©gilbert garcin
 
 
 
 
 
 
 
 

— A —

 

Apenas retenho, num vão de voz,

o calor

— invertebrado — que nos rememora:

sem

deter seus resíduos;

 

retenho — porque repelir

seria

uma forma de reduplicar —

 

o calor

que nos rememora, irradiando

miasmas

de outro diafragma:

 

mesmo aqui, temo a urgência

do gesto

a que retorno, no entanto,

 

com exaustiva,

inconveniente exatidão;

 

apesar de ter devolvido

à dor

os sedimentos de uma minuciosa anemia,

 

permaneço

entre os ruídos

 

do nosso rejuvenescimento:

 

não distante

das perguntas

 

— ainda irascíveis — que o tempo,

quando

desatento, recrudesce:

 

como

parte da noite — do bulbo da noite —

cujas

toxinas ativam

 

— desequilibrando —

 

a potência

(hoje inaudível)

do

estupor

 

(é paciente o seu desprezo):

 

enquanto o delírio

às

vezes desperdiçado

 

num

sinuoso

 

— talvez sísmico —

 

organismo

remove os objetos

 

das áreas — nodosas —

por

onde se alastra

 

— numa luta úmida: a pele

 

crepita

tensionada sob os nomes

 

expelidos — por disparos —

em

obediência a um medo

 

alheio

ao risco de reaver os rastros

que

restauram a angústia;

 

os rastros

 

que subsistem — depois de refundidos,

depois

de regenerados —

 

em fissuras abruptas:

 

assim

se encontrará — durante o deslocamento —

 

um modo de manter

o corpo

no mar, cobrindo ogivas: válvulas:

úteros

não mais inativos:

 

a fuselagem da vigília

 

— antes recuperada,

agora rediviva — conserva

 

a carência (a instabilidade

da

carência) que nos intensifica:

 

numa

inusitada

 

experiência articulatória:

 

inserir um espaço

de

raptos no silêncio

 

das sílabas

 

que o cansaço

enfim cadencia?

 

— B —

 

Quando a boca se despovoa,

Reparte

O que a tudo desertifica:

 

A fascinação

Pelo esfacelamento

 

Logo reata, contudo,

A

Coluna, que range:

 

Onde

Se enterra

 

O fôlego — nem exíguo nem exumado —

 

Onde

Se interroga

 

A fúria — mal examinada —

 

De

Uma manhã

 

Iminente

 

(Ao posicionar —

Entre

Poucos cantos —

 

Suas

Úlceras futuras):

 

O bronze, a pálpebra,

O alarme,

A lápide: espasmos

 

De áspera

Espessura: reencadeiam os braços,

Neste

Denso frio dentro do frio imenso

 

— Até

Que se esteja a desacelerar —

 

Inutilmente

A

Desacelerar

 

(Instalados

No estertor de estados

 

Rítmicos

Abertos à solidão

Unânime

De anônimo acesso)

 

— C —

 

Recebemos a noite sem pressa

agasalhando

os gestos que se revezam

nas

guaritas de uma infância atônita

 

prestes

a condescender com a herança

alheia

à anemia — quase mútua —

 

cujas

siglas nos amparam

 

em meio à afasia?

 

numa

intimidade inerte — mas implosiva —

 

reavivaremos as lesões

 

das línguas

que

nos aliam

 

ao atordoamento

 

— não

ao pânico — difuso —

 

de que somos

o

combustível

 

de novo

propício?

 

as lesões das línguas

 

que incendeiam

órgãos

antes inexistentes

 

(diante de uma ameaça menor:

 

a certeza

de que nada nos invade

 

— exceto os sons

de

que nos ausentamos —

 

quando

não estamos aflitos)

 
 

maio, 2012

 

Casé Lontra Marques nasceu em 1985. Publicou Movo as mãos queimadas sob a água (2011), Saber o sol do esquecimento (2010), Campo de ampliação (2009), Mares inacabados (2008). Do autor: caselontramarques.blogspot.com.br.
 
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