em que se pode andar na contramão, trombando ou não os mais puros sentimentos. Enfim, o cronista capricha para desvestir a capa que encobre a importância da banalidade. Descortina coisas significativas nas insignificâncias.

A crônica pode até ser "pastel de vento", como disse Drummond, mas com massa gostosa, bem fritinho, vira coscorão ao sabor que só o cronista sabe temperar. Poeta em prosa, cheio de truques e  artimanhas. Na missão de radar de seu povo, serve feijão com arroz arrumado numa salva de prata, sem acanhamento.

Só é preciso tomar cuidado nesses comentários para não dar margem a que se julgue ser a crônica literatura menor. Logo, é bom que se diga: o cronista cata uma gororoba, transforma em apetitoso prato fundo. É dono de piedosa ironia. Tem verve inata e a meditação típica dos desligados. Não dos sonsos. Os foras, as gafes, as situações risíveis, transitórias, o "malandro" surpreende para quem viu, mas não enxergou. Pega, levanta um pontinha do lençol, sem aparentemente nada por baixo, tudo parecendo corriqueiro. Mas quando você vê, ta lá uma goiabeira... dando jaca. E o leitor, que antes achava graça, pode deparar com um freio de mão, para deleite ou comoção.

Exagerando na comparação, a crônica lembra a morte: desdobra a vida. Talvez para outras vidas.

E para não lambuzar mais, tchau.

 

 

 

O QUE FOI PRO FERRO-VELHO

 

 

Alcebíades, diretorzão da empresa. Gervásio, gerente. Seu Belmiro, contador. Chefe do escritório e contador, sempre a mesma pessoa. Praxe. Aurora, a caixa. Dona Aurora! E um punhado de funcionários com cara de mormaço. Costume: suspensórios, elástico na manga da camisa, meias brancas, gravata preta amarfanhada, nó pronto petrificado e torto. Comprava-se no "braço-fixo". Só Belmiro usava na testa um quebra-luz de celulóide lilás para afetar status. Nem precisava, com a luz já quebrada no vitraux. Mas funcionava como faixa de capitão. De bigode enroladinho nas pontas, tudo que dizia já vinha entre aspas. Os acessórios dispensam dizer a época: berço de mata-borrão, mimeógrafo, caneta de madeira com pena Malat. Tinteiro de rolha. Ah! É! Tinha o Benjamim, o Beja, filho do patrão. De manhã, não trabalhava e à tarde ia lá. Quando faltava na segunda-feira, enforcava os próximos dias. Alegava que a semana já estava perdida. Mas todo mundo gostava dele. O pai fingia que não gostava.

— Seu Belmiro, com todo respeito, o senhor também vai ser posto no olho da rua?

— Não. Tomara que não.

— E se for indenizado? Trinta anos de casa!  Já pensou na bolada?

— Já disse. Não quero. Minha única distração é o trabalho. Se parar, ficarei mais só ainda. Não tenho ninguém na vida. Meu canário morreu.

— Vai gozar, pô!

— Gozar o que, rapaz? Pra fazer nada é preciso talento. O sagrado direito ao ócio não é dado a qualquer um. Nasci para pingueponguear números. Sem acordo. Não admito ser substituído por esse tal computador. Máquina! Vem uma joça dessa metida a sebo, joga na rua um monte de pessoas como se fossem parafusos enferrujados.

Belmiro, de veneta, já tinha encasquetado um plano: tentaria dominar o cérebro eletrônico. Se havia disciplinado tantos funcionários, não seria uma cabeça artificial que iria fazê-lo de trouxa. Não se limitaria a estudar apenas as programações. Fuçaria tudo até dissecar o computador. Aí desmoralizaria a peça. Seus subordinados voltariam ao trabalho. Novamente teria sob suas rédeas criaturas de Deus, obedientes. Sério, digno, chamava na responsabilidade. Só que agora, de semblante mais triste.  Dedicava-se exageradamente ao mundo da informática. De tanto trabalhar nos feriados, a perseverança o levou a varar noites.

O velho contador, chefe, não pretendia maior interação com o computador — "sujeito" amoral, aético, insensível. Com ele não queria intimidade, mas tinha consciência que para enfrentá-lo precisaria avançar em neurociência computacional. 

Combinar ciência e arte, tecnologia e criatividade, intuição, percepção, sensibilidade, jamais qualquer máquina conseguirá. Impessoal, impermeável, é pouco para menoscabar o caráter do computador, treco alheio ao espírito. É! Não pode haver vida interessante sem prestarmos atenção uns aos outros.

A sociedade não pode ser medializada no mundo digital. Ou de vez seremos todos imediatistas, superficiais, amorais. Digo todos porque uma boa parte já está embrutecida.

Tal monstruosidade metálica — a central eletrônica, com sua linha de computadores numéricos e letras pré-concebidas, induzirá todo mundo esquecer a graça de misturar alhos com bugalhos. E tudo será enfadonho adrede programado. (Que tal adrede?). Fim das delícias da dessemelhança humana. Sofisma é preciso. Nenhum computador, por mais poderoso, substituirá a criatividade. Só o cérebro inventa, vislumbra e é capaz de discernir. E vai ser engraçado quando o computador quiser negar a existência de Deus. O Senhor fará o teste definitivo: pedirá que ele use a imaginação.

Belmiro sempre foi estranho, esquisito mesmo. Desde o curso primário achava a matemática fascinante. E a absoluta certeza de dois mais dois já lhe causava perplexidade.

Quem diria! Belmiro, tão compenetrado no trato com os seus colegas, embasbacou-se envolvido num trambolho que não fala, não ri, não chora, não comenta as manias da mulher, o sarampo das crianças, a chegada da sogra, não implora vale. Ficou bitolado. Os números, tanta digitação o deixaram assim. Coitado! E nem percebia que seus superiores o olhavam de viés. Imaginavam ter ele se apegada ao aparelho, enquanto sua vingança evoluía. Aumentava o ódio. E dominava cada vez mais o computador.

Matutava: "Um dia ainda te mato, engenhoca desgraçada. Tu só respondes numa gama de proposições" — Pensou em linguagem cibernética. "Te pego! Faço pergunta de algibeira, simples, inteligente ou bastante complicada, vais roncar, estrebuchar... cataplitapá! Gostarias de me perguntar a resposta. Mas não tens alma, sentimentos, esperanças, angústias, tesão, sede. Não sabes falar, não raciocinas, não ligas pra nada, não precisas de mim. És auto-suficiente. Tá certo: nada temes, mas também não expressas desejos. Então, cataplitapá! Dane-se. Vai melar tudo no teu bestunto. Velório de ferramenta assistiremos".

Depois do expediente Belmiro fazia hora extra por conta própria. Ia pra casa, trancava-se. Estudava. Até fez curso de cibercultura. Calculava as manobras de cada plaquinha. Não seria covarde, matar pelas costas. Queria enfrentar, lutar com a máquina, usar as mesmas armas. Vencê-la no terreno que ela dominava, subjulgando-a, impondo o humano — cérebro e mente versus cultura digital.

Belmiro conseguira diploma de contador trabalhando de dia, estudando à  noite,  duro,  moendo   no  liquidificador  da  vida. E  a cotovelada paulista para subir? Na capital todo mundo calça quarenta e quatro bico largo. Se o cara para, passam por cima sem olhar pra trás. Tudo pra quê? Ser trocado por um amontoado de ferro. "Cachorra! Sucata nela".

Belmiro nunca foi de Carnaval. Aproveitou aqueles dias de folga para finalizar o esquema. Mataria o computador ao empastelar tudinho. Curto-circuito monstro e fumacinha. Testaria a imbecilidade da intrometida. Assassinato, sim. Por vingança.  Vingar os funcionários postos na rua e lustrar seu ego por ter eliminado o  prazer de comandar.

Terça-feira Gorda agonizava. A Rádio Atlântica de Santos PRG-5, encerrava com a bela e triste marcha-rancho: "Rasguei a minha fantasia / O meu palhaço / Cheio de laço e balão. / Rasguei a minha fantasia / Guardei os guizos no meu coração".

Quarta-feira de Cinzas. Tudo pronto. Armou a equação. Forneceu ao computador todos os elementos para o justo duelo. Apertou o último botão. Vire-se. A máquina se virou. Não ouviu o cataplitapá. E em menos de três segundos o computador cuspiu o resultado que durante quase um ano planejou.

Naquele dia, avisou que sairia mais cedo. Desiludido. Envergonhado. Arrasado. A máquina era melhor mesmo. Maldita! Onde a compensação de seus méritos? Logo virá injeção para substituir gente que faz gente. Do robô ao cyborg eterno. Deus nos livre! Quem tem que viver séculos e séculos até conhecer a verdade é um desgraçado.

Partiu a pé pra casa. Parou num jardim público. Tirou a palheta, passou a mão na cabeça, desgrenhou os cabelos em total desrespeito à brilhantina Royal Briar. Sentou-se naquela posição em que os joelhos puxam a testa. Atrás de uma borboleta corria um garoto. Na passagem, o menino arrancou uma flor.

— Psiu! Que é isso, menino? — Estrilou Belmiro. Não vê que a flor também precisa viver?

— Ué! Ela não anda... não fala!

— Não anda, não fala, mas tem vida. Tudo tem vida. Acho que até computador. Planta, bicho, vento, tudo tem vida. — Tentou facilitar a compreensão do menino.

— Como a barbuleta que avoa?

— Isso: como a borboleta.

Intão pruquê flor não avoa também?

Belmiro danou-se a raciocinar  com a inusitada  pergunta. Queria  resposta  convincente,  simples  igual  à  questão.   Pensou... pensou  e... cataplitapá!

— Mãe! Mãêee! O home caiu!

 

 

[imagem ©aratbass]

 

 

 

Sobre Aguinaldo Loyo Bechelli
Quando se fala dos melhores cronistas do Brasil, sempre repete-se os mesmos nomes, começando por Rubem Braga. Tudo se renova, mas parece que os cronistas consagrados venceram o próprio Cronos e estão se perpetuando em manuais de literatura ou em páginas de jornal. Entretanto, há um cronista que dá samba (ou choro, já que ele é percussionista de um conjunto de chorinho), que há muito tempo circula as suas crônicas por esse mundo afora e não tem a fama das figurinhas carimbadas, mesmo sendo de igual quilate. O cronista é santista de nascimento — e paulistano de adoção — Aguinaldo Loyo Bechelli. Por muitos anos, Bechelli esteve à frente de um conglomerado de empresas, trabalhando duro como empresário e deixando um pouco de lado o talento que Deus lhe deu. Com a aposentadoria, Bechelli começou a se dedicar exclusivamente a
escrever crônicas, que publica na revista "Elite". Ele também as distribui para os amigos mais chegados. Só recentemente adotou o e-mail, mas ainda prefere o correio tradicional. E é sempre uma agradável surpresa receber uma correspondência de Bechelli. Gargalhada garantida desde as primeiras linhas. Aguinaldo consegue pinçar do cotidiano as coisas mais estranhas e engraçadas. Consegue perceber o que os outros deixam passar batido. O cotidiano de Bechelli parece um mundo mágico, onde as coisas só acontecem com ele. Dá até inveja perceber que o nosso cotidiano não é igual ao dele. Na verdade, é o nosso olhar — já embotado por tanta tecnologia — que não consegue enxergar o que só Bechelli vê. [Paulo Mohylovski]