Adriane Garcia

Guarda-costas

 

 

Lembro-me de que fiz

O caminho diuturno da fuga

(hora de merenda: tinha fome)

 

Chegando lá

Na estante

Avistei o calhamaço:

Antologia poética de

Carlos Drummond de Andrade

 

Voltei para casa protegida

Aquele moço tão grande

Me acompanhando.

 

 

Adriane Garcia

Na Germina

> Poemas

> Metalinguagem

> Não há vagas

 

 

 

 

 

 

Ana Elisa Ribeiro

Nem Drummond nem Torquato

(Menos ainda Adélia)

 

 

quando nasci

não veio anjo

algum

 

o Sol se escondia

do outro lado do planeta

 

e eu surgi

completamente

noturna

 

por entre as pernas

roliças

de minha mãe:

 

"vai, filha,

desbravar trilha".

 

 

Ana Elisa Ribeiro

Na Germina

> Poemas & conto

 

 

 

 

 

 

André Ricardo Aguiar:

 

 

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos!

ser coach na vida.

 

 

André Ricardo Aguiar

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Assionara Souza

Drummond em tempos sinistros

 

 

Quando eu nasci

Um anjo escroto desses que tocam punheta disse:

Quem mandou nascer mulher! Vai acabar embuchando!

 

As casas espiam os homens

Que correm atrás de outros homens

À tarde, talvez vá à sauna gay

Matar urgentes desejos.

 

O bonde passa cheio de pernas:

Pernas brancas pretas amarelas.

O tarado já fica ligado e se achega nas minas

pra dar umas encoxadas

Eu tudo vejo. Porém meus olhos não perguntam nada.

 

O homem atrás do bigode

Com cara de sério, simples e forte

É um filho da puta de um pedófilo

Já fez o filho da minha vizinha

O homem atrás dos óculos e do bigode.

 

Meu Deus, e os fundamentalistas políticos

Que querem se fazer de Deus

Com seus discursos fascistas?

 

Mundo mundo vasto mundo

Se eu fosse preto, me chamasse Severino

E não tivesse o ensino médio

Seria mais um nordestino fudido

Que só.

 

Eu não devia te dizer

Mas essa rua

Esse revólver

Botam a gente comovida como o diabo.

 

 

Assionara Souza

Na Germina

> Conto

> Entrevista

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Gilcevi

um varão que acaba de nascer

ou da meritocracia

 

 

quando nasci

um anjo brasileiro saiu da sombra

me deu 10 reais

um revólver

um livro

 

e disse

bicho, agora é contigo

 

 

Gilcevi

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Gustavo Terra

Poema de Sete Fugas

 

 

quando nasci, anjo...

nesse mundo torto

velaste mudo meu incurso na sombra

 

aqui entre homens mulheres e feras

paira em luz baça um farol

(avesso ao azul)

de um bonde chamado desejo

 

nele vagamos num vai e vem de olhares

pernas quadris e sonhos e sustos...

descompassado pulsa

meu ponto de interrogação:

por quê, a quê, o quê ou quem?

quase ouço o silêncio…

 

o homem atrás das imagens

é cego, frágil invisível

e fala ininterrupto ao léu.

nem é amigo de si

o homem por trás das miragens

 

Céus! por que acordo sofisma ou chantagem

acordo ainda, mal o sol avente

minhas mal traçadas linhas?

 

mundo velho vida louca

se eu não dormisse de touca

talvez não temesse solidão

vida pobre rima rouca

mais rouco é o meu violão.

 

ah, irmã lua...

esse olhar grave e mudo

é que me sopra ao pé do ouvido:

vai menino! seu coração leva o mundo!

 

 

Gustavo Terra

Na Germina

> Poesia

 

 

 

 

 

 

Helena Britto Pereira:

 

 

Quando nasci sem chorar e logo depois urrei,

meu pai (e obstetra), parafraseando Drummond,

disse: "Vem Helena, ser grega na vida".

 

 

Helena Britto Pereira

Na Germina

> Conto

 

 

 

 

 

 

líria porto

2 poemas

 

 

poema com alface

 

 

mulheres espiam casas

homens perseguem mulheres

e ingerem pílulas azuis

 

houvesse menos desejo

o diabo dormia em paz

e não bebia conhaque

 

 

 

 

versinhos encapetados

 

 

quando nasci

não tinha anjo disponível

então um diabinho

com um tridente

espetou a minha bunda e disse

:

vai — cai na vida

não tens outra saída

 

 

líria porto

Na Germina

> poemas

> tudo vira poesia

 

 

 

 

 

 

 

Nic Cardeal

Poema da Necessidade

 

 

Quando chegou a minha vez de nascer

não veio nenhum anjo — reto ou torto —

dizer que eu fosse ser gauche na vida

Eu nasci para o estreito vão do mundo

onde a palavra era silêncio

e quem cantava eram os passarinhos em suas asas.

A casa era de madeira 'despintada',

um riacho corria sem pressa ao lado dela,

e a tarde nem sempre se fazia de azul ou esmeralda.

Naquele cenário abandonado

não havia bondes nem carros,

só duas bicicletas e muitas pernas.

(Eu até esqueci que era preciso perguntar a Deus

o porquê de tantas pernas miúdas,

se faltavam tantos alimentos a fazê-las crescer)!

Tantas pernas

— duas delas tão minhas que eu trocaria por asas —

sem pestanejar os olhos,

sem vacilar a alma!

De uma coisa o poeta Carlos sabia:

O homem atrás do bigode

(era) sério, simples e forte.

Quase não (conversava)...

Não creio que a mim Ele tenha abandonado

(não o homem triste de bigode — meu pai —

que se foi do mundo quase agora,

mas o Deus dos homens caídos

e dos anjos tortos e sem asas)...

O que creio é que se Ele não se deu conta

do meu anseio por asas

não era porque sabia que eu era fraca

e não suportaria a força das asas,

mas sim porque sabia

que a força fazia ninhos na imensidão da palavra

— então o Deus dos homens caídos

e dos anjos tortos e sem asas

deu-me de brinde uma única palavra: necessidade

— fazendo morar em mim

um mundo sem fim, sem fundo,

o vasto mundo de um 'gauche' coração de poeta!

 

 

Nota da autora: trechos em itálico do Poema de Sete Faces, de Drummond.

 

 

Nic Cardeal

Na Germina

> Poesia

 

 

 

outubro, 2019