Entro num shopping na cidade grande — desses sofisticados, que parecem induzir a que somente os abastados o frequentem. Transito por seus bem-cuidados corredores e modernas escadas rolantes, sou envolvido pelas vitrines luxuosas e sedutoras, e detenho-me em  apreciar  certos atrativos que só a mim  assim parecem. "Templo de consumo", não há porque não ser, portanto nada de considerações restritivas, forço-me a abrir mão dessa minha sina "intelectualoide"...

 

Vejo homens bem vestidos e, sobretudo, lindas mulheres, mas também pessoas aparentemente comuns, e em especial jovens, ah!, na maioria saudáveis e alguns ruidosos.

 

Sempre achei os shoppings locais adequados — diria melhor: cenário ideal — para crimes perfeitos. Não lhe parece? Como, não entende? E não concorda? (claro, se não entende, não pode mesmo corcordar). Pense bem: definido como lugar  ultrasseguro, além de atraente, fascinante, útil, confortável, etc., tanto que a maioria das pessoas, as famílias com as crianças, os jovens, o preferem  acima de tudo, justamente por isso se prestam à mise-en-scène, especialíssimo  para grandes episódios.

 

Quando falo de crime perfeito — e quanto mais elaborado e sofisticado mais condizente com o próprio status do shopping-alvo — não falo de crimes, digamos, comuns, triviais, previsíveis, tipo "bando fortemente armado invade shopping, troca tiros com os seguranças, mata guardas e fere clientes, faz reféns, um contingente policial especializado é chamado e o grupo acaba preso depois de muitas horas de negociações... nossa reportagem permanece no local, de lá fala a repórter... (sic)"; ou "um arrastão promovido por meliantes invade shopping próximo a uma das maiores favelas da cidade, provoca pânico generalizado, e foge carregando tênis, celulares e equipamentos eletrônicos...".

 

Não, falo de ações  especiais, cerebralmente planejadas e executadas. Refiro-me por exemplo a um assalto bem urdido e bem engendrado, praticado por homens  especializados e cientificamente treinados, um roubo memorável de joias preciosas, somente expostas em joalherias de grife internacional, ou de obra de um artista magno, desses considerados gênios, nacionais ou universais; ou de um sequestro com o máximo de violência e morte; ou mesmo de um assassinato, um homicídio, um ato de barbárie horripilante, daqueles a espalhar balas e granadas pelos corredores, atingindo o maior número possível de pessoas, de inundar os pisos marmorizados e pichar as paredes lustrosas de sangue; ou de um atentado a bomba, por que não, para destruir se não todo um andar pelo menos parte dele e detonar o estabelecimento que demitira o agora chefe da quadrilha.

 

Antes que você comente: sem precisar necessariamente subornar ou corromper, embora isso sempre ajude e já faça parte de prática corrente no país. Obviamente sei que você me dirá: mas e todo o esmerado  aparato de segurança, vigilância ostensiva  ou disfarçada, câmeras ocultas, alarmes camuflados e por isso mesmo mais eficientes, não são elementos impeditivos? Eu lhe pareço doido, demente ou doente, não é? Ora, onde já se viu uma maluquice dessas, que grande asneira de quem não tem o que fazer na vida, ou pensar em coisas mais inteligentes e sensatas.

 

Bem, note que falei em "crime perfeito" — e crime perfeito implica exatamente na impossibilidade e improbabilidade do erro, do restritivo, do impeditivo, para usar sua expressão, o adjetivo qualifica a superação de todos esses aparatos de que você fala — e que existem, claro, mas que seriam fatalmente vencidos pela "perfectabilidade" do  que imagino.

 

E como se faria isso? Você desafiadoramente quer saber. Simples e fácil não seria, fica evidente pela natureza da proposta.

 

Não, não pense nem evoque o cinema e seus filmes famosos, alguns mais ou menos clássicos, que fornecem exemplos marcantes do que pretendo aqui.

 

Minhas forma, fórmula e instrumento são outros: um deles — cá entre nós: há muitas outras fórmulas, mas não convém mencionar para não ensinar métodos e senhas que estimulem a concorrência com meu, agora nosso, plano... (ihihih, diria o Dr. Silvana) — estaria em fazer uma inversão radical dos atores em cena — protagonistas e personagens trocando de papéis e falas — da direção, da montagem, dos cenários, dos figurinos, dos quadros, dos capítulos. Inversão radical, falei, mas não total: o autor, por mais "doido, demente ou doente" que seja, não muda.

 

Ou então, querido interlocutor, nesse diapasão "inversionista", outra estratégia estaria em um exercício de máxima exploração de seu imaginário. Faça você mesmo um tipo de inversão, qual um caleidoscópio, conhece não?. Nele as peças se movem e trocam de posição, se entrecruzam sob um leve movimento do operador, formando novos arranjos e novos mosaicos.

 

Ou utilize, em sua visão etérea, o conceito dos fractais, de formas geométricas indefinidas, interpostas umas às outras sem ordenação rígida ou criteriosa, acopladas e integradas de modo irregular mas coerente e eficaz, elementos  plenos de infinitos detalhes,  geralmente autossimilares e independentes de escala, em muitos casos podendo ser gerados por um padrão repetido, e a eles está totalmente associada, por exemplo,  a Teoria do Caos.

 

Vá em frente, prezado amigo ou amiga, dê asas ao ficcional, até mesmo ao onírico, por mais ionescamente absurdo que seja, e obterá ótimos e gratificantes resultados. No mínimo, se divertirá a valer — como se estivesse num alegre e tranquilo shopping em tarde de espetáculo festivo num domingo...

 

 

 

 

 

maio, 2012