Alice Lidell, que inspirou Lewis Carroll a escrever "Alice no País das Maravilhas", aos sete anos | Foto de Lewis Carroll
 
 
 
 
 
 
 
 

 

— Eu sou louco. Você é louca.

— Como sabe que eu sou louca? — perguntou Alice.

— Deve ser — respondeu o Gato — do contrário não estaria aqui.

 

O diálogo criado por Lewis Carrol em Alice no País das Maravilhas ilustra o mundo da menina que caiu num buraco e passou a ter surpresas que não aconteceriam se ela tivesse ficado na realidade. Muitas vezes, também salto para o outro lado e, do meu jeito, convivo com coelhos atrasados e rainhas que jogam bridge, enquanto escorrego no vácuo.

Se não chego a crescer ou diminuir de tamanho, as surpresas acontecem de outra forma, quando vejo a orelha translúcida do gato transformar-se num mapa de veias vermelhas ou uma lagarta virar uma borboleta azul. As borboletas me intrigam desde criança, eu as via espetadas em quadros como objetos decorativos. Quase chorava, mas as asas metálicas capturavam meu olhar, mesmo paralisadas. Caí num profundo encantamento quando vi uma delas voando e fiquei extasiada para sempre com o azul em movimento. Então, passei a desejar a tatuagem de uma borboleta, para ter no corpo a imagem do primeiro anjo que vi.

Mais tarde veria outros anjos, como os pássaros que me visitam quando estou distraída, sobrevoando a sala para sair pela janela tão rapidamente quanto aparecem, bastando eu dizer baixinho: "Sai logo, senão o gato te pega".

Esses acontecimentos são "minha vida de Alice", representam a realidade paralela que enxergamos quando abrimos os olhos para coisas que acontecem e só percebemos quando viramos as páginas de nosso livro interno, onde as histórias do lado de dentro são costuradas com as histórias do lado de fora. Essa associação de ficção e realidade decerto é um dos motores da escrita, que nos faz encontrar palavras que deem conta das maravilhas que estão aí mesmo, para serem colhidas como maçãs.

No caminho por onde escorregamos para tornar a vida fantástica, às vezes, encontramos pessoas que compartilham do nosso encantamento, são nossos Coelhos Atrasados ou os Gatos que Riem.  

Só não estranha o avesso da realidade quem já caiu no vácuo que transforma situações corriqueiras em maravilhas. Com meu deslumbramento pela vida, resolvi me enfiar um pouco mais no buraco, ainda que não possua a chave do tamanho, capaz de me fazer sair e voltar das situações de perigo.

Como Alice, acho que a imaginação é um buraco sem fundo ou "a gente cai de um jeito que ele parece fundo". Esse é um ponto, assim como outros pontos, que nunca consegui esclarecer. Enquanto me ausento, eu me maravilho e tu te maravilhas com todos os acontecimentos e depois os conto, de um modo que possa ludibriar a realidade.

Assim, assino CELIA que, do avesso, também poderia ser ALICE.

 

 

 

setembro, 2012

 

 

 

 
Célia Musilli é jornalista, cronista e poeta. Autora de Sensível desafio (Atrito Art, 2006) e Todas as mulheres em mim (AtritoAr/Kan Editora, 2010), escreve para a Folha de Londrina, faz Mestrado em Literatura na Unicamp. Gosta de livros, mar, viagens, estrelas e gatos, nem sempre nessa ordem.
 
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