retrato (detalhe) | leda catunda | acrílica sobre tela e voile | 242x242 cm | 1984
 
 
 
 
 
 


 

O poema

 

 

Quero a liberdade

de não ser livre

de ser infeliz

                            (aliás, pra quê

                            ser feliz? Pra

                            quem ser feliz?)

fraco, covarde

                            (afinal, pra quê

                            a força, a valentia,

                            se nos gabamos de

                            ter inteligência?

                            Eis a dialética

                            na sua essência.)

assassino, vítima

                            (no dia-a-dia

                            matamos e morremos 

                            com inúmeras sensações,

                            emoções, sentimentos,

                            neuroses e pensamentos.)

Quero a liberdade

de ser preso nas algemas

da Vontade

e na cela do Desejo

quero a liberdade

de não me explicar

de transar

com meus Eus

indo do Inferno

aos Céus

e cobrar a dívida

dessa vida

na dádiva

da dúvida

                            (única certeza

                            havida)

onde tento Ser

porém sigo des-Sendo

do início

ao fim

no poço

de mim

pra saber

se viver

valeu não

ou se valeu sim

 

 

Razão

 

 

Existir é o que me faz escrever.

Penso, logo insisto em algum poema.

O que me fascina é a possibilidade do encanto através da Palavra. A existência humana e suas sonoridades na Palavra. O questionamento da Liberdade. Ser livre para Ser. Um Exercício Para Ser Livre. Ou Um Livre Exercício Para Ser. Trata-se de uma mudança de foco. De uma desaprendizagem conceitual.

Esse foi meu último poema a ser incluso em meu livro O escambau. Aliás, isso só aconteceu porque mostrei a dois amigos poetas, Rafael Nolli e Akira Ribeiro, que gostaram e me disseram para incluir no livro. Pensei que não estava totalmente acabado pelo fato de ser um "exercício poético". Mas a existência também não está concluída. Às vezes, o inconcluso pode nos convencer de sua veracidade/sinceridade.

Enalteço a dúvida e desprezo o maniqueísmo. Procuro romper com a dualidade do certo/errado, do bem/mal e todas as simplicidades que a sociedade costuma nos ditar. Aqui o conteúdo ditou a forma. Esses devem sempre estar em harmonia. Foi o que tentei nesse exercício.

Por fim, sigo escrevendo para continuar existindo. Existo para questionar o que vejo, o que sinto, o que penso. Tudo o que consigo ser. Em consequência, tudo aquilo que escrevo.

 

 

setembro, 2013
 
 
 

Heleno Álvares (Araxá/MG). Escritor e poeta com três livros de poemas publicados, todos de maneira independente: Desordem contemporânea (três edições: 1998, 2000 e 2002); Observatório insólito (2004) e O escambau (duas edições em 2010). Participa da coletânea Fórceps (Coletivo Anfisbena, 2013).