MINIMALISMO DA CALMA

Tatear superfícies, sentimentos
observar pelas frestas, pelos cantos
ouvir os sons da vida —

e seu silêncio.

 

 

 

 

MANSIDÃO 

Passear à beira d’água
com o mar roçando os pés
em ondas que vêm e vão
ao bel prazer das marés.

 

 

 

 

*

(Sobre o pôr do sol em Florianópolis) 

Um fim de tarde fim do azul
O sol se põe o mar prossegue
A lua nasce
e o que era azul
se enegrece

 

 

 

 

TEMOIGNAGE 

Une vague s’en va en silence.

 

 

 

 

* 

A tarde no seu fim
é como um poema rascunhado.

 

 

 

 

NOTURNO

(A Eduarda Knaip Alves da Fonseca) 

Poesia posta ao chão,
a cidade a iluminar-se
traz para si as estrelas
que de tão longe a espreitam.

 

 

 

 

*

„Und ich lag mit dir“ 1:
das Gedicht bleibt hier
mit der Zukunft, auf die wir lauern.

 

 

 

 

SILENCIO 

Oigo una canción que no existe,
un poema sin fin que me acompaña
y que se escribe en lenguas que aún ignoro.
Lo veo entre los árboles, siguiendo
la luz que del sol nos tiñe de rojo el alma
e ya no creo posible cerrarlo en mis manos.

 

 

 

 

INVERNO 

Frio, mas nem tanto:
a toda dor que geme
aquece o pranto.

 

 

 

 

MIOPIA 

Do jeito que a coisa vai,
há de chegar o dia
em que só verei direito
o que, de tão perto,
me vai por dentro —
e cego ao que anda fora,
acabarei me conhecendo.

 

 

 

 

[Do livro Arqueologias do olhar. Juiz de Fora: Funalfa, 2011].

 

 

 

 

TRADUÇÃO 

Atravessar a língua,
esta grande fratura,
exige silêncio e mapas.

 

 

 

 

I

ARS POETICA 

É nos vazios
da vida
que a imaginação
se escreve.

 

 

 

 

II


ARS IMPRIMENDI
 

É nos vazios
da tinta
que a história
se inscreve.

 

 

 

[inéditos]

 

 

Nota

1 Paul Celan

“E eu deitado contigo”:

a poesia permanece aqui,

com o futuro que espreitamos.

 

(O verso citado é parte do poema “Tau” / “Orvalho”, traduzido por Claudia Cavalcante e publicado na antologia Cristal, ed. Iluminuras.)

 

 

 

[imagens ©andrea addante]

 

 
 
 

Frederico Spada Silva (1982, Belo Horizonte – MG), vive em Juiz de Fora desde 1990. É mestre em Estudos Literários pela UFJF, com dissertação sobre a obra poética de Hilda Hilst, e autor do livro de poemas Arqueologias do olhar (Juiz de Fora, Funalfa, 2011).