BREVIÁRIO

 

 

ainda ondas se levantam no vale

 —árido portal de esquecimento —

valente nessa lua misantrópica e arqueada

             quebranto do dia

 

misericórdia  nas paisagens de linho que se tecem

nos umbrais morenos de minha sede

 

uma ímpia vingança numa terra que já não respira

 — nem arqueja — solícita de festejos, vadia no estio

das manhãs vazias vagarosas ardidas de crespa serenidade

chuvas secas na espuma vazia da lucidez

 

perfídia que esqueço — dedilho no breviário

as contas de um novo rosário.

 

 

 

 

 

 

ANDANTE

 

 

se

encerra

andante

teu círculo

curvo

ventre

e cor

— arremate

antes que

arraste

a cauda

e a dor.

 

 

 

 

 

 

LOGOS

 

 

virtuosa como

o arco do virtuose

a sonolência — branca —

é vapor em ares e

seus mares de erva doce

para pequenos lapsos

de aspirações aladas

 

— sem logos ou lago.

 

 

 

CARAVELAS

 

 

Movimentos? quase só
os conheço aos poucos,
dos incomensuráveis
me poupo em cada pouso
para amar caravelas

antes de chegar-me
assumo a distancia

o espelho da nave
era sombra e, excluído,
fez-me crer que mais graves
são as manhãs de domingo
quase sempre amigas
dos papéis em branco
das recordações recortadas
dos múltiplos feriados.

Quando se surpreende o móvel,
no movimento ou no esquecimento?

Quando se forma a forma,
na correção ou na divagação?

são infinitas as maledicências
da matéria, as fazem de forma
a estarmos em constante humilhação
da derrubada dia e ponto
noite e selo
nas armações de suas venturas
mudadas de tática e conteúdo
à piragem da Nave.

 

 

 

 

 

 

GOTAS

 

 

rápido

o tempo

ácido

acetileno

amaro azul

e acrílico

conta gotas

geradas

 

o leito do eito

e seu filete de água

 

na sombra de uma castanheira

 

 

 

 

 

 

CONVEXOS

 

 

universos — côncavos ou convexos —

esperneiam vidências

 

então alteremos o tempo

para seguir a forma e

elevar até o patamar

do credo

o incrédulo

 

fitas e faces

marias e queridas

 

pela planície (quem disse)

um vendaval de sins.

 

 

 

 

 

 

FERIDAS

 

 

razoáveis

              distâncias

quebram-me os olhos

(feridas que não se consomem)

mortíferos sinais

suínos e dóceis

no escuro cenáculo

dos sonhos sem grandeza.

 

 

 

 

 

 

ÚNICAS

 

 

tombamos afinados às nossas almas

únicas

ventríloquas em seus vendavais de esperança

circulares no corrupto corromper do sofrimento

 

acumulados em nossos nódulos (nonsense)

ausências e permanências

-------quase estar-------

quase vir

 

 

 

 

 

 

FÓSSEIS

 

 

alguns cantos ainda

são largos

nessas margens noturnas

fósseis em silêncios

   d

     e

       c

         a

           í

            d

              o

                s

faces e fomentos

eram róseos os aromas das tuas mágoas......

 

 

 

 

 

 

O CENTRO

 

 

de ré  entre si bemóis alienígenas

instigo tangos e tagarelas

 

virgens inócuas esvaziam-se

para serpentes de pedras

correndo em volta do largo

esperanças de jade e jardineira

 

quase faceira esqueço o sonífero

e alegro em três tempos

novas pontes e deuses de bronze

 

a forma do sonho é sempre tão larga

e possuída de tanta andança

que mesmo no chão da terra é maiúscula

e aparente, verte verbos abstratos de luas novas

e retoma, sem nenhum espasmo, ao centro.

 

 

 

 

 

 

NOVEMBRO

 

 

Portentoso alvorecer

de minúscula vaidade

transpassada ao sol gritante

do outro e da nudez

plácida

no jardim do Éden,

rumo ao covil do santo

como abelha faminta por

substância de néctar escorrido

atroz e atalho nas

vias loureiras de novembro

 

que espanto paralisa meus pares

por verem — ainda — luzidios

meus olhos na dança do desejo?

 

Não sei exprimir o

desencanto da pureza

nem vilipendiar os

tropeços da cruz aberta

ou cismar

o florescer de um  lamento

 

apenas uso anéis de

vapor e orgulho

vexame de víboras

escolásticas de

nuanças e medidas   

 

      — é a vida.

.                               

.

. e sorrio-me da fervente calda

aqui jaz empedernida.

 

 

 

 

 

 

OLHOS D'ÁGUA

 

 

O Instante do nada, livre,

arejado de dunas e de contas

cubículos de flor e certeza

 

Clonagem das folhas brancas

nascidas sem o estriado

marca-tempo

marca-passo

eternizando-se por sobre a tarde.

 

Comestível esse jejum de

jasmins brancos e velozes

quase estranhos à

ciência da liberdade.

 

 

 

 

 

[imagem ©dancing fire]

 

 

 

 

Jandira Zanchi. Poeta e ficcionista. Publicou os livros de poesia Gume de Gueixa (Patuá, 2013), Balão de Ensaio (Protexto, 2007) e o livro virtual A Janela dos Ventos (Emooby, 2012). Integra o conselho editorial da revista eletrônica Mallarmargens.