QUASE HAI-KAIS

 

 

Não sei onde

entre o dia e a noite

passa um bonde.

 

 

 

Que notícias de pássaros

entre sombras

se escondem?

 

 

 

Por vezes a palavra

ao invés de ponte é muralha

enigma: gelo, fóssil.

 

 

 

Mais depressa do que se espera

vira a maré

expondo cascos

de barcos.

 

 

 

Árvore carregada

de pássaros:

eclipse de frutos

ramos de música.

 

 

 

Na largueza dos gestos generosos

agradecer caminhos que ensinam

buscas mais fundas.

 

 

 

Cristal ferindo a noite

alguém desce as escadas

a porta estronda adeus.

 

 

 

Canto orfeônico de galos

no lusco-fusco do alvorecer:

tenores renomeando coisas.

 

 

 

Das ramas do silêncio

despencam águas

nos açudes do tempo.

 

 

 

Nas antecâmeras da morte

a vida se evola.

um anjo súbito

apaga a luz.

 

 

[Em Rumor de vento. Panamérica Nordestal: Recife, 2009]

 

 

 

[imagens ©Robert e Shana ParkeHarrison]

 
 
 
Maria de Lourdes Hortas. Nasceu em São Vicente da Beira, Portugal. Veio para o Brasil (Recife) aos dez anos de idade, onde vive até hoje. Escritora representada em antologias nacionais e estrangeiras. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (1964) e licenciada em Letras pela FAFIRE (1976). Participou da coordenação do Movimento das Edições Pirata, Recife, de 1980 a 1986. Vários prêmios, entre os quais o do Secretariado Nacional de Informação, Lisboa,  pelo livro Aromas da Infância, 1964;  Prêmio Fernando Chinaglia, UBE / RJ,  para o romance  Diário das chuvas; Prêmio Mauro Mota (Fundarpe) para Outro corpo, poesia, 1988; Prêmio  Jorge de Lima, da Academia Mineira de Letras, para  Fonte de pássaros (poesia), 2001; prêmio José Cabaça da UBE, RJ, para o romance Caixa de retratos, 2004. Fez parte do conselho editorial do jornal literário Cultura & Tempo (1981/1983), e da revista Pirata Edições (1983 /1984). Foi, durante várias gestões, que somaram 15 anos, diretora cultural do Gabinete Português de Leitura de Pernambuco, onde dirigiu também a revista Encontro. Tem dez livros de poesia publicados, entre os quais Fio de lã, Outro corpo, Dança das heras, Fonte de pássaros e Rumor de vento. Organizou várias antologias, entre as quais Palavra de mulher, poesia feminina brasileira contemporânea (1979). Como ficcionista, publicou os romances Adeus aldeia, Diário das chuvasCaixa de retratos, este último traduzido e publicado em Buenos Aires (2008), pela editora Francachella. Como artista plástica assina Maria Hortas. Durante oito anos, frequentou o atelier de José de Moura e de 2005 a 2010 fez parte do Atelier 167, no Pina, Recife.