ela mesma, a Poesia

 

é despertar e enxergar além de o ou a

visão audição olfato tato paladar.

entregar-se para o sentir e perceber.

a Poesia é aprofundar-se

e procurar em si palavras

e substitui-las substitui-las substitui-las

perdê-las e insistir em

re e construir até que

perfeitamente.

e cuspir sem silêncio o que

a Poesia.

cuspir sem silêncio

e não implorar ouvintes

mas quando

seduzir e penetrar e abusar

porque a Poesia é

acariciar todo o sofrimento em

não esquecer a obrigação de

unir-versos.

 

 

 

 

 

 

*

 

carrego mágoas enormes

nos bolsos do casaco:

esse repetir dores imaginárias

e repetir repetir até acreditar.

 

sou um viaduto carneosso

não ergo meu corpo do aslfalto.

o peso disfarço

enquanto amarro os sapatos.

 

 

 

 

 

 

sobre você no hospital, às 20h48

 

a palavra não é querer

é precisar

 

me livrar

desse medo de te perder

de repente

poupar sentimento

 

— mesmo quando dentro de mim

bagunça aquela

ideia fixa

(a falta de acento

me faz pronunciar rígida

como não fosse rigidez a)

: morte

 

o silêncio você rompe

você tem cheiro de fumaça

desperto

eu sei

cigarros são instantes

away from you

mas digo

eu tenho cheiro de fumaça

 

agora

emergência

seu traje branco

e as paredes

obrigam a calma

 

quando me desejam

trágica

— ardentemente trágica

 

porque não basta o dentro

deve haver lágrimas

muitas

mas para eles

você entende

sempre para eles.

 

preciso lamber meus filhos

antes que seja tarde, mãe.

 

(antes que seja tarde,

preciso lambê-los.)

 

 

 

 

 

 

sensibilidade I

 

para Stephanie Borges

 

vela a sensibilidade

conquistada por nós

além de atos por

o sentimento em

quase abandonar-

se:

mão sobre costelas brancas

e nuas e

 

respirar

 

sensibilidade

 

um olhar que penetra

e enxerga

entre meus seios

o poema que não ousei.

 

 

 

 

 

 

possessividade I

 

esse meu silêncio

de não ousar poesia

é não querer-te

lábio palavra idioma

de outrém

e a in-corporação implícita &

disfarçada de apreciar poesia

porque poesia é você

sobre todas as coisas e

eu não quero eu não ouso

eu silencio

para você ser só meu.

 

 

 

 

 

 

*

 

meu estar ao seu lado é um ser

de constância.

 

um erro na ordem das predileções, é

um erro de absoluta certeza de reciprocidade

que escapa o limite de fazer bem somente bem

até aprisionar-

me.

 

diriam paixão, mas além.

 

você, se me dissesse:

vá, vá embora agora

não me maltrataria

não me sangraria

me absolveria do crime que não ouso:

partir.

 

 

 

 

 

 

atualíssima

 

se a poesia me diz apenas sobre

sua ausência

pela intensidade na lentidão ou pressa

dos dias atuais

obrigando o não sentir

e um frio além do tempo as cores

um silêncio entre conversas de universos.

 

se a poesia me diz apenas sobre

sua ausência é

a mais violenta solidão.

 

 

 

 

 

 

bacana

 

preferi teu corpo

ao mar

de copacabana

 

o aconchego de

permanecer

 

poder permanecer

desconsiderando as ondas

 

o ir & vir

das ondas

para nos alcançar

 

a pele.

 

porque a distância que não mantenho é

das minhas mãos da minha boca

em você tão tão bronzeada.

 

 

 

 

 

 

andança

 

quando você disse

 

reparar e detalhou

perfeitamente

o meu andar:

 

pernas esticadas &

mãos na cintura

o corpo branco,

 

o som dos passos

ecoando pelo nosso quarto até

parar a centímetros do seu rosto

 

eu só escutei o seu

amor.

 

 

 

 

 

 

furto

 

não notei quando me furtei.

 

amor foi embora, mas

pode devolver minhas palavras?

 

 

 

 

 

 

boa vista

 

descobri pelo google maps:

da minha casa até seu ouvido são

4.654 quilômetros

 

implacáveis

 

distância que torna-se perto quando

eu, encantada

recordo seu rosto antes de despertar:

 

minha eterna boa vista.

 

 

 

 

 

 

*

 

deixá-lo partir é

um trocar minha pele

 

digo

 

após tatuar-me marcar-me desprender

a superficialidade da pele

que não sou mais

 

deixá-lo partir é

caminhar desconsiderando

mapas as estrelas

até perder-me

 

estar longe de você é

um constante perder-me

 

não falar mais a língua

da terra que habito

 

se a linguagem é um fim

 

deixá-lo partir é

 

um obrigar-me a nascer de novo quando

 

ainda prefiro meus vintecinco.

 

 

 

 

 

 

 

[imagens ©katrina hunter]

 

 

 

 

Lubi Prates é paulista e nasceu em 86. Estuda Psicologia e brinca com as palavras, como poeta e tradutora. Publicou, em 2012, seu livro de estreia — coração na boca — e tem poemas publicados em revistas literárias e antologia poética. Bloga aqui: coracao-na-boca.blogspot.com.br.