No seu livro "Espiral Terra" Maurício Salles Vasconcelos confere destaque a autores vivos, em atividade no Brasil, Portugal e África, como informa o subtítulo: "Poéticas contemporâneas de língua portuguesa". Projeto ambicioso e aparentemente temerário, que colocaria o autor numa posição bastante incômoda e da qual muitos se afastam por diversos motivos, que é falar de obras em progresso. Há algo a ser repensado sobre isso, pois morte de autor encerra a produção, mas não é conclusiva. Não há dúvida sobre a importância de se explicar o passado, mas por onde anda o presente, essa chance única?

Diante disso Vasconcelos optou pelo diálogo com este momento único e decidiu enfocar, entre outros, poetas como Herberto Helder, português, Luís Carlos Patraquim, moçambicano, e o brasileiro Marcelo Ariel, que surge redimensionado num deslocamento dos centros de poder e cultura, numa subversão pelas beiradas. O que dizem, como e porque dizem escritores com produção em andamento? É, como sugere o título, um livro vertiginoso que tem como fio — às vezes tênue ou invisível, diluído mas permeando as análises —  a poesia instabilizadora e fulgurante de Helder, suas ramificações no presente e vínculos com o passado da cultura ocidental. Alguém se lembrará de fazer objeção à pletora de autores citados e às vezes de forma sintética a exigir consultas ou uma bagagem nada modesta de leitura para enfrentar essas páginas de maneira desenvolta. Mas pode não ser assim. Imaginada como uma constelação, e sem esquecer que a matéria poética cruza com as teorias e sobretudo vivências todas, o leitor perceberá que um livro de recorte acadêmico traz de repente uma proposta sobretudo poética, com o objetivo de captar uma universalidade em seus vasos comunicantes: da filosofia à economia, à política globalizada tudo é possível no abismo de uma linha ou de um verso, de uma só palavra.

Vasconcelos, autor multi que lança um livro de contos ("Moça em Blazer Xadrez"), onde recria a vida de jovens mulheres urbanas com experiências do real-virtual, induz sempre à percepção poética, dinâmica, criativa, que rompe a burocracia dos gêneros e se torna vital. A própria forma da obra resulta disso. E, se algo não ficar tão evidente — o que não é a rigor uma falha — resta sempre o desafio da interrogação aberta ao futuro, capaz de envolver o protagonista desta história, o leitor, à mercê de um jogo de dados ininterrupto. É o tipo de livro do qual esse leitor não sairá intacto, no mínimo será picado pela inquietação a pulsar nessas páginas que exigem leitura maturada, do tipo que se prolonga como referência a médio e longo prazo. Uma das principais e mais estimulantes propostas do autor é buscar elementos que permitam a descoberta de um modo de ler este tempo em tempo real, a partir da urgência do tempo humano.

 

 

 

[ Texto publicado no Estado de S.Paulo, Caderno 2, edição de 1/03/14 ]

 

 

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Os Livros: Maurício Salles Vasconcelos. Espiral Terra – Poéticas Contemporâneas de Língua Portuguesa. São Paulo: Annablume, 2013, 268 págs. Moça em Blazer Xadrez. Contos. São Paulo: Giostri, 2013, 127 págs.

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março, 2014