©robert mapplethorpe
 
 
 
 
 
 

   

Permitam-me os leitores e cultores desta revista — aos quais muito prezo, tenho me empenhado em buscar lhes proporcionar, desde 2008, bons momentos, até certo prazer, com textos de distintas nuances — permitam-me, dizia, retomar aqui, agora, e estender e desdobrar um universo temático que lhes expus em março de 2009 [Humor à Carioca. Clique aqui e leia].

Trata-se de humor, que — enfatizei naquela oportunidade, e espero ter-me feito entender — se expressa por tantos matizes quanto necessários e adequados para retratar o ridículo, o patético.

O humor, tão antigo como a própria História, a ela tão intrínseco, faz-se na literatura desde que o mundo é mundo, por escritores, antigos, ocidentais, orientais, medievais, renascentistas, clássicos, modernos, contemporâneos, pós-modernos — e até mesmo por aqueles tidos como sérios, sóbrios, sisudos, austeros, como se verá/lerá  em inusitados casos aqui.

Praticado em exemplos clássicos, desde a Antiguidade, pelo grego Aristófanes ou pelos latinos Plauto e Terêncio, na complexa Idade Média, do saxão Chaucer e do florentino Boccacio, no profícuo Renascimento, do espanhol Cervantes, do francês  Rabelais, do inglês Shakespeare, o riso acompanha o mundo e os homens nas formas, graus e jeitos mais variados, mesmo que seja (diria eu, principalmente que seja) para a humanidade gozar dela própria e sorrir, ou satirizar, ou pilheriar, ou debochar da eterna 'comi-tragédia' humana.

Então, acrescentemos a esse elenco Sade, Bocage, Jean-Baptiste de Boyer, o marquês d'Argens (e sua impactante "Tereza filósofa"), per se ícones e modelos da matéria jocosa e  iconoclasta, que se expõe a seguir, sob o 'manto' (até porque exige certa proteção e salvaguardas) de literatura fescenina: pronto, chegamos ao termo que caracteriza a matéria posta a seus olhos — e volúpia — caro leitor.

Literatura fescenina ["fescenino, do latim fascinus, que traduz o grego phallos, (órgão sexual masculino), diz-se de devasso, obsceno, licencioso, lascivo, difamador, libelista; gênero de versos populares e licenciosos, muito cultivados entre os antigos gregos e romanos"] — que nos permite questionar os códigos morais ou o que parece se estabelecer como 'moralmente aceitável' em cada época (por mais difícil que seja definir clara e concretamente/corretamente o que se exprime como "aceitável"), pondo em relevo, na forma de zombaria deslavada, escandalosa, o ridículo das convenções sociais e literárias. Literatura fescenina — ou erótica — que de resto se apropria de outros gêneros literários, dados como sisudos e 'comportados' (tais como  o poema épico, o romance filosófico, o conto romântico, etc).

O que temos então nas linhas que se abrem em sequência?

Vai-se ler, então, um conjunto de  textos ficcionais — contos, poemas, narrativas, em que se emprega a obscenidade, o erotismo, acentuadas malícia e picardia, em tom, timbre e teor de  sátira ou paródia — manifestações literárias (e o são, embora insólitas ou 'escandalosas') de escritores brasileiros dados como clássicos, em maior ou menor grau, alguns canônicos mesmo, em criações — muitas delas pouco conhecidas, não comuns às  linhas e temáticas de suas obras e textos.

Faz-se questão de mostrar o quanto o 'gênero', por mais marginal ou proibitivo que seja assim considerado, encontrou em expoentes de nossa historiografia literária acolhida, absorção e produção específica — casos de Gregório de Mattos, Francisco Moniz Barreto, Laurindo Rabelo, Bernardo Guimarães, Olavo Bilac (sim, ele), Humberto de Campos, Arthur Azevedo, Cesar de Castro, Carlos Vasconcelos,  Adelino Magalhães, Gastão Cruls, Múcio Teixeira — a mostrar e comprovar a perfeita existência, sim, de uma  tradição de narrativas libertinas no Brasil, desde o século XVII.

Concedem-nos exemplos e exemplares lapidares de desbragada verve  orgiástica, instigantes peças de imoralidade — algumas (estejam avisados...), muito mais do que eróticas, ou 'convencionalmente' fesceninas, são pornográficas mesmo, em linguagem chula, grosseira — proibidas, coibidas, escondidas até hoje em secretos manuscritos, outras salvas tão somente pela pela transmissão oral.

Satíricos, sarcásticos, irreverentes, burlescos, sádicos (talvez melhor: "sadeanos'), escabrosos ou agressivos, ofensivos, chulos, grosseiros — deles goste-se ou não,  nos permitem questionar os códigos morais ou o que parece se estabelecer como 'moralmente aceitável' em cada época, pondo em relevo, na forma de zombaria deslavada, escandalosa, o ridículo das convenções sociais e literárias.

 

 

 

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abril, 2013