©masahisa fukase
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

O concreto da rua é terra de sapatos

o concreto da rua é terra de sapatos
jovens fazem porque sou fraco
porque sou fraco a vidraça se quebra
mas não me quebro porque sou fraco

 

sou o filho da lira honesta
queria um pai que me botasse
nome de viado e desse na cara:
fodido então livre para amar

 

(faltou amor pelos meus companheiros
mas o amor é uma prova que alterquei
contra o destino de me querer bem)

 

revolução conscientização e honestidade
tomei a última dos olhos dos santos
então sou o canalha que estava certo

 

o concreto da rua é terra de sapatos
estaria nu na ponta da lança
e o brado diria: rei posto em mim!

 

estaria nu no caso do acaso
mas sei que nu não estaria enfim
clamando à nudez mais do que a mim

 

se rimo ou não rimo estou sentado
mim eu digo sou eu quem falo:
o verso é uma chaga que sangra lágrimas

 

melhor mata-lo que é matar a mim
poeta nojento do verso secreto
desconfia do próprio corpo de macho

 

(pisando a chuva que lambeu os prédios
que a revolução pelo verso é terra de sapatos)

 

e o corpo do poeta é imoral apenas
dentro de um poema

 

é belo se for mas no verso
é mentira morte e ausência

 

não é sangue na veia de um condenado
não é fogo de humilhado a pedra

 

não é rosa nascendo no asfalto
(não há ação dentro da poesia

 

que não tema a covardia)

 

 

 

 

 

 

O dia do nojo do poema

 

o problema da imagem poética como representação

o problema da exata substância do pensamento racional:  a palavra

a imagem poética é intratemporal. decorre de A a B

o conceito é infinitamente veloz — Deleuze

 

o poema como Isto e coisa material (it)

o problema da referencialidade poética:

 poesia não é grau metafórico

o problema dessa outra referencialidade que não a da linguagem

 

o problema do sintagma e paradigma saussuriano:

sintagma é fundamento ontológico do poema

paradigma é matéria extrapoética ou argamassa

metalinguagem é um falso problema

 

o poema é o oposto inverso dos conceitos matemáticos puros

por exemplo, o conceito de multiplicação

a multiplicação é nunca realizável (imaterial)

conceitos semi puros da linguagem: os verbos de ligação

 

não existe poema fora da recitação mental ou vocal

música e poema só podem ser retomados como algo

como Isto, ou seja: são coisas concretas

o problema da falsidade mimética

 

um poema referência a realidade como uma pedra referência a realidade

(já que as ilusões dos sentidos são verdade como ilusão)

a pedra como aparência é algo material

 

a sensação dos poemas e a sensação dos sentidos

ambos não são o poema

repetindo: o poema é Isto

 

pensar poético = recitação

uma palavra segue a outra no tempo como uma pedra se segue no espaço

os quartetos de Eliot

 
 
dezembro, 2013
 
 
 

 

DANILO AUGUSTO de Athayde Fraga (Salvador/BA). Poeta e ensaísta.
 
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