Adelaide do Julinho
dei bandeira
vamos viver de brasa, drummond.
Adelaide do Julinho
Na Germina
> Poemas
Adriana Brunstein:
Quando nasci, um diabinho desses mancos
que não conseguia acompanhar os outros
disse: Vai, Adriana! ser cagada na vida.
Terás vinte dedos,
o que não causará estranhamento.
Mas um deles será podre,
não digo qual para seu tormento.
Sairás um horror em fotografias
em eras de filme e digital.
Talvez nem fiques tão triste,
poderás vender pro Fantástico
como uma presença sobrenatural.
Amarás o silêncio acima de todas as coisas,
mas terás vizinhas com pés de casco.
Não, não são minhas parentes,
mas meu humor me permite
dar esse nome a sapatos de salto.
Terás como opções no vestibular
carreiras que te encheriam os bolsos de dinheiro.
Mas optarás por aquela acadêmica
na tentativa de entender o mundo
que quem criou já fugiu ligeiro.
Para fechar com chave de ouro
acharás que tens o dom da escrita.
Mas aí será tarde demais,
ao invés de euros receberás
apenas algumas curtidas.
Ah, Adriana, Adriana,
se tivesses outro nome
seria a mesma merda.
Adriana Brunstein
Na Germina
> Poemas
Assionara Souza
Par odiando
Minha querida Lili — que odiava Joaquim que odiava Maria que odiava Raimundo que odiava Teresa que odiava João — acaba de me pedir o divórcio.
Assionara Souza
Na Germina
> Poemas
líria porto
4 poemas
escola
no meio da página tinha umas letras
tinha umas letras no meio da página
:
com elas aprendi palavrinhas e palavrões
cu e pindamonhangaba
drummondeio
no meio do caminho tinha uma pétala
tinha uma pétala no meio do caminho
tinha uma pétala
no meio do caminho tinha uma pétala
e muito espinho
rubros
outubro me lembra vermelho almodóvar
(que nasceu em setembro — mas não deveria)
vinicius de moraes drummond de andrade
essa gente que sendo de libra
(eu também)
deixou de lado o equilíbrio para andar
sobre vidro moído
nirvana
quintana e drummond
estavam lá na rua
quando a lua veio
então carlos falou
que bacana — senta-te aqui
no colo de quintana
e a lua se sentou
líria porto
Na Germina
> Poemas
> Tudo Vira Poesia
Luci Collin
Auto-Oxidação
quando nasci não veio anjo nenhum e portanto não se disse vai ser isto ou aquilo. "de sete meses cria, de oito é difícil!", a madrinha repetiu durante uma semana. sobrevivi. e acabei crescendo graças a bife de fígado, geleia de mocotó e ao calcigenol.
*
tenho: sogro e sogra, cirurgia adiada, conta de luz-água-telefone-celular-tv a cabo, freezer combinando com a geladeira, convite pra festa de aniversário de criança aos sábados, toalha de natal com rendinha, estrias discretas, receita de pão de queijo, seguro contra incêndio, jogo de porcelana inglesa completo menos a terrina que a empregada derrubou, cabelo precisando de um banho de óleo, liquidificador no conserto. e o pior de tudo: saudades.
*
lembro de uns vidros de perfume com tampa em forma de pêssego, presente de aniversário, infalível para meninas comportadas. eu tinha três frascos em cima da penteadeira (tinha penteadeira claro) e ficava horas olhando para os rótulos: paris, roma, tóquio, new york.
*
herança do avô italiano: "Quem guarda tem, quem não guarda a pedir vem!", "Quem muito se abaixa mostra o rabo...", "Vassoura nova varre bem". filosofia pura que a família seguia à risca. ele era um chato.
*
aos dezesseis anos se é macrobiótica, fuma maconha, rói as unhas, é socialista, só usa calça da moda, queima incenso, adora a natureza, fica trancada dentro do quarto lendo a obra completa de alguém, usa as joias que ganhou aos quinze anos junto com um colar feito de macarrão torrado. é católica roxa e zen budista. diz frases incompletas. ri como nunca mais rirá.
*
um ano inteiro chorei a morte do Cristóvão Colombo. dos sete aos oito anos. tão triste a história que a freira contou: "morreu pobre e esquecido na cidade longíqua de Valladolid...".
*
nas insônias invejo os ratos que escuto no forro da casa. movem-se, fedem. multiplicam-se. sinto o frio dos filhotes. a cada noite ouço. espero. sei o quanto estão ali. nós.
*
quando apareceu a tv a cores: "A imagem é uma beleza mas não pode assistir mais do que uma hora por dia. Faz mal pra vista". em são paulo uma criança tinha ficado cega.
*
todo verão afãs de transparência. este ano inadiavelmente serei fêmea. comprar: cremes miraculosos, vestidos indianos com estampa de flores miudinhas, duas saias curtas uma amarelo ouro outra não sei, blusas cavadas, brincos extravagantes, sandálias de saltos altíssimos. não adianta. nunca deu tempo pra usar.
*
prova de português: grafia correta das palavras. tirei dez. chegando em casa ouvir a avó falando: "Juca, seje homem e troca o fuzil que eu tô ocupada botano a roupa no quarador".
*
não tenho: marido com gota, blusinha que mostra a barriga decadente como se não fosse, chaveiro de instituição de caridade, aula de ginástica, nem mecha nem franjinha, unhas compridas e/ou vermelhas, enxaqueca, amante mais novo, jogo de panelas que cozinham sem óleo. deixo um pouco para as outras.
*
nunca pude com esta história de "clássicos". "Esperava encontrar os clássicos entre os seus livros!". clássico é o degredo das expectativas. é esta chuva lá fora, a tarde se esgarçando, a umidade das palavras envelhecendo por dentro da gente. clássico é o silêncio, a necessidade de três pontos. clássica é a sístole. é o verde tornado amarelo e o amarelo verde a cada ano. são os buracos. carneiros na escuridão. a respiração contra o vidro nas madrugadas geladas. mão tremendo. são as cinzas. clássico mesmo — não importa a ausência na estante, volumes raros, mensagens lidas — que eu saiba, clássico mesmo é o pó.
*
nunca mais ouvi: "Preciso visitar a comadre incontinenti!". nem "Esta foi formidável!". nunca mais uma tia-avó mandou: "Ponha já um barrete que está sereno!". nunca mais alguém disse sequilhos, alfazema, xale, levado da breca, farnel, valha-me Deus. nem resguardo, nem sianinha, nem carro de praça. nunca mais ninguém tropicou. (...) pior cego é aquele que lê.
*
as palavras são areias e se perdem. folhas enlouquecidas dançando contratempos antes da tempestade. consciências. vislumbres. quem se interessa pelos destinos? embrulho para presente? ah, está sem trocado? ofício de eterno mendigar; por que as flores se o asfalto é tão bom? por que os tambores derramando mensagens, discursos tristânicos? por que estar aqui cravando desenhos nas paredes, esculpindo sentenças, acenando aqui estou?
Enquanto escrevo amanhece.
Luci Collin
Na Germina
> Contos
Micheliny Verunschk
Quatrilho
João que amava Teresa que amava Raimundo.
João queria casa. e comida. e roupa lavada.
e Teresa ao pé da cama, Teresa bem amarrada.
Raimundo queria Maria mas atava Teresa.
Teresa em duas cordas, comendo alpiste na mão,
Teresa bem atada.
Mas Teresa, ah, Teresa queria o mundo
o mundo mundo vasto mundo
e antes de ir
deu pra J. Pinto Fernandes
que não havia entrado na história.
[até agora].
Micheliny Verunschk
Na Germina
> Poemas
Valéria Tarelho
4 poemas
legado
[no meio do caminho tinha uma perda]
possível até prever:
a paixão [perfume]
passará
como outras perdas
[performance de pétala]
fará parte de uma seca
paisagem
na certa [carlos]
um poema pedirá
passagem
venha com seda
ou pedra polêmica
na bagagem
"De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho"
Carlos Drummond de Andrade, em "Legado"
pão de queijo
[ouro de minas]
de tuas minas
[carlos]
e dessa mania tua
[poeta]
por pedra e poesia
herdei a receita
roubei a pepita
a lu[cide]z apagou
josé deu no pé
caiu no mundo
o zé [do povo]
topou na pedra
esqueceu tudo
e agora senhores
e agora senhoras
vi josé seguindo
meio sem rumo
pelo caminho
das sete faces
ri[ma]ndo
:
"me chamo
raimundo"
josé é disfarce
e agora
você
?
diamond
se a pedra
de drummond
é preciosa
— darling —
imagine
quantos quilates
pesa
a palavra pol[u]ida
de adelaide
para Adelaide Do Julinho
aí t[r]em
quando nasci
um anjo todo
certinho disse:
vai vai
viver na linha
e agora, carlos
me diga:
esse trem da poesia
em que rima
descarrila?
Valéria Tarelho
Na Germina
> Poemas
outubro, 2016