I

 

 

Os olhos-janelas

voltados pra natureza morta

lautréamonteiam os Qorpos em volta.

 

O céu aveludado violeta dos sonhos

reflete a violência

da ruptura entre

permanência instável

&

espírito de urgência.

Não importa

a coagulação dos tempos,

sou importuno comigo mesmo

na imensurável estação

do combate , sem lamentos.

 

 

 

 

 

 

II 

 

 

Não quero falar do que convém aos pássaros.

Quero falar da incerteza

pródiga,

herdeira dos ácidosdias.

Pretendo explorar o perímetro

que te limita ao mundo

dinamitado.

Meu limite é abrir valas

nas fronteiras.

Só o organismo debilitado

pela ebriedade das idasvindas

sabe:

sentir é um ato

que quebra a continuidade

da certeza posta

diariamente nas mesas.

 

 

 

 

 

 

III

 

 

Villon,

meu testamento é

a contração dos músculos

— o obtuso hálito

turvo da noite —

em relaxamento tenso

pré-silêncio

pós-operatório

agudez no mirar do dedo

indicador de dor

na cara o escarro

a cor

a vontade incessante

de flechar-se

no alvo-íntimo

do instante.

 

 

 

 

 

 

IV

 

 

Os olhos decaídos sobre o tempo

aniquilam as lembranças,

o tormento.

 

Perder os segundos restantes —

rastros de astros irrevogáveis

do esquecimento.

 

Ainda os porquês perseguem perguntas

sem respostas —

dúvidas certezas de sempre.

 

 

 

 

 

 

V

 

 

Tecerei loas aos

leões estéreis

famintos

e mais:

rabiscarei excrementos

em (am)puta(da)s virgens

esclerosadas;

cavalgarei no

equino sentimento dorso partido,

sempre osculando krios.

 

 

 

 

 

 

VI

 

Nesse mar pantanoso

transbordando sabishisa

, adiando o inesperado

para muitos,

desvivencio mitos

ao fraturar

constantemente

a arqueologia dos gritos.

 

Nesse roto

lado de hibridez

sou fluxo

rato minucioso atravessando paredes

desdenhando o felino siamês.

 

Profundo é o impacto

expandido para dentro.

 

 

 

 

 

 

VII

 

 

À sombra

de Breton,

inquilino dos albergues

absurdamente

opostos ao Norte

— longe dos confortos do Real,

sigo:

         desflorando poréns;

         desabitando eus;

         verlaineando axiomas.

No incurável subsídio do agora

nem Zeus

nem Dylan Thomas

estancarão o ir-embora

dos mins em subversões-aléns.

 

 

 

 

 

 

VIII

 

 

Diáfano

num close de Buñuel:

difusa confusão de sentimentos...

Pesar:

sobreposição de imagens, movimentos...

O azedume da agudeza agônica

divide-se para

, a leste,

contemplar o louro sol

nascente no pensar;

a oeste,

amar o ruivo sol

poente no peito.

Diáfano

num close de Buñuel:

difuso, confuso, disperso

sigo...

 

 

 

 

 

 

XIX

 

Aurora degradê no

Buquê multicolorido

Insignificante:

Satisfeito sorriso turquesa ou

Melancólica desilusão.

Outros poemas hão de ser

Somente solidão?

 

 

 

 

 

 

X

 

[para Camila Vardarac]

 

 

Um pássaro cruza o céu da rua.

Crua sensação algema

, instantaneamente,

a limitada existência racional.

 

Um bando de pássaros pousa

nos fios de alta-tensão.

Compreensão petrifica o abstrato

no vertical olhar-tato.

 

A lucidez sempre

buscando sempres.

 

Os pássaros

, mesmo pousados,

sempre buscando voos.

 

 

 

 

 

 

RECÍPROCA DILUIÇÃO

 

 

O teu olhar plúmbeo

liquefaz

o céu do blue-meu-peito.

 

 

 

 

[imagens ©dominique fortin]

 

 

 

 
 
Cleyson Gomes (Campo Maior/PI, 1982). Poeta, músico, letrista, compositor e artista plástico. Autodidada e autodidático. Iniciou as faculdades de História e Letras/Português, abandonando ambas. Autor do livro Poemas Cuaze Sobre Poezias (Teresina: FCMC, 2011) – 1º lugar no Concurso Literário Novos Autores de Teresina/ano 2008. Edita o blogue de inutilidades poéticas Sala-da-Poeticália/Salada-Poeticália. (Sobre)vive em Teresina/PI desde os sete anos de idade. Admira a carência orgulhosa dos gatos e a tranquilidade dos jabutis. Adora fígado acebolado.