*

 

 

obrigado mundo

por todo aprendizado

mas eu não te amo

não amo esse aprendizado

o aprendizado que já tive

que ando tendo

não amo patrões e não amo empregados

eu não amo a luta nossa de cada dia

a sobrevivência

a astúcia

a perpetuação

não amo, valeu

onde assino a rescisão de contrato

não gostei dos teus serviços

vou sentar e esperar a resposta

se alguém me disser

que a resposta sopra ao vento

o vento eu também não amo

não amo

não adianta

se foda

 

 

 

 

 

 

08-01-2013

 

 

ontem na primeira

lua cheia

do ano

dei um brilho nos sapatos

e fui na esquina

ver se via ela

mais cheia, mais em cima etc.

não vi,

logo fui me ajeitando todo,

penteando, tirando

amassado da roupa,

vai que ela resolveu

criar perna, passear

por aí

vai que eu encontro ela,

a gente se gosta

e ela me chama pra ser lua

junto

 

aí eu vou,

eu tenho que ir

 

 

 

 

 

 

*

 

 

este silvério que vos fala

agora não é mais gente

não mais que essa folha

que vos lê

 

 

 

 

 

 

OLÁ

 

 

olá, eu não sei de onde vim mas meu nome é melissa

olá, eu não sei de onde vim mas meu nome é josé

é pedro

é melissa

é josé

olá.

olá, eu não sei de onde vim mas meu nome é.

olá, eu não sei de onde vim com meu nome de estrela

com meu nome ímpar

com meu nome sem rima,

sem rosto.

olá, eu não sei de onde vim mas meu nome é rodolfo

olá, eu não sei de onde vim mas meu nome é renata

é zaqueu

renata, rodolfo,

é rosto.

olá, eu não sei se vim ou não.

 

 

 

 

 

 

EPÍSTOLA

 

 

pinheiro que abana

vento nuvem rio

que passa

 

só eu que não vejo

vitória da morte

nem da vida

 

do índio

do cowboy

 

da carne

nem da faca

 

 

 

 

 

 

*

 

 

a palavra tudo

é engraçada por ter quatro letras

quem olha ela de fora

não diz

 

é igual ver uma só pétala

e não ver uma primavera morando

inteira dentro dela

 

 

 

 

 

 

*

 

 

Quem sabe ser um esquilo,

esse tem religião. Um esquilo ou um grilo

que sem saber da fé consegue

desmoronar um silêncio inteiro.

 

Um passarinho quase morto

que a gente pega na mão e põe ele ali

pra morrer na sombra dum ramo,

ele entra no reino dos céus pronto

pra julgar o pecado das crianças.

 

 

 

 

 

 

CONTO DE TERROR

 

 

Apagou as assombrações do quarto

uma por uma

antes de dormir.

 

O monstro debaixo da cama acordou

e acordado também foi apagado.

 

O galho na janela agora

só era um galho sem folha, sem vento, sem som.

Tudo apagado.

 

Por impossibilidade

faltou apagar o desejo, o silêncio

e o espelho. Três assombrações

que nunca dormiam

e não tinham medo de nada.

 

 

 

 

 

 

*

 

fui armado de faca pra matar lobisomem

no terreno baldio aqui do lado.

matei dois quatro seis... e assim foi,

quando matei o décimo —

cara de chato — resolvi voltar — lâmpadas, lixo,

livros, baratas... —

preferindo a emoção da morte

em doses homeopáticas. 

 

 

 

 

 

 

[imagens ©deguy] 

 

 

Silvério Bittencourt (Torres/RS, 1988) é poeta e ponto. Mantém o blogue Larus Argentatus, nome científico da gaivota prateada. Gosta de discos voadores, de ouvir música, da cor verde, das manias do mato, dos pássaros e outros bichos. Caminha em corredores de fábricas, mas olha pra lua.