a mandíbula

 

32 vácuos me mordem

 

e os dentes do caos

na mais perfeita ordem

 

 

 

 

 

 

adeus ano velho

venta um ar vário

varrendo as fendas

e há folhas tantas

atrás do armário

 

nas fundas sendas

do itinerário

vai pras calendas

meu calendário

 

 

 

 

 

 

revoada

 

saem as moças pro trottoir:

 

à luz da rua um paná-paná

de mariposas de lupanar

 

 

 

 

 

a fonte

 

jorram parábolas,

lágrimas pródigas

;

meu olho é pálpebra

pra toda ópera

.

 

 

 

 

 

 

ariadne

 

confio no fio

do instinto: por cá, minho

por lá, birinto

 

 

 

 

 

 

de leve

 

asas no jardim

;

quem semeia bem-me-quer

colhe querubim

 

... e nem a chuva de chumbo

me desarcanja o mundo...

 

 

 

 

 

 

olha o passarinho

ou quadratura do círculo

 

noite e dia

há um vão

entre

 

a luz e a anti

matéria

 

entre a sorte e a miséria

então sorria:

 

você está sendo

formado

neste exato instante

 

esfera tecendo

o tempo ao quadrado

 

a espera é uma sucessão

deaquis

 

ser feliz está sempre

por um xis

 

 

 

 

 

 

o que quer uma mulher?

(resposta a sigmund freud)

 

o que quero? eu me pergunto

:

quero arte em cada assunto

quero rir e gozar junto

quero todo amor do mundo

e se não for pedir muito

quero melão com presunto

 

 

 

 

 

 

kundalini

 

não sou santa

tenho buda

só descanso

em kama sutra

 

via dutra

quando alinha

minha espinha

aos chakras teus

 

é um deus

nos sacuda

 

 

 

 

 

 

soneto da boba da corte

 

caí aqui de passagem

não tenho carro ou bagagem

vago com a cara e a coragem

de errar e seguir viagem

 

meu caminhar é ligeiro

num passo ando o mundo inteiro

não me troco por dinheiro

fabrico ouro verdadeiro

 

confesso que não venci

mas um dia fico rica

rica-de-marré-de-si

 

o universo está por vir

um verso meu é o que fica

e eu não estou nem aí

 

 

 

 

 

 

eco a narciso

da teimosia de que eu peco… eco

do pensamento que me aturde… urde

como que por encanto surge… urge

a sua imagem que disseco… seco

 

se essa voz débil que re-clama… lama

fosse punhal que a vida amola… mola

veria no amor que descola… escola

portal da luz que a minha chama… ama

 

e se ouso erguer um edifício… difícil

sem ter pilar que me confirme… firme

que diga então meu frontispício… hospício

 

deixo ao espelho a contraparte… aparte

que agora preciso partir-me… ir-me

e espalharei por toda parte… arte

 

 

 

 

 

 

a poça

 

à sombra do lustre rosa

a moça posa pro moço

qual nem lhe fizesse mossa

o assombro

 

do observador atento

sentado ali do outro lado

rabiscando em alvoroço

intenso

 

seu repasto um guardanapo

o lápis rasgando o lenço

mil traços por cada canto

da mesa

 

como quem desse de ombros

a moça finge que almoça

lenta acaricia a louça

inglesa

 

disfarça faz vista grossa

assopra a colher de sopa

no prato intacta a poça

espessa

 

brinca com a coxa de frango

de sobremesa morango

o tempo suspenso em pausa

pro almoço

 

penso que essa noite enquanto

o olhar do moço repousa

(pálpebras em movimento)

 

na penumbra do seu quarto

uma mariposa pousa

no esboço

 

ao ver-se ali num espanto

de asas o olhar se apossa

esvoaça e roça o pescoço

da moça

 

 

 

 

[imagens ©bruno perillo]

 
 
 
CHRISTIANA Helena NÓVOA Soares Carneiro (Rio de Janeiro/RJ, 1968). Poeta, formou-se em Artes Cênicas (Faculdade da Cidade/RJ) e em Psicologia (PUC-Rio), com especializações em Arte-Educação e Arte-Terapia. Fez teatro, teve loja esotérica, deu aula de artes, teve consultório, deu consultoria, teve filho (não necessariamente nessa ordem) e, nesse meio tempo, foi escrevendo. Em 2004, começou a publicar seus textos na internet e, desde 2005, mantém o blogue Nóvoa em Folha. Ganhou a Bolsa para Autores com Obras em Fase de Conclusão da Fundação Biblioteca Nacional em 2007, pelo poema (inédito) Pirilampo Rastaquera. Atualmente, trabalha como redatora e webwriter. Desde 2009,  organiza Saraus e Oficinas de Poesia.