JOALHERIA

 

 

O joalheiro sabia que a moça de plumoso colant continha uma substância tão preciosa quanto às que ele degustava na padaria do Leblon — a geleia de mocotó, como um âmbar gelatinoso, sobre uma rosa de guardanapo granuloso; a gema de ovo caipira, como um brilhante amarelo, no prato em que se lia o nome da padaria e uma dedicatória: "Padaria Louçã — para Áurea", e as pérolas de gelatina de rosas, na salva de prata. De seu plumoso colant, a bailarina o via levar à boca as pérolas de gelatina, e sentia que, embora tivesse fome de algo mais substancioso, já não podia querer outra coisa que não elas. Pois ela era sensível à beleza — a beleza polida e cuidada, como a da ciência gastronômica capaz de transformar rosas em gelatina, mais bela que rosas propriamente, pois, se a flor era linda, brotava acabada na roseira, e não passava pelas mãos amorosas da chefe da cozinha da padaria, para atingir seu ideal. Assim, a ave cujas plumas cobriam seu colant devia ter sido belíssima, mas à bailarina parecia superior o trabalho do costureiro, que, a partir de uma plumagem, lhe dera o aspecto de uma mulher-ave do Leblon de pés calçados em sapatilhas.

"Perdoe-me, mas a senhorita é tão bonita! Como se chama?" — perguntou-lhe o joalheiro.

"Obrigada! Eu me chamo Áurea como a moça da louça!" — respondeu ela, criando a beleza de que gostava na forma de uma encantadora coincidência. Pois seu nome real era Rosália.

 

 

 

 

INTRATÁVEL

 

 

Quando Otávio tocou-lhe o pulso com sua espada de esgrima clássica, Soraia reviu-se criança, vestindo-se de anjo para acompanhar a Maria Madalena na procissão de Semana Santa — ainda podia ouvir a mãe pedir: "Está linda, minha filha, mas vista um agasalhinho por baixo da túnica: está frio, esse cetim é gelado!", ao que ela replicava voluntariosa: "Não quero; a túnica fica mais bonita sem agasalho por baixo!" —; armazenando todas as suas lágrimas infantis em tacinhas com água, como uma preciosa oferenda, desde que soube que um santo o fizera; estudando com energia. Lindíssima, frágil, esnobe, forte. Não, Otávio jamais a compreenderia, tampouco seria complacente com seus sofrimentos como sua amorosa família quando soube que ela — então uma menina magrinha de cinco anos — havia sido impiedosamente unhada na piscina do Minas Tênis Clube por uma coleguinha mais velha.

 

 

 

 

©jean marconi

 

 

 

 

EPIFANIA

 

 

Nas minhas festas de aniversário de criança, havia alfenins brancos e rosas em bandejas de prata. Quando novamente me delicio com um alfenim e sinto o seu retorcido delicado, como nó no cabelo da menina que não se penteia, pois a boneca a reclama imperiosamente; quando novamente quebro um nos dentes, como quem prova a madalena que ressuscita a memória, tenho, de volta, os lençóis imaculados, o crivo da avó e as lágrimas preciosas da infância — que eu, quando menina novinha, quis conservar como ouvi dizer que fez um santo — sobre a minha mesa.

 

 

  

 

 

Samantha Toledo (Oliveira/MG, 1986): Moro no Rio de Janeiro desde os meus dezenove anos. Sou professora de língua inglesa e tradutora. Desde menina, sinto uma natural necessidade de escrever. Gosto muito de Virginia Woolf e Katherine Mansfield. Meu escritor predileto, porém, é Marcel Proust, a quem poderia, como fez Yves Saint Laurent, ler por toda a vida.