Quando eu era pequeno, houve uma terrível seca em nossa terra. Nenhuma planta sobreviveu, exceto a figueira. Nada mais cresceu, nem hortas nem outras frutas. Só podíamos cultivar figos, logo eu, que sempre detestara figos. Talvez fosse um castigo divino, uma vingança ou um aprendizado que deveríamos passar, mas só me lembro dos figos. Nem mesmo por necessidade eu conseguia gostar de figos. Com o passar dos anos minha família ficou conhecida pelos figos que produzíamos, vendemos figos para pessoas que vinham de lugares muito distantes. Eu aprendi a plantar, cuidar, proteger das pragas, colher, guardar e vender. Se perguntavam se ele era bom, eu dava um pedaço para experimentar, não tinha outro jeito de saber se eram bons. Todos gostavam e compravam sem mais perguntar. O único figo que comi foi um que não coube na cesta e fiquei com pena de jogar fora. Hoje tenho muitas figueiras e sou conhecido por aquilo que detesto.

 

 

 

 

 

 

 

 

Eu sei por que escrevo, tenho em mim a resposta e não precisei de filosofias inúteis para sabê-lo. Quero o oposto das coisas. Se estou no ar, o chão domina a paisagem. Da terra, o céu convida. Abro o caderno para escrever e procuro por páginas já preenchidas. Pego um lápis de ponta quebrada para apontá-lo. Faço de pé para depois sentar. Paro de escrever, fecho o caderno, guardo o lápis e devolvo minha alma a todos. Saio de casa para ver pessoas. O contrário de escrever é participar, do mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

Me dei conta que eu acompanhei uma criança crescer. Ela nada era minha, irmã, sobrinha, prima, era a filha recém-nascida da minha dentista. A foto de um bebê passou a receber os pacientes. Eu gostei daquele pequeno rosto, enrugado, gostei dela nos receber. Ir ver a dentista era coisa de uma, duas vezes por ano. E aquele pequeno rosto foi ganhando feições de menina simpática. Comecei a perguntar sobre sua filha, como ela estava, mandava lembranças. Não conversávamos mais que cinco minutos, afinal, eu não era o único com dentes. A menina foi crescendo, dos pequenos dedos, do rosto enrugado, dos olhos fechados, para uma bonita criança. Daquelas fotos sem os dentes da frente, de trancinhas, vestida de bailarina. Não ligo se jamais conhecê-la. Só por ter acompanhado o crescimento de uma criança, que por sinal, ainda vou ver crescer mais, faz com que eu seja um amigo distante que não aparecerá para visitar. Daqueles amigos que mesmo sem saber deles, guardam nossos rostos e sempre nos querem bem. 

 

[imagem ©prodigaldog]

 

 

 

 

Rafael F. Carvalho (São Paulo/SP, 1978). Formado em Letras pela Universidade de São Paulo. É autor do livro A Estante Deslocada (São Paulo: Patuá, 2011). Foi publicado em antologias de novos escritores e em jornais universitários.