Priscila Merizzio - Flávio, qual é a mágica do cinema?

 

Flávio Ramos Tambellini - A mágica do cinema é transformar ilusão em realidade, ser transgressor e ser diversão.O cinema pode ir e estar em qualquer lugar e se comunicar com todos e ao mesmo tempo ser uma experiência íntima.

 

 

PM - Quais pessoas, lugares, obras e situações o inspiram profundamente?

 

FRT - A psique humana é fascinante e a possibilidade de trazer a realidade para a fantasia é excitante. Inspiram-me as pessoas que estiveram à frente do seu tempo. Adoro a natureza, mas acho a realidade e o caos urbano inspiradores.

 

 

PM -  Como é seu processo criativo?

 

FRT - Como diretor é imergir totalmente no filme e acreditar que cinema é um trabalho de equipe e trabalhar sempre no roteiro, mesmo na edição.

 

 

PM -  Você concorda que os momentos de crise propiciam mais espaço para a criação artística? (A época da ditadura militar brasileira foi muito fértil e efervescente no país.)

 

FRT -  O cinema sempre se alimentou de conflitos e crises, a arte em geral quando tem que enfrentar a censura e repressão tende a ser mais corrosiva, mas isso acontece também nas questões comportamentais como foi na contracultura, na liberação sexual e no feminismo. Não precisamos de ditadura para ter mais espaço para criar. A criação artística precisa de ousadia e lutar contra o status quo sempre foi uma bandeira da criação artística.

 

 

PM - Qual o paralelo que você faz entre a genialidade e a loucura?

 

FRT -  A genialidade tem sempre uma dose de loucura, mas ninguém consegue ser genial sendo somente louco.

 

 

PM - Em que sentido a pornochanchada brasileira foi um período interessante para o cinema nacional?

 

FRT -  Interessante no sentido de formar técnicos, lançar talentos e manter um diálogo com o público. Hoje em dia, as comédias brasileiras que estão fazendo sucesso são definidas como neochanchadas.

 

 

PM - As pessoas são ingênuas por esperar que uma adaptação cinematográfica, baseada em uma obra literária, seja fidedigna ao livro? Você percebe com muita frequência essa expectativa entre os leitores?

 

FRT -  Impossível haver uma adaptação fidedigna. São duas expressões totalmente diversas. Um filme você assiste de uma vez em 2 horas; um livro pode demorar um mês. O que dá certo é transpor a essência do livro, de sua trama e personagens para o cinema. Ser fiel às ideias do livro. Fazer os cortes com cuidado, pois você tem que selecionar o que vai para a tela. Ao mesmo tempo ter a visão do diretor, no caso de um filme autoral. Entender que as palavras e descrições de uma narrativa literária devem ser substituídas por imagens.

 

 

PM - Como produtor, até onde você acha pertinente interferir no trabalho de outro diretor, roteirista, etc.?

 

FRT -  Acredito em parcerias e trocas de ideias. Muitas vezes interferências ajudam a melhorar um filme. Na Europa e no Brasil o diretor tem muito mais liberdade do que nos EUA, onde poucos têm direito ao corte final. O cinema não é uma arte que se fecha em si... depois do filme pronto existe a distribuição e exibição e o filme se torna um produto.

 

 

PM - O cinema brasileiro mudou para melhor nos últimos anos? É um bom investimento? O mercado brasileiro é confiável?

 

FRT -  Sim, o cinema brasileiro está num processo de melhora contínua. Investir em cinema é quase uma loteria, mas pode dar um retorno excepcional, quando se atinge um grande público. O problema é que com raríssimas exceções só atingimos o mercado interno, ou seja, poucos filmes brasileiros viajam. Também precisamos entender que o audiovisual é uma área em expansão com a internet criando a cada dias novos mercados e mídias.

 

 

PM - O que falta para o cinema nacional virar, definitivamente, uma indústria? Existe alguma solução, a seu ver, para levar os brasileiros ao cinema para assistir aos "nossos" filmes? 

 

FRT -  O cinema não é só indústria: é arte, cultura e diversão. Se compreendermos o cinema somente como indústria, estaremos empobrecendo o debate. Temos um concorrente hegemônico de alta competência que é o EUA, esse sim com uma indústria potente, que torna a competição pesada. Temos que investir em roteiristas, que a meu ver é do que mais precisamos. Com bons temas e histórias bem narradas, traremos o publico às telas



PM - O que você pensa das séries brasileiras de televisão?

 

FRT -  Estamos engatinhando em relação aos europeus e americanos, mas já fizemos coisas boas e outras virão em número crescente. Já dirigi um episódio da série Filhos do Carnaval da HBO e gostei muito da experiência. As novas leis de incentivo, estimuladas pela Ancine, abrirão um leque enorme de novas séries. Acredito que por aí vai passar o futuro dos nossos filmes.

 

 

PM - Na era digital, sempre haverá espaço para a telenovela brasileira e para as séries?

 

FRT -  Com certeza. As telenovelas estão ficando mais cinematográficas, vide Avenida Brasil. As séries já são uma realidade e vieram para ficar. O mais importante é o conteúdo.

 

 

PM - Em relação ao download de filmes, você acha possível obter lucros com os torrents? Qual seria a solução para os produtores continuarem tendo lucros, adaptados à realidade da internet?

 

FRT -  Com certeza estão acontecendo transformações que permitirão o lucro na internet. É a evolução natural do sistema... foi assim na música e acontecerá o mesmo no audiovisual.

 

 

 

PM - O que você pensa do Netflix e da produção de séries e filmes exclusivamente para assinantes?

 

FRT -  Netflix me parece fraco, pois o catálogo é limitado; só filme batidos e poucos interessantes. Gosto muito de algumas séries, como Mad Men e, recentemente, Homeland. Hoje, em muitos casos, há mais ousadia nas séries do que nos filmes. O problema das séries é que, geralmente, elas vão muito bem até a 2ª temporada, depois decaem.

 

 

PM - Assistiu "O som ao redor"? Gostou do filme?

 

FRT -  Um belo filme, que fala de uma realidade de uma maneira contundente sem ser sentencioso. Um exemplo de filme de qualidade com orçamento baixo.

 

 

PM - Em comparação com algumas décadas atrás, os artistas brasileiros de hoje não estão resignados, pouco participativos e contemplativos demais em relação ao cenário político do Brasil, hoje?

 

FRT -  O mundo mudou, as pessoas estão competitivas, o capitalismo com os seus ardis incentivou o ego... qual o quadro de maior valor, qual o filme de maior bilheteria, etc... porém, acredito que na surdina, dentro das redes sociais, uma nova geração mais contestadora e inconformada está surgindo. A política apodreceu de vez... ninguém mais acredita nela.

 

 

 

 

junho, 2013
 
 
 
Flávio Ramos Tambellini. Diretor e produtor audiovisual. Dirigiu, entre outros, Paraty: Mistérios (1989), Bufo & Spallanzani (2001) e O Passageiro — Segredos de Adulto (2006). Produziu, entre outros: A Ostra e o Vento (1997), Orfeu (1999), Um Copo de Cólera (1999), Cazuza — O Tempo Não Para (2004). Clique aqui e veja seus principais trabalhos.
 
 
 
 
 
Priscila Merizzio. Curitibana, ventríloqua, nascida no Ano do Búfalo.
 
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