[foto do neto pedro graña drummond, 1983]
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Adelaide do Julinho

dei bandeira

 

 

vamos viver de brasa, drummond.

 

 

Adelaide do Julinho

Na Germina

> Poemas

 

 

 

 

 

 

 

 

Adriana Brunstein:

 

 

Quando nasci, um diabinho desses mancos

que não conseguia acompanhar os outros

disse: Vai, Adriana! ser cagada na vida.

 

Terás vinte dedos,

o que não causará estranhamento.

Mas um deles será podre,

não digo qual para seu tormento.

 

Sairás um horror em fotografias

em eras de filme e digital.

Talvez nem fiques tão triste,

poderás vender pro Fantástico

como uma presença sobrenatural.

 

Amarás o silêncio acima de todas as coisas,

mas terás vizinhas com pés de casco.

Não, não são minhas parentes,

mas meu humor me permite

dar esse nome a sapatos de salto.

 

Terás como opções no vestibular

carreiras que te encheriam os bolsos de dinheiro.

Mas optarás por aquela acadêmica

na tentativa de entender o mundo

que quem criou já fugiu ligeiro.

 

Para fechar com chave de ouro

acharás que tens o dom da escrita.

Mas aí será tarde demais,

ao invés de euros receberás

apenas algumas curtidas.

 

Ah, Adriana, Adriana,

se tivesses outro nome

seria a mesma merda.

 

 

Adriana Brunstein

Na Germina

> Poemas

 

 

 

 

 

 

 

 

Assionara Souza

Par odiando

 

 

Minha querida Lili — que odiava Joaquim que odiava Maria que odiava Raimundo que odiava Teresa que odiava João — acaba de me pedir o divórcio.

 

 

Assionara Souza

Na Germina

> Poemas

 

 

 

 

 

 

 

 

líria porto

4 poemas

 

 

escola

 

 

no meio da página tinha umas letras

tinha umas letras no meio da página

:

com elas aprendi palavrinhas e palavrões

cu e pindamonhangaba

 

 

 

 

drummondeio

 

 

no meio do caminho tinha uma pétala

tinha uma pétala no meio do caminho

tinha uma pétala

no meio do caminho tinha uma pétala

e muito espinho

 

 

 

 

rubros

 

 

outubro me lembra vermelho almodóvar

(que nasceu em setembro — mas não deveria)

vinicius de moraes drummond de andrade

essa gente que sendo de libra

(eu também)

deixou de lado o equilíbrio para andar

sobre vidro moído

 

 

 

 

nirvana

 

 

quintana e drummond

estavam lá na rua

quando a lua veio

então carlos falou

que bacana — senta-te aqui

no colo de quintana

e a lua se sentou

 

 

 

 

líria porto

Na Germina

> Poemas

> Tudo Vira Poesia

 

 

 

 

 

 

 

 

Luci Collin

Auto-Oxidação

 

 

quando nasci não veio anjo nenhum e portanto não se disse vai ser isto ou aquilo. "de sete meses cria, de oito é difícil!", a madrinha repetiu durante uma semana. sobrevivi. e acabei crescendo graças a bife de fígado, geleia de mocotó e ao calcigenol.

 

*

 

tenho: sogro e sogra, cirurgia adiada, conta de luz-água-telefone-celular-tv a cabo, freezer combinando com a geladeira, convite pra festa de aniversário de criança aos sábados, toalha de natal com rendinha, estrias discretas, receita de pão de queijo, seguro contra incêndio, jogo de porcelana inglesa completo menos a terrina que a empregada derrubou, cabelo precisando de um banho de óleo, liquidificador no conserto. e o pior de tudo: saudades.

 

*

 

lembro de uns vidros de perfume com tampa em forma de pêssego, presente de aniversário, infalível para meninas comportadas. eu tinha três frascos em cima da penteadeira (tinha penteadeira claro) e ficava horas olhando para os rótulos: paris, roma, tóquio, new york.

 

*

 

herança do avô italiano: "Quem guarda tem, quem não guarda a pedir vem!", "Quem muito se abaixa mostra o rabo...", "Vassoura nova varre bem". filosofia pura que a família seguia à risca. ele era um chato.

 

*

 

aos dezesseis anos se é macrobiótica, fuma maconha, rói as unhas, é socialista, só usa calça da moda, queima incenso, adora a natureza, fica trancada dentro do quarto lendo a obra completa de alguém, usa as joias que ganhou aos quinze anos junto com um colar feito de macarrão torrado. é católica roxa e zen budista. diz frases incompletas. ri como nunca mais rirá.

 

*

 

um ano inteiro chorei a morte do Cristóvão Colombo. dos sete aos oito anos. tão triste a história que a freira contou: "morreu pobre e esquecido na cidade longíqua de Valladolid...".

 

*

 

nas insônias invejo os ratos que escuto no forro da casa. movem-se, fedem. multiplicam-se. sinto o frio dos filhotes. a cada noite ouço. espero. sei o quanto estão ali. nós.

 

*

 

quando apareceu a tv a cores: "A imagem é uma beleza mas não pode assistir mais do que uma hora por dia. Faz mal pra vista". em são paulo uma criança tinha ficado cega.

 

*

 

todo verão afãs de transparência. este ano inadiavelmente serei fêmea. comprar: cremes miraculosos, vestidos indianos com estampa de flores miudinhas, duas saias curtas uma amarelo ouro outra não sei, blusas cavadas, brincos extravagantes, sandálias de saltos altíssimos. não adianta. nunca deu tempo pra usar.

 

*

 

prova de português: grafia correta das palavras. tirei dez. chegando em casa ouvir a avó falando: "Juca, seje homem e troca o fuzil que eu tô ocupada botano a roupa no quarador".

 

*

 

não tenho: marido com gota, blusinha que mostra a barriga decadente como se não fosse, chaveiro de instituição de caridade, aula de ginástica, nem mecha nem franjinha, unhas compridas e/ou vermelhas, enxaqueca, amante mais novo, jogo de panelas que cozinham sem óleo. deixo um pouco para as outras.

 

*

 

nunca pude com esta história de "clássicos". "Esperava encontrar os clássicos entre os seus livros!". clássico é o degredo das expectativas. é esta chuva lá fora, a tarde se esgarçando, a umidade das palavras envelhecendo por dentro da gente. clássico é o silêncio, a necessidade de três pontos. clássica é a sístole. é o verde tornado amarelo e o amarelo verde a cada ano. são os buracos. carneiros na escuridão. a respiração contra o vidro nas madrugadas geladas. mão tremendo. são as cinzas. clássico mesmo — não importa a ausência na estante, volumes raros, mensagens lidas — que eu saiba, clássico mesmo é o pó.

 

*

 

nunca mais ouvi: "Preciso visitar a comadre incontinenti!". nem "Esta foi formidável!". nunca mais uma tia-avó mandou: "Ponha já um barrete que está sereno!". nunca mais alguém disse sequilhos, alfazema, xale, levado da breca, farnel, valha-me Deus. nem resguardo, nem sianinha, nem carro de praça. nunca mais ninguém tropicou. (...) pior cego é aquele que lê.

 

 

*

 

as palavras são areias e se perdem. folhas enlouquecidas dançando contratempos antes da tempestade. consciências. vislumbres. quem se interessa pelos destinos? embrulho para presente? ah, está sem trocado? ofício de eterno mendigar; por que as flores se o asfalto é tão bom? por que os tambores derramando mensagens, discursos tristânicos? por que estar aqui cravando desenhos nas paredes, esculpindo sentenças, acenando aqui estou?

 

Enquanto escrevo amanhece.

 

 

Luci Collin

Na Germina

> Contos

 

 

 

 

 

 

 

 

Micheliny Verunschk

Quatrilho

 

 

João que amava Teresa que amava Raimundo.

João queria casa. e comida. e roupa lavada.

e Teresa ao pé da cama, Teresa bem amarrada.

Raimundo queria Maria mas atava Teresa.

Teresa em duas cordas, comendo alpiste na mão,

Teresa bem atada.

Mas Teresa, ah, Teresa queria o mundo

o mundo mundo vasto mundo

e antes de ir

deu pra J. Pinto Fernandes

que não havia entrado na história.

[até agora].

 

 

Micheliny Verunschk

Na Germina

> Poemas

 

 

 

 

 

 

 

 

Valéria Tarelho

4 poemas

 

 

legado

 

 

[no meio do caminho tinha uma perda]

 

possível até prever:

a paixão [perfume]

passará

 

como outras perdas

[performance de pétala]

fará parte de uma seca

paisagem

 

na certa [carlos]

um poema pedirá

passagem

 

venha com seda

ou pedra polêmica

na bagagem

 

 

"De tudo quanto foi meu passo caprichoso

na vida, restará, pois o resto se esfuma,

uma pedra que havia em meio do caminho"

Carlos Drummond de Andrade, em "Legado"

 

 

 

 

pão de queijo

 

 

[ouro de minas]

 

de tuas minas

[carlos]

e dessa mania tua

[poeta]

por pedra e poesia

 

herdei a receita

roubei a pepita

 

 

 

 

a lu[cide]z apagou

 

 

josé deu no pé

caiu no mundo

o zé [do povo]

topou na pedra

esqueceu tudo

 

e agora senhores

e agora senhoras

vi josé seguindo

meio sem rumo

pelo caminho

das sete faces

ri[ma]ndo

:

"me chamo

raimundo"

josé é disfarce

 

e agora

você

?

 

 

 

 

diamond

 

 

se a pedra

de drummond

é preciosa

— darling —

 

imagine

quantos quilates

pesa

a palavra pol[u]ida

de adelaide

 

 

para Adelaide Do Julinho

 

 

 

 

aí t[r]em

 

 

quando nasci

um anjo todo

certinho disse:

vai vai

viver na linha

 

e agora, carlos

me diga:

 

esse trem da poesia

em que rima

descarrila?

 

Valéria Tarelho

Na Germina

> Poemas

 

 

 

 

outubro, 2016