derredor, meu amor

 

inesperada pularei na luz, assim do nada — antes no escuro, agora revelada!

 

 

 

sei que tudo que me escapa

tudo que me nada

não passa de espuma

dos mares das bocas dos sexos

das palavras que dissolvem e se dispersam

de um pensamento que se desfaz

de uma criança que me corre atrás

como se meu passado não fosse o que ainda virá

como quando com meu ainda pai

em seu pragmático estupor:

tudo proteína, menina, tudo vapor!

 

 

 

 

 

 

 

ana foi pro céu sim

 

 

átomos poéticos

integram a massa vazia do uni-

versorversorverso

 

no momento é lua absoluta, me absorvendo

eu vi-vendo tudo à obscura luz dela

  absolua

tanto brilho prata de riqueza pura, crua

eu tão ao seu lado e não!

 

pesado é o buraco

as coisas que se vão nesse vão de vida!

cada instante é só uma dissonância a mais

 

estava meio que brincando mas é bem assim

morrer de avião ou de onda faz parte

e da própria mão sim

ana foi pro céu sim

 

 

 

 

 

 

 

é o embraçamento, a nascençação, a recatástrofe

 

 

esse monstro que me come é bem metódico:

primeiro come meus membros

depois engole o tronco de uma vez só

por fim, pega minha cabeça entre suas mãos

me olha direta e profundamente

sorri sem malícia e lambe minha cara

 

o monstro fala: que gosto salgado, menina

não combina com o resto!

— é que, no fundo no fundo, eu não presto

 

 

 

 

 

 

 

conquistador conquista a dor

 

(para desbloquear, vire-se

 -> siga pelo lado esquerdo da barraquinha do chinês

 -> bananal

 -> é a vida que leva a gente, não a morte)

 

 

 

a única coisa eterna — o que nos resta — da infância

é a memória

mas ela não dura muito

 

a única coisa certa — o que nos aborta — da memória

é a eternidade

mas ela não dura muito

 

a única coisa que fica — e que nos trai — da nossa vida

é o silêncio da tarde que cai

num instante

 

são tantas coisas únicas nessa escuridão

quando nossa lucidez não mais ilumina

e um cão ladra ao longe

 

 

 

 

 

 

 

solene e sonolenta ambivalência

 

 

infelizmente não fui levada

nem danada — fui de nada

muito tímida, amedrontada

pensando em rimas e motivos silenciosos

 

agora é suruba no subúrbio

o sangue escorre significados dissonantes

e significantes que não são vermelhos

 

 

 

 

 

 

 

raposas do ártico

 

(eu sou uma raposa ártica. meus olhos são cegos, mas posso ver o futuro. sou casada com outra raposa ártica — minha esposa raposa — e eu a amo tanto! nós corremos muito rápido, somos ágeis, totalmente silenciosas. a-do-ro a ideia do estilo dos nossos penteados, dizem que indo pra todo lado. e agora tenho uma forte visão do seu — o seu, hey, sim, o seu! — esqueleto)

 

 

aqui um brinde à boa dor

à falsa farinha que se canta e decanta

à entrega com excesso a coisas ruins

ao nunca parar nunca, ao compositor

em seu constante estado de atolamento

ao inventado no desespero e no pouco caso

(à wanda da ziza que logo vem

super simpática ela também)

e à devida proporção das consequências:

se vai vai se não vai vai vai

meu moleque doido!

 

 

 
 
 

traga meu setembro agosto

 

um minuto depois - 3 HORAS!

dois minutos depois - 3 HORAS!

três minutos depois - 3 HORAS!

 

 

o tempo é mais que um verbo conjugado

 

o tempo é a gana pelo nada

é a fada e a nana

é a preciosa e viçosa casca de banana amarela

toda bela, guardada na gaveta

e escurecida no silêncio

sono da curta noite infantil

 

o tempo é a surpresa ridícula dessa morte

o acordar da ignorância na casca de banana

e a tristeza abissal e abjeta que ela exala

 

o tempo é essa correnteza fundamental

e sem meta

 

 

 

 

 

 

 

perdura

 

eu me deixo levar pelo mar

me deixo rolar

eu me deixo trazer pela maré

me deixo ralé

 

 

amadurecer foi queda braba

primeiro quebrou-me o cabo

depois me estatelei no chão

onde, escarranchada pela experiência

regozijei-me no processo

aí veio a infinita tristeza do saber

o reconhecer da impotência

— a mesma da infância, pensando bem

(melhor não pensar)

 

mas triste mesmo foi me afastar lentamente

 

 

 

 

 

 

 

aparência é essência?

 

arde de tudo, mesmo tarde de tudo

 

 

o mundo seria melhor se eu fosse essa ou aquela outra?

se eu fizesse mais que faço, o quilo teria mais gramas?

e se meu sonho fosse só uma cama mais macia — seria?

duvido que se minha boa vida fosse a medida de tudo

soluções fossem sem soluços

ou exercícios sem sombras:

 

o sapo com um cisto no cílio

um parasita

desenvolve vários membros

nove novas pernas

cinco braços finos

um monstro enfim — seria?

o parasita é só mais um ser num ser

 

minhas formas e sonhos acanhados (não tacanhos)

são matéria que não sou eu

há nela uma beleza que me escapa e me empunha

se a tivesse saberia que anoitece

seria testemunha

 

 

 

 

 

 

 

não me calo nem me poupo, nem um pouco!

 

pior cego é o surdo

 

ando tendo ataques de idade

ataques de açúcar e sal

de exaustão depois do descanso

de dores aleatórias e bem definidas

de queimaduras que não percebi

de frustração no humor

silêncios, paradas confusas à porta

olhares perdidos na praça

fogos acesos, visitas inesperadas

comidas estragadas na geladeira

e muitas outras coisas, tantas coisas

que felizmente ando esquecendo

 

 

 

 

 

 

 

onde que eu vou, onde que ela vai

 

seus olhos são brilhantes, diferentes — são como feridas ardentes (de amantes)

 

 

nunca subestime uma libido acumulada na vida após os anos

 

é o tempo que tapa tudo mas muda nada

só se cala

 

o desejo nem dorme, aguarda

abre a geladeira pra refrescar a noite

a zonzeira, a vigília, a espera

 

mas não é freira nem coitada

— é FERA!

 

 

 

 

 

 

 

109 horas e tudo vai bem

 

vida: dizem que é origem, isso. tão lindo — não queria nem morrer!

 

 

aprender a viver é fácil

você cai duas vezes e pronto!

mas uma pausa, intervalo?

esquece e desembesta na descida

passa isso, passa aquilo

quando chegar a placa 'entrada proibida'

é aí que você entra — mas tranquilo!

é um ninho de cobra e dragão

todo mundo com veneno

todo mundo se mordendo

tudo espuma e solidão

(mas não se preocupe, querido

que o mal é o antídoto) 

 

agora entra e vira lembrança

o estranho da lembrança

o brincando de esconder

o esquecer

 

 

 
[imagens ©renata de andrade | arxvis]
 
 
 
 
 
 
 
 

Renata de Andrade. Artista plástica nascida em Barretos/SP, mudou-se para Amsterdã em 1988, onde estudou na Academia Rietveld, formando-se em pintura. Foi contemplada por quatro vezes pela Fundação Holandesa para Artes Visuais, Design e Arquitetura, com a bolsa de ajuda financeira por dois anos, para desenvolver trabalho com reciclagem de lixo nas artes visuais. Nunca parou de pintar retratos e escrever textos. arxvis é seu "nome de rua" ["writer's name" no jargão dos autores de rua], com o qual assina seus grafites. Seu trabalho pode ser conhecido no site www.andrade.nl e nos blogues arxvis.blogspot.com.br | lounge.obviousmag.org/arxvis/autor.

 

Mais Renata de Andrade na Germina

> Renata de Andrade: Tantos Olhares