II

 

 

Nem todo amante deverá ser poeta.

 

Convém ser profeta

e forjar o inusitado instante da desrazão.

 

Ser poeta é testemunhar a cena

de que é passado particípio

sem nunca tê-la vivido,

é estar preso

à amnésia das cigarras afônicas,

ao calendário de Sísifo

feito de pedra e despenhadeiro.

 

Nem todo amante deverá ser poeta.

 

Antes mau esteta,

mas domador das manhãs.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VIII

 

 

Cada um dos teus seios.

 

Goiaba, abricó, pera, pêssego?

 

Prefiro-os

frutas de carne

e desassossego.

 

Cada um dos teus seios.

 

Mel de uruçu, ambrosia,

bombom da Nestlé?

 

Prefiro-os

gosto de sangue nos instantes

que os tenho.

 

Cada um dos teus seios.

 

Monte Mac Kinley,

Pico da Neblina,

o ponto culminante de Togo?

 

Prefiro-os

extensão exata

de minha boca.

 

 

 

 

 

 

XIV

 

 

Não me servem

teu ouro de lodo,

teus castelos de miragem

nem teus banquetes de urtiga,

senhora.

 

Dá-me, subitamente,

tua lista de apelos,

tua coleção de gemidos,

os pássaros de fogo

de tua sede.

 

A pequena noite

de teu corpo,

mulher,

e as janelas fosforescentes

de teus olhos.

 

O que me faz um outro

e mesmo homem.

 

 

 

 

 

 

XXVI

 

 

Sem você, ingrata,

e seu corpo inacessível,

viver não é mais que um engulho,

novelinhos de agonia.

 

A tentativa inevitável

de morder

os uivos dos amantes em coito:

desvida.

 

Beijar o voo dos pássaros

que não ousam passar

sobre minha cabeça

é a vida sem você, ingrata.

 

 

 

 
 
 

XXXI

 

 

Nós, Antônio e Maria,

estamos um para o outro

como o mel para a formiga

e um corpo para outro corpo.

 

Também nós, Maria e Antônio,

somos inacessíveis

como Deus ao próprio nome

e a substância aos seres vivos.

 

O talvez desta sina

de quem se abriga em si mesmo,

pênis sem vagina,

ou fiel sem templo.

 

 

 

 

 

 

XXXIV

 

 

Nossas mãos estarão distantes

e os dicionários

não mais trarão impressa

a palavra amor.

 

E lerei, Leila, lívido, em teus lábios,

o sentido da vida.

 

 

 

 

 

 

XLIV

 

 

 

Terei você

se eu não lhe souber

ao mormaço do dedo médio,

se eu não puder

retalhar seu hálito

no gesto decidido

da divisão incorpórea

do desejo?

 

Que amor é esse,

nós

exilados

cada um

na sua estrela?

 

 

 

 

 

 

XLVIII

 

 

Nunca fiz dos olhos

ampulheta de mágoa,

solidão, tristeza.

 

Agendei no pulso esse tempo

de cultivar a presença da amada

contando regá-la

numa punheta.

 

 

 

 

 

 

XLIX

 

 

Nunca soubemos

amar em pleno voo

como as andorinhas.

 

Nem no auge do prazer

pairar e se absorver

no antídoto dos instantes.

 

Então escolhemos

em vez do coito,

viveiro de constelações,

lágrima nos olhos

e um banquete de asas.

 

 

 

 

 

 

LIV

 

 

Ela não lê

o poeta francês,

mas nele sei-a completa,

flor do bem

aberta,

matematicamente

delta.

 

 

 

 

 

 

LXII

 

 

À pedradas.

 

O beija-flor

que amava tanto à dália,

 

morto.

 

Árida boca,

o dono do jardim

encomenda.

 

Mata-se o beijo,

sem sentido a flor.

 

Coturno que faz pasta

beija-flor morto

a pedradas.

 

Nulo gesto,

ó vida futura!

 

Aduba-se o chão,

sorri o vegetal.

 

Amanhã eu te amarei,

Dália,

apesar de tudo.

 

 

[Poemas do livro Sob o amor. São Paulo: Patuá, 2013] 

 

[imagens ©anthony goicolea]
 
 
 
Antônio Mariano (João Pessoa/PB). Graduou-se em Artes Cênicas e é funcionário público de carreira. As primeiras publicações viriam antes dos 20 ao vencer o I Concurso de Poesia do SESC da Paraíba, aproximando-se, na sequência, da Oficina Literária, grupo coordenado pelo poeta Antônio Arcela. Com o nome literário de Mariano Nanton sairiam os seus primeiros textos nos boletins da Oficina, na revista Presença Literária e no Correio das Artes. Aos 22 anos, foi o único vencedor do Prêmio Jovem Escritor, promovido pelo Correio das Artes e pela SECETUR (PB). Apresentou pela TVC o programa Páginas Abertas. Idealizou o Clube do Conto da Paraíba. Coordenou o projeto Tome Poesia, Tome Prosa. Editou o Correio das Artes. Preside a AMA-SEIXAS, associação de moradores do bairro onde reside. Publicou os livros de poesia O gozo insólito (1991), Te odeio com doçura (1995), Guarda-chuvas esquecidos (2005), Sob o Amor (2013) e o livro de contos Imensa asa sobre o dia (2005).
 
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