EXERCÍCIO DE MONTARIA
O dia cavalga crepúsculos
em seus cavalos
Ó reino do estábulo,
a existência é esse relincho
sob os cascos gastos das horas.
ÊMBOLO
Temos porém
um cão,
que só porque é pronto
late para dentro
do fundo
que se dobra
ao vazio quintal
do Ser,
entre o que nos sobra,
para logo
ir-se no mesmo nada.
Um cão
na imordaça.
Desafio
é alimentá-lo
sem que flua
à boca.
OFÍCIO SOTURNO
Quanta carne
idêntica
usufrui o tempo.
Uma tabula rasa
sobre quem o solo
forja esquecimento.
Como de um AR-15
a última verdade:
em berço esplêndido
deita-se eternamente.
REFORMA AGRÁRIA
Repartir terras
no partir do ser
à terra que o dista,
a juntar-se ao ínfimo
grão sem flor dos ossos
da eternidade nele
debulhada em bulha.
Repartir terras
no ser adentro
como do bagre ao bago
se afogam na feira os peixes,
em frescos e podres:
o ser pode em bago
voltar ao que lhe é de terra
e de direito.
RESGATE
Na boca das mamoranas
a noite amadurece,
irrompe em múltiplas papilas,
resvala nos muros encardidos
confundida com as pontas de cigarro
apagadas na urina
e com o asfalto esburacado
da avenida,
resumida à velocidade
que os pneus lhe dão
e aos passos clandestinos
de que se alimenta.
O silêncio depois é tão grande
que chega a derrubar as flores,
a desafiar as pedras,
o frio.
Engasgado nos sapatos
anda a disputar os homens.
Assume então a consistência
das sombras,
o assédio das sombras
que nos usam e se disfarçam
para despistar a claridade.
Alastra-se pela cidade inteira
até que o braço da aurora
se estenda
reavendo seus reféns.