o que me corta | rodrigo mogiz | técnica mista | 60x40 cm |2009
 
 
 
 
 
 


 

O poema

 

 

Sobram palavras quando há pouco a dizer

Talvez a loucura coubesse na roupa que deixei no cabide

Ou nem houvesse razão para sair de mim

O mundo multicolorido desfocado pela lente da insanidade

O tempo, escusado de mim, vadia.

Vadia como os últimos boêmios

Que saem pelas ruas, exaustos de viver

Vadiam nas ruas da Penha,

Vila Madalena ou qualquer canto deste mundo

Em um quarto carcomido...

Sim, sou um destes que tentam atravessar o país

Num piscar de olhos

Talvez uma necessidade de fugir de mim

Ou de me encontrar em qualquer esquina

Onde os loucos se encontram.

Eis que chego à porta da Casa Verde

Recebendo a chave da Cidade das Rosas

Como honra ao mérito de outrem.

Sou assim, usurpador do trono,

Tenho a coroa e a coragem,

Sob o braço o chapéu... nas mãos?

Delírios feitos de confetes e serpentinas

À espera de outros carnavais

Onde os corpos se encontrem

Suados, purpurinados, débeis.

 

Sim, espero a euforia que vem do claustro,

A lobotomia, o choque elétrico, a surra, o coice...

Espero o veneno destilado nos cálices sagrados,

O corpo sangrando sobre a pedra.

Espero o que não é para se esperar,

O desespero, a sofreguidão,

E, espero sempre na mais tola calmaria

Aquilo que não há de vir.

 

 

 

Razão

 

 

Creio que "Tristezza" não foi um poema nascido por vias racionais, ou através de uma busca pela adequação de forma e conteúdo: ele nasceu de um espasmo. A cegueira de sentimentos que flutuam entre um encontrar-se no outro e perder-se na ausência de si mesmo, eis o leitmotiv desse poema. Uma tentativa de transparecer o desconforto que um amor, que aos poucos se arrefece, é capaz de nos causar. Sufoco e grito, espasmo e silêncio.

 

Quando um amor, que em outros tempos se dizia eterno, acaba, fica apenas a "Tristezza", que se arrasta e flerta com a insanidade. A realidade torna-se opaca e desfocada, todas as certezas se deterioram. E, mesmo com aquelas palavras gritando em nosso íntimo para que a vida prossiga, ficamos lá por algum tempo acorrentados em esperança inúteis. Sem aquele lirismo-sentimental o poema aponta para a deformação psicológica que um rompimento nos causa. Como uma forma de exorcizar os conflitos e dizer o quão desnecessário era esperar por algo que se estilhaçara, tornando-se impossível reconstruir.

 

 

setembro, 2013
 
 
 

Flávio Otávio Ferreira (João Monlevade/MG). Graduado em Letras. Publicou os livros Cata-ventos, o destino de uma poesia (KroArt Editores, 2005) e Itinerário Fragmentado (Quártica Premium, 2009). Participa da coletânea Fórceps (Coletivo Anfisbena, 2013).