passion fruit

 

 

Não o amava

através do zoom…

(de perto era amarrotado e sem escrúpulos)

Mas estava cega e

respirava

 

 

 

 

fundo

 

 

 

 

 

 

o homem do caderno azul

 

 

Recolhe estrelas e escreve sol
porque tem necessidade de luz
O que sabe sobre o escuro não precisa da noite para lembrar

Escreve palavras depois da margem
e não era margem, mas relevo
Escreve palavras sobre a linha
e não era linha, mas horizonte
Escreve um ponto
e não era o ponto, mas um começo

Escreve e não é o mesmo
mas um outro 
menos encoberto

 

 

 

 

 

 

solidão veste sobretudo

                                                   

à Thays Costa

 

 

Ofertaram, ambos, a nudez própria para maiores
aquela que não se refere à cortina, parede ou tecido

 

Algodão ainda pairava sobre a tez…
e a alma de cada um — despida —
não permitia que o coração sentisse frio

 

 

 

 

 

 

ícaro

 

 

o tempo cria paredes onde havia estradas… 

 

e não depende, o amor, da cena que a janela emoldura
porque os olhos seguem amando os pássaros
        amam mesmo em sua ausência,
     amam desconhecendo-lhes a altura

 

repara que as pálpebras não cansam de imitar as asas

 

 

 

 

 

 

estevão

 

 

Ferido de morte e cansaço
encontrou a compressa de um abraço

 

Há sempre em cada alma, coágulos
da dor que o amor estancou

 

 

 

 

 

 

flavors

 

 

I

 

entre as paredes de vidro da metrópole, ele tem sempre à mão: 
um aparelho de telefone móvel regado a 3G,  
um tablet empanado com tela fulll HD de 10 polegadas,
um notebook com o recheio de sete contas em redes sociais  
e diria um olhar venusiano, desde a janela de uma estrela,
que ele é um sucesso de interação,
mas o ouvido de uma lagarta estacionado em seu quarto no domingo à tarde
concluiria que ele é sinônimo de solidão avançada

 

 

II

 

no subúrbio do mundo, no mural de uma caverna
escreveram um beijo com a ponta afiada de uma pedra

 

 

 

 

 

 

 

 

sobre a filiação dos anjos

 

 

Nem carbono ou amoníaco
Tua mãe foram dois olhos, Augusto
Úteros que gestam a luz que nos sustenta
Sem eles somos aborto antes de aresta

 

Nascemos de um milagre, filho de Alexandre
Vida que produz marcas resistentes à amônia dos desinfetantes 
Os mesmos que removem o verme em vasos sanitários

 

Sabes que além de parede orgânica,
carbono é um papel destinado a replicar o traço
Nos disseram que as digitais não tem par

 

 

 

 

 

 

lucaia

 

 

a cidade é áspera
a rua é dura
e mesmo o parque é pedra

 

um rio a atravessa
e é extensa a lida que ele trava
para não ser como a cidade 

 

é quase uma ilíada que ele tece
para permanecer gente

 

 

 

 

 

 

o inverno

 

 

Fez, dos olhos dela, um altar
onde depositou rosas vermelhas,
bilhetes com memória de valsas,
a extensão das mãos,
um relicário de cartas,
chocolates de Lucerna,
um vidro de perfume amadeirado
e a profundidade do rio que corria em suas veias
com a fé de quem vê o sol se aproximar.
O grande amor.

 

Ela cerrou os olhos.
Rezava em outro templo. Distante.

 

O encontro parece ser um milagre tão vasto
que ouço dizer como quem consola o desencanto:
uma andorinha não é verão, se não houver dois santos.

 

 

 

 

 

 

três movimentos para um acorde

 

 

I

 

mesmo o vento, revela-se
cada aroma é a pronúncia de uma palavra
tempo inverno, procela
mar agitado é o que diz o cheiro das algas

 

 

II

 

submerso em tua língua
há um livro
uma flor dentro de uma pequena caixa
uma carta vermelha
outras cartas que eu não sei a cor
declarações em suomi
duas canções à capela
cinco cardápios
e um telefonema 
engolidos por um peixe abissal cujo nome é silêncio

 

e veja como é estranho e surpreendente o amor
ele trocaria duas asas em estado de nuvem
por uma barbatana tosca
mas capaz de atravessar o oceano recluso e inaudível de tua boca

 

 

III

 

é bonito, é bonito: o mar quando quebra na praia
          pedindo à solidão da pedra: fala, fala

 

 

 

 

 

 

kalahari

 

 

tem sal a lágrima, paris
e cai sobre a falência das mãos
sobre a desordem do rosto
sobre o espírito corrompido e a tibieza de gestos
que afastam os homens e aproximam a dor  

 

a lágrima tem sal, katherine
e a coragem de não ser insípida 
de não ser silêncio e arde 
zimbabwe, chade, serra leoa 
pulsos cortados, coração e desencanto

 

ao menos, as lágrimas têm préstimo
há no mundo uma coleção de desertos

 

 

 

 

 

 

antiácido

 

às cinco da manhã,
o estômago desperta a dor
na vila dos pobres pecadores

 

um corpo vazio

 

na vila dos santos ricos,
sequer dorme

 

banquete de náuseas

 

uma lua cheia
míngua num copo
aos pios

 

 

 

[imagens ©miwa yanagi3]

 

 

 

 

 

 

 

Ehre. Espécie do gênero homo sem ser sapiens — poemas resultam de ignorãnças. Há tempo começou a escrever um tanto deles. O tanto que não sabe, o tempo que a consome. Quando nasceu ainda se usava lápis, papel e gentileza. Espera não morrer antes que sejam ressuscitados. "As coisas que não existem são mais bonitas". Mais: ehreditario.tumblr.com |  cadernodenomeseparticipios.tumblr.com.