Selvática

 

 

Morder a polpa da palavra

Violentar o verbo

 

Açoite

Até que o rubro escoe

 

Atingir o cerne

Com sabre, punhal

 

Lacerar o arco e a lira

Alvo metafísico

 

Colisão cáustica

Matilha sádica

 

Eu quero o aborto

Da aurora boreal

 

 

 

 

 

 

Ofídica

 

 

Silvos

Da Santa possuída

Golpes

Da sinistra Homicida

 

Náusea, epilepsia

Feto impuro

Hecatombe em meu peito

Pedra estéril nestas mãos

 

Agulhas psíquicas

Escoriando

órbitas dadaístas

Górgone do amor

nos porões de Nix

 

Febre egípcia

Putrefata

Orquídea

Datura maldita

Veneno invertido

Vomitando, um mar de você.

 

 

 

 

 

 

Febre das Musas

 

 

Devoro os delírios de Sylvia

40 graus de verve gritando em mim

Estrelas furiosas

Sangram as sombras de Sexton

Orgias de ópio

Frissons de Anais Nin

Clarice felina caçando a solidão

 

Ruge o piano de Amos

Virginia afunda em flamas

Florbela ascende entre mágoas

Minha boca cintila

Sonhos de Cecília

Emily dança à luz do inaudito

E Safo decifra

o mito escarlate em meu ventre

Desabotoa minha gola, Pagu!

 

 

 

 

 

 

Corpoesia

 

 

Escrevo para derrubar paredes

Cegar tua íris

Apunhalar as veias

 

Atear delírios

Traduzir-me em sílabas

Queimando dentro de ti.

 

 

 

 

 

 

Palavra de Pandora

 

 

Concubina francesa n'alcova

Vandalizando devires e sensações

Eu sou a mulher vestida com o sol de Salvador Dalí

Meu ventre sangra rosas espessas de lirismo

Tenho o retrato da Beleza

Repousando numa caixa de mescalina

E Pandora parindo belezas sutis

 

A terceira passagem do crepúsculo se aproxima

Minhas veias já foram abertas,

e derramam punhados de flores e foices

Minha verve deflagra o gozo

E a palavra ecoa pelos céus convulsos

Sinfonia gutural que desenha vórtices no Absurdo.

 

 

 

 

 

 

Rito

 

Mordo a maçã

pura da Musa

 

Flerto com o olhar

fatal da Medusa

 

Depois me deito

no leito mais lírico

 

E me embriago

de Infinito.

 

 

 

 

 

 

Papisa

 

 

Pequeno uivo numa campânula

Catártica

Archote gravado em camafeu

Melodia de cítaras

Sob cadafalso cardíaco

 

Baba de gárgula

Draga olhinegros

Peregrinos

 

Tigre da lascívia

Lancina o Eremita

 

 

 

 

 

 

Sinfonia Imaginária

 

 

Ela põe um beijo fálico

Nas minhas têmporas de outrora.

Traz qualquer coisa de vertigem

Na epiderme do descontentamento cardíaco

Vejo esse vagido na madrugada :

é um demônio verde a levantar meu vestido.

 

Emudeçamos todo desassossego

Com amores dadaístas

Encharcados de absinto

Pairamos sob o mundo inimigo,

em metamorfose de gozo e xamanismo.

Está escrito no livro primeiro do Uivo que iluminou Buda:

minha vênus profética vulvando em teu falo que confabula

 

O inventário do tempo

Foi comungar no Cabaré Místico

É teu verso?

Delira-mo

Sem paletó de poeta pixote

derrama teu inaudito vinho de menino lírico.

Azulei para um verde em dó maior

Encontre-me aquém do verbo

 

Os ciganos esconderam a Loucura

no porta-seios da Musa

O pingente de gelo da Poetisa

Incendeia o céu de querubins

Sob o dossel do Silêncio

vejo-o enfim átomo

Infindo unido ao balé de meu delta

Os olhos do Sonho solfejam o delírio:

uma sinfonia imaginária para o amante metafísico

 

 

 

 

 

 

Aurora

 

 

Olhos abrasadores

Incinerando um céu de safiras

O mar veste o fulgor da lua

Rosa iridescente na areia adormecida

 

Vênus avança feito Ondina

Arrastando estrelas em seu vestido vaporoso

Madrepérola em carruagem de neblina

Dança de corpos enamorados no declive

Uma pequena mácula de vinho

Maná para os famintos notívagos.

 

 

 

 

 

 

Piromancia

 

 

Atada ao amuleto marítimo, órfã

escura esquizofrênica escafandrista

Asfixiada em placenta alquímica

Trompas tectônicas trovejam

um pranto de quimeras híbridas.

 

 

 

 

 

 

Fractais

 

 

Esta é a noite dos caçadores

Ela é a mulher-poema que corre com lobos

E tece

Urdiduras de uivos

Lótus e ágape

Faísca e cinzas

 

Estou obscena de eternidades

Valha-me essa gana de escrever

A mulher selvagem pousou um beijo violento

em minha psiquê

Teias de pólvora

Numinosas

Sândalo e patchouli.

 

 

 

 

 

 

Selene

 

 

Sou lua cheia

Dançando entre ninfas

Um grito minguante

Içando marés

Nua e nova

Rujo ao orbe

Fênix crescente

Relampejo lírios.

 

 

[imagem ©irving penn]

 

 

 

 

 

Anna Apolinário (João Pessoa/PB). Poetisa e pedagoga. Publicou Solfejo de Eros (Rio de Janeiro: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2010). Mais [obras, críticas e resenhas sobre produção poética] aqui: http://www.overmundo.com.br/perfis/anna-almeida.