O Serafim

 

 

Olhei o clarão de um fogo tempestuoso

 

Sete anjos de pérolas e esmeraldas nasciam do silêncio rubro e primitivo

 

Brancos como uma jovem mulher revestida de sol

com a lua debaixo de seus pés

e o cristal mais deslumbrante sobre sua cabeça

 

Eles eram como a virgem poderosa

(mater admirabilis)

cintilante, puríssima e imaculada

 

Escorriam continuamente por minha pele sepulcral feito gangrenas irascíveis de escárnio e mutilações   

 

Seus cabelos eram como arco-íris em dias de chuva e

seus olhos como uma águia voando sobre rios de fogo e santuários de safira

 

Mãos e braços miméticos ao touro de Creta em seu labiríntico palácio

 

Suas pernas eram como candelabros de ouro polido

e

suas asas

graciosas como a neve

 

Um estrondo de águas torrenciais — como um leão sobre um rebanho de cabras nas encostas de Galaad — um dos serafins voou. Partiu-se.

 

(Cacos de céus caídos sobre o horizonte violento) 

 

As labaredas percorrem o infinito

 

 

 

 

 

 

Morte

 

 

De cetim, o choro

ósseo

 

a adentrar lúgubre

úbere 

 

a violência

(a)fiada de um tumor

 

A morte —

a tecer fios de lágrimas

 

consagradas

nas túnicas litúrgicas do vício —

 

a soçobrar à sombra etérea do não-vir

escalpelando o movimento das bodas —

 

filhas da melancolia e do longínquo sol do leste —

 

dissecando diáfana e inquieta

a rigidez áspera dos suspiros

fraturas

e aromas

 

a morte oculta nas músicas e nas preces

 

a foice

 

o desconhecido a jorrar da garganta

 

o indefinível!

 

 

 

 

 

 

A Zumbi dos Palmares

 

 

Corpo de ébano e mármore

 

Em couro escuro

De tez brilhante

 

E alma em marfim selvagem

 

Qual elefante

Em selva atroz

 

Zumbi rei dos Palmares

 

Senhor gigante

Senhor de nós

 

 

 

 

 

 

Seu rosto

 

 

Seu rosto sua boca

 

uma escultura de hematita

nas folhas d'ouro de um cântico

 

com suas túnicas aromáticas

de purpúreo bálsamo

 

um Balé de negra cor

 

feito florais flamejantes

criados como pequenos pingentes de doçuras

a cravejar de rosas as formas aladas de um querubim

 

 

 

 

 

 

Tão belo e intocável, seu nome

 

 

Lapidado em sutis texturas

seu nome. Quando o penso

folhas douradas de um outono selvagem me cobrem.

 

Nuvens, brumas de prata

em sonhos. Um sonho.

Um amor, esquecido,

ao amor.

 

O doce rubro de sua tez

O amor. Tão belo e intocável

como sua voz.

 

A fidelidade ardente dos deuses

e dos orixás

brinca com a harmonia

cristalina de sua face

 

e em seu choro, em cada lágrima,

corre uma linda chuva.

Triste.

que desce à amendoeira

silenciosa.

 

Como uma sinfonia silente

Em uma noite de inverno.

 

 

 

 

 

 

A despedida de mim mesmo

 

 

o ar róseo em volta de ti, no átrio invisível

de seu corpo quente, úmido e agradável

indizível ao mais profundo prazer

sensação áurea afogada no desejo

de uma noite de gemidos quebrados

com línguas se encontrando no melaço

de minha boca à boca, aos seios e ao sexo

e eu, aprazivelmente, enterrado em ti

embevecido, sôfrego e pulsante  

lentamente me despeço de mim

e passo a ser só você... por você... e em você

 

 

 

 

 

 

Ainda me lembro

 

 

Ainda me lembro, uma vez, a beleza

de um sorriso — unicamente seu —

tal qual uma manhã no furacão

da primavera, a despertar as flores

e os olhares sóbrios de uma legião

de pétalas de prata lapidadas

 

eu a olhei — e você era só — queria-a minha

totalmente minha e nada mais queria 

nada mais poderia querer e ter

e tê-la, por segundos, seria uma vida

inteira. E eu me entregaria por inteiro

ao namoro eterno das horas primeiras

 

E a luz — eu me lembro — ainda quente e molhada,

a despertar a suavidade de seus beijos

e romper as cores finas da aurora

ainda está presente e se faz caprichosa

sobre o quintal e o jardim de uma casa

que, suspeito, nunca será nossa

 

 

 

 

 

 

Por ti

 

 

Cavalgando por entre as sombras do indizível

e invertendo totalmente as cores da aurora

por hora sou um monge que, só, frio e silente ora

outrora uma virgem que tem para si o véu

 

costurado entre as fronteiras  do olho que chora

na noite, à cruz do imperador mais insensível

cuja a morte, em si, é o castigo mais presumível

tal qual o da religião que mente, encobre e explora

 

e, assim, lapidando em verbo tudo o que senti

do amor puro — e sincero — à tortura mais vil

me encontro só e ao mesmo tempo perdido em ti

 

tal qual uma câmera a flagrar meu eterno cio

desenho as palavras  pelas quais eu menti

mas que meu nobre desejo por ti encobriu

 

 

 

 

 

 

Ode à natureza

 

 

A textura de seu néctar

É a de um suave sol iluminando a cor violeta da primavera

 

sobre a vastidão dos jardins

um campo inteiro

com

bromélias e orquídeas, 

beija-flores

maritacas e canários

 

a paisagem

floreia os Ipês

 

e o açúcar de seus prazeres

a adoçar minha mais intensa música

é como um cisne

penetrando em bucólicos quadros impressionistas

 

os pássaros cantam a embriaguez

de sua alma

 

e o teu ventre

entrelaçado de flores

tece, solenemente, as seivas invisíveis do idílio

 

a ternura das abelhas

a beijar-lhe

lembra-me os faunos lúdicos

com suas flautas

incitando o bailar das fadas — essas criaturas luxuriosas

de inconfessáveis paixões —

 

os atabaques inebriantes

exalam os perfumes de uma borboleta

incendiada por fagulhas

azuis

afeitas à serenidade dos corpos

 

e agora são os anjos que cantam

a sinfonia dos santos e

a prece dourada dos monges 

 

tu és assim. única e silenciosa

como uma poetiza, enclausurada em um convento,

à espera do poema

sem perceber que si só

já é uma deliciosa ode à natureza

 

 

 

 

 

 

Isaías

 

 

tive medo

meus olhos — estátuas

de ébano e marfim — viram

súplicas, febre, clamores...

 

uma voz maciça

— cravejada da madeira

mais bruta

dos carvalhos —

desaba sobre Judá

 

e, ante a profecia,

a trovoada violenta

dos versículos dos santos 

cai

— indiferente —

sobre todos os filhos de

Iahweh

 

 

 

 

 

 

 

 

[imagem ©parlane]

 

 

 

 

João Ricardo Dias é jornalista e redator, tem 33 anos e mantém o blogue Fé Mística, no qual escreve sobre esoterismo, misticismo, ocultismo e história. É, também, um grande apaixonado por literatura, mais especificamente poesia. Em 2010, iniciou a redação dos poemas presentes em seu primeiro livro, Doce silêncio. Suas influências vão desde Fernando Pessoa e Pablo Neruda a Georg Trakl e Bruno Prado Lopes.