Na base de qualquer comunidade humana, na raiz de qualquer princípio de civilização, é inevitável encontrarmos essas concepções e narrativas que, ao olhar moderno — e, diz-se, civilizado —, soam absurdas, sem fundamento, muitas vezes grotescas, que formam os mitos. Há ovos cósmicos, andróginos primordiais, a criação via ejaculação, o céu e a terra como partes de um cadáver imenso e monstruoso. O sol exige sacrifícios de sangue, a lua devora as almas das crianças. Um deus é alimentado por uma vaca primordial, enquanto outro castra o próprio pai e devora os filhos. No entanto, essas histórias de deuses e da criação do mundo, bem como as narrativas humanas, mas não menos assombrosas, que se desenvolvem a partir delas, têm importância o suficiente para durarem por gerações em culturas muitas vezes sem escrita, sobrevivendo pela tradição oral, não só como histórias religiosas ou mero entretenimento, essas duas categorias em que o mítico costuma ser erroneamente enquadrado. Em vez disso, eles são um elemento crucial da composição da identidade — e, com isso, da manutenção da unidade — de uma comunidade.

É mais ou menos a isso que Fernando Pessoa aponta quando afirma, no seu épico moderno Mensagem (1934), que "O mytho é o nada que é tudo". No caso, Pessoa tem uma referência específica em mente: o mito de fundação da cidade de Lisboa, que costumava se chamar Ulissabona, por ter sido supostamente fundada por ninguém menos que o Ulisses homérico, assim como Roma teria sido fundada por Eneias. O mito não é nada concreto: é provável que Ulisses jamais tenha existido (e, se existiu, é certo que não foi nos termos exatos das narrativas homéricas), mas ele tem um sentido importante para os portugueses pela conexão estabelecida entre sua narrativa, marcada pelas viagens marítimas, e o expansionismo português, que à época de Pessoa já tinha acabado e estava em prestes desfazer-se de vez, com as colônias obtendo independência, ao passo que o país, para ele, se via decadente, à espera de algum tipo de renascimento.

Mas estou me adiantando aqui. Esses mitos humanos, como é o caso do mito grego de Odisseu/Ulisses, se encontram no fim, cronologicamente (na medida em que podemos traçar uma cronologia mítica), da linha narrativa dos mitos divinos, e começam a se confundir com a história, uma vez que os gregos, como nos diz o classicista Bernard Knox1, só foram fazer seus primeiros relatos históricos por escrito no século VII a.C., mantendo antes disso uma viva tradição oral, a única porta de entrada para esse passado distante. E os mitos humanos se entrelaçam com os mitos divinos pela via da descendência, visto que todos os heróis, na sociedade aristocrática que era a dos gregos, tinham pelo menos algum filete de sangue divino, o que permite traçar suas genealogias até nada menos do que o ciclo de mitos da Teogonia, que trata da origem dos deuses. Para termos Eneias fundando Roma, filho de Afrodite/Vênus, é preciso antes que a deusa exista, e o seu nascimento se dá a partir da espuma seminal que acompanha a castração do céu (Urano) por seu filho Cronos (Saturno), quando seu pênis cai no mar. Para nós, em nosso estágio da civilização, esse tipo de história não passa de uma curiosidade bizarra, e uma palavra como "mito" é, com muita frequência, empregada pelo sentido pejorativo de "mentira" ou "crendice", como se os povos antigos fossem ignorantes que elaboravam histórias esdrúxulas para combater o tédio e tentar explicar aquilo que não entendiam direito. Essa visão etnocêntrica é expressa por figuras como o autor inglês Thomas Peacock no ensaio "As Quatro Idades da Poesia" (1820), que prontificou Percy Bysshe Shelley a escrever em resposta a sua famosa Defesa da Poesia. Nesse texto, algo sarcástico, Peacock identifica as quatro idades — de ferro, ouro, prata e bronze — da poesia da era clássica (grega e latina, dos pré-homéricos até Nono de Panópolis) e moderna (na literatura inglesa, do ciclo arturiano até os românticos), afirmando que ela começa quando "bardos grosseiros comemoram em metros toscos os êxitos de líderes ainda mais grosseiros", para então se aperfeiçoar numa subsequente idade de ouro (em Homero e Shakespeare, por exemplo) e ir se degenerando, e, não por acaso, o texto termina com a previsão do fim da poesia. Para Peacock, então, desdenhando do mito, "o cenário que o cerca e as superstições que são o credo de sua época formam a mente do poeta. Rochas, montanhas, mares, florestas ainda indomadas, rios intransponíveis, o circundam com formas de poder e mistério, que a ignorância e o medo povoaram de espíritos, sob os nomes multifários de deuses, deusas, ninfas, gênios e dáimones"2.

De fato, podemos descrever o mundo mítico como povoado de espíritos, em que tudo pode potencialmente ter vida, consciência e voz — animais, plantas, elementos topográficos —, mas descrever isso como fruto da ignorância é uma demonstração ainda maior da própria ignorância, sob a bandeira do racionalismo. É esse o tipo de pensamento que o filósofo Ludwig Wittgenstein censura em O Ramo de Ouro, o influente estudo de religião e mitologia comparada de Sir James Frazer. Apesar da importância do livro, Wittgenstein diz: "a apresentação que faz Frazer das concepções mágicas e religiosas dos homens é insatisfatória: ela faz com que essas concepções apareçam como erros3". O mito e o ritual (que é a encenação do mito e a participação da comunidade nele) não são erros, e os rituais para chuva, como o exemplo que Wittgenstein dá, não servem para fazer chover, mas como uma forma de marcar algo como: "agora é a época da chuva" — menos causalidade, portanto, e mais casualidade (sincronicidade). Uma situação semelhante é descrita por Antônio Candido ao falar da conclusão dos estudos antropológicos de Malinowski, que parte do princípio de que o modo de pensar dos povos primitivos seria qualitativamente distinto do nosso, que seria "mais lógico" e "menos mágico" do que o deles. E foi isso que ele pensou pelo menos até viver dois anos numa aldeia de melanésios e observar que o pensamento mítico e mágico de fato convive com o pensamento lógico e técnico e não é eliminado pelo seu desenvolvimento. Diz Candido:

 

Os povos primitivos distinguem, essencialmente como nós, o lógico e o mágico, embora na sua mente ambos formem configurações diversas, e o mágico sobressaia proporcionalmente mais do que o lógico no tecido da sua existência. Quando lança ao mar uma canoa, com toda sorte de esconjuros para que os espíritos da flutuação a façam sobrenadar contra os espíritos da submersão, o artesão de Sinaketa não supõe que ela navegue por obra e graça deles. Conhecendo empiricamente os princípios da flutuação e os processos adequados para os utilizar, jamais lhe passaria pela cabeça pegar um tronco e jogá-lo na água, confiado em que apenas a força dos espíritos o manteria emerso. Ele aplica rigorosamente a sua técnica, mas crê também na eficácia indispensável do ritual mágico. Forçando a nota, diríamos que, de modo parecido, o engenheiro moderno levanta cientificamente a sua ponte e pede a um santo que a mantenha de pé. E talvez (como já foi lembrado), o historiador do ano 3000 venha a dizer que os civilizados do século XX lançavam os seus navios com a bênção de um sacerdote e a quebra ritual duma garrafa de vinho, acreditando que boiavam graças a estas práticas4.

 

Muito pouco, então, é o que nos separa das sociedades ditas "primitivas", mas há diferenças no estruturamento básico da sociedade que se refletem talvez não tanto no nível racional quanto emocional, que é o que permite a elas que retenham os seus mitos comunitários, ao passo que nós parecemos ter jogado os nossos fora ao longo do caminho, dos quais só a superstição acaba permanecendo intocada. O homem e a mulher das sociedades primitivas não são só os homens e mulheres da sociedade moderna dotados apenas de menos conhecimento científico, técnico e tecnológico — esse é, inclusive, pode-se dizer, o princípio etnocêntrico por trás do genocídio indígena, o ímpeto de transformar o índio num membro produtivo da sociedade capitalista, o que envolve retirá-lo à força de suas terras, privá-lo de sua cultura e convertê-lo em força de trabalho, enquanto se desdenha do tipo de conhecimento (inclusive técnico) que ele de fato possui.

Aqui, para entender o que significam essas mudanças de estrutura de sociedade, a noção de máquinas sociais, desenvolvida por Gilles Deleuze & Félix Guattari em seu livro O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia, de 1972, nos será particularmente útil. Os autores falam em termos de máquinas: todas as coisas, sejam elas orgânicas ou artificias, que envolvem movimentos de fluxo e corte (i.e. interrupção do fluxo) são máquinas (a boca do bebê, por exemplo, funciona como uma máquina de fluxo e corte de alimento, que se acopla ao seio, que é uma máquina de fluxo e corte de leite, etc.), e a sociedade é uma máquina formada por essas máquinas, da qual resulta uma produção. O que Deleuze & Guattari chamam de socius é a entidade a quem a autoria dessa produção é atribuída, que pode ser a terra, o corpo do déspota ou o capital. Cada um desses tipos de socius é determinante para a estruturação da sociedade, às quais os autores dão os nomes de "máquina territorial primitiva", "máquina bárbara despótica" e "máquina civilizada capitalista", respectivamente.

Na máquina territorial primitiva, a terra é o centro de tudo. Nas palavras dos autores:

 

A unidade primitiva, selvagem, do desejo e da produção, é a terra. Porque a terra não é apenas o objecto múltiplo e dividido do trabalho, mas também a entidade única indivisível, o corpo pleno que se rebate sobre as forças produtivas e se apropria delas como se fosse o seu pressuposto natural ou divino. O solo pode ser o elemento produtivo e o resultado da apropriação, mas a Terra é a grande estase inegendrada, o elemento superior à produção que condiciona a apropriação e a utilização comuns do solo. É a superfície na qual todo processo de produção se inscreve, onde os objectos, os meios e as forças de trabalho se registram, e os agentes e produtos se distribuem. Ela aparece aqui como quase-causa da produção e objecto de desejo (faz-se sobre ela ligação do desejo com a sua própria repressão). A máquina territorial é, pois, a primeira forma de socius, a máquina de inscrição primitiva, "mega-máquina", que cobre um campo social5.

 

Não por acaso, todos os povos parecem ter mitos associados à terra, e mesmo os mitos de criação do ser humano com muita frequência tocam nos mesmos lugares-comuns. Numa das versões do mito grego, o titã Prometeu molda os homens a partir do barro (ou argila), e a essa estátua a deusa Atena então dá o sopro de vida, uma narrativa que nos parece muito próxima do que faz Iavé — sozinho, porém — no livro do Gênesis da Bíblia. Na mitologia egípcia, o deus de cabeça de carneiro Khnum molda os corpos das crianças humanas numa roda de oleiro antes de virem ao útero. Mas, tudo bem, o Oriente Médio não fica tão distante assim da Grécia para descartarmos a possibilidade de a mesma história ter percorrido todo o território, passando por algumas distorções ao longo do caminho. Só que é muito curioso que esse mito reapareça ainda na mitologia chinesa e na dos povos nativos da América, como os Potawatomi e os Tupi — o que pode apontar para algum mecanismo mental, ainda não bem conhecido, por trás do processo de mitopeia. Cada cultura constrói os seus mitos com base na própria experiência, fauna, flora e topologia conhecidos, o que as leva, por exemplo, a atribuir um estatuto sagrado a certos rios e montanhas locais, como são o Monte Fuji, no Japão, os montes Sião e Sinai, no Oriente Médio, o Monte Kailash, no Tibet, ou o Hekla, na Islândia, considerado o portal para o mundo dos mortos. Alguns elementos em comum, porém, como a relação com a terra, hão de ser muito próximos em todas as culturas que tenham desenvolvido algum tipo de atividade agrícola, que é provavelmente o que está por trás do mito da criação a partir do barro: plantas brotam da terra e servem de alimento a nós e aos animais, que, por sua vez, também podem nos servir de alimento, dependendo da cultura. E nós, quando morremos, tendemos a ser sepultados, o que é menos uma preocupação higienista do que um ritual. O corpo é coberto de terra e desaparece debaixo dela, alimentando-a e estimulando a geração de outras plantas — da onde se conclui, portanto, que, por mais que a carne e a terra sejam matérias muito diferentes aos sentidos, deve haver alguma afinidade entre as duas coisas. O humano não é algo divorciado da natureza — e tampouco é a natureza divorciada do divino —, mas um processo dela própria, e essa é a noção que fica implícita nessa narrativa, cristalizada na forma do mito.

O mesmo pode ser dito das conotações míticas dos ciclos de dia e noite, das fases da lua e das quatro estações, pelo menos para os povos habitantes das latitudes em que as estações são marcadamente distintas, dentre as quais a primavera costuma ter o maior destaque, muitas vezes associada a temas de morte e renascimento, com o fim do inverno e o desabrochar das flores. É por isso que "abril é o mais cruel dos meses", como diz o famoso verso de The Waste Land de Eliot,  poema para qual esses mitos de vegetação têm um sentido crucial. Em nosso hemisfério sul, porém, talvez fosse mais sazonalmente adequado dizer que outubro é o mais cruel dos meses. A Páscoa se passa em abril, e o Papa Gregório fez questão de estabelecer o calendário gregoriano tal como é para evitar que os efeitos cumulativos da discrepância entre o calendário e a órbita do planeta acabassem adiantando a Páscoa, fazendo-a acontecer em pleno inverno. Já a data da Pessach, a Páscoa judaica que celebra a travessia do Mar Vermelho, funciona de modo um pouco diferente pelo fato de o calendário judaico ser lunar, o que traz consigo um outro conjunto de problemas e soluções e longas discussões sobre o assunto. Em todo caso, a primavera judaica está associada à saída de um período de opressão no Egito (logo, simbolicamente, aos rigores do inverno), e o começo do período de liberdade. Quando passamos a Páscoa para o cristianismo, o papel libertador de Moisés é transferido alegoricamente para a figura de Jesus, e esses aspectos primaveris de morte e renascimento são incorporados por ele, em seu sacrifício na cruz. Sua figura também encontra ecos com a de Dioniso, o deus grego do vinho e das orgias que em seu ciclo mítico morre e renasce, num movimento que se reflete no das estações, cujas festividades ocorriam no começo da primavera — o que dá uma dimensão a mais à famosa declaração do poeta Roberto Piva de que "Cristo era Dionísio de ressaca", para além da mera provocação. Essa compatibilidade, que no limite é o que possibilita o sincretismo religioso, é um elemento comum do sistema mítico.

Mas é claro que o que chamamos de a Grécia antiga e os antigos hebreus não são um exemplo do mítico dentro da estrutura social da dita máquina primitiva. Essa máquina se reduz à comunidade fechada que é a tribo, e o desenvolvimento da sua história acaba uma hora levando esse socius a ruir e um outro a ser instaurado em seu lugar. É então que ocorre um movimento de desterritorialização, com a sociedade se descolando do corpo pleno da terra concreta e do referencial topográfico imediato, e sua reterritorialização na figura do déspota que emerge. Os líderes tribais não têm o tipo de poder que tem o déspota, que tira da terra o papel do corpo responsável pela produção e concorre com ela em sua alegação à descendência divina. Dizem, pois, Deleuze & Guattari:

 

Pode-se resumir do seguinte modo a instauração da máquina despótica ou do socius bárbaro: nova aliança e filiação directa. O déspota recusa as alianças laterais e as filiações extensas da antiga comunidade. Impõe uma nova aliança e coloca-se em filiação directa com o deus: o povo deve segui-lo6.

 

É por isso que, quando Steiner diz de Shakespeare que a noção de política que permeia suas peças é antiga/medieval e não moderna: "as ações de Henrique V são vivacidades privadas e despertares que se magnificam na escala de uma guerra nacional7". Se o Rei sofre, o Estado também. A peste que recai sobre Tebas por conta do crime que Édipo cometeu sem querer se revela ser profundamente metafórica nesse sentido.

Deleuze & Guattari continuam:

 

A máquina social é que se modificou profundamente: em vez da máquina territorial, há a «mega-máquina» do Estado, pirâmide funcional em cujo cume está o déspota, motor imóvel, o aparelho burocrático na superfície lateral como órgão de transmissão, e os camponeses na base como peças trabalhadoras. (…) Longe de ver no Estado o princípio duma territorialização que inscreve as pessoas segundo a sua residência, devemos ver no princípio de residência o efeito dum movimento de desterritorialização que divide a terra como um objecto e submete os homens à nova inscrição imperial, ao novo corpo pleno, ao novo socius8.

 

Só que isso não quer dizer que o senso de comunidade e identidade produzido durante os tempos da máquina primitiva irá se perder. Se o corpo do déspota é o centro da sociedade, logo cada integrante dela é o equivalente a um órgão, literalmente um membro: os trabalhadores são suas mãos, os espiões os seus olhos, assim por diante. A união do Estado, desse modo, depende do reforçamento dessa noção de comunidade. Daí a etiologia da fundação de cidades: Roma fundada por Eneias, Lisboa fundada por Ulisses, Jerusalém escolhida por Deus. Daí o fato de que as tragédias gregas, por exemplo, obras de cidadãos atenienses escritas para outros cidadãos atenienses, tendem a reforçar o que se pode chamar de uma ideologia atenocêntrica9. Mais do que isso, nos diz George Steiner, o ato de ir ao teatro assistir a mais uma reencenação da tragédia de Agamêmnon ou Orestes ou Antígona — todas essas peças vindas de mitos já muito bem conhecidos — era, para um grego, menos um passatempo e mais algum tipo de dever cívico e religioso, que é o que fazia com que o gênero trágico fosse possível. É por causa da necessidade dessa formação de uma comunidade, bem como do contato textual com essas raízes do trágico, que a tragédia, para Steiner, só foi possível em alguns poucos momentos da história ocidental, como na Atenas de Péricles, na Inglaterra entre 1580 e 1640 e na França entre 1630-1690. Diz ele do teatro elisabetano:

 

Ao mesmo tempo, a plateia shakespeariana parece ter constituído uma comunidade, no sentido do argumento de Heller. Seus membros partilhavam de certas ordens de valor e hábitos de crença que davam ao dramaturgo a possibilidade de se apoiar sobre um corpo comum de respostas imaginativas. O nobre e seu lacaio poderiam encontrar fontes de prazer muito distintas em Hamlet. Mas não precisavam nem de notas de rodapé, nem de qualquer glosa em especial para prepará-los para a possibilidade da ação de fantasmas ou para a referência implícita a condutas humanas numa escala de valores que ia do angelical até a matéria bruta.

Ou, pelo menos, é o que podemos supor10.

 

Mas esse senso de comunidade, ainda apegado a uma noção de celebração medieval no caso do exemplo da época de Shakespeare, desaparece por completo nos séculos que se seguem, até que o teatro, bem como o livro, seja de prosa ou de poemas, se tornam apenas mais uma opção de passatempo, por volta do século XIX, quando podemos encontrar essa passagem do domínio do despótico para o capitalista, em que isso que chamamos agora de literatura passa a concorrer com outras formas de entretenimento — uma demanda que os teatros da época, tanto quanto as editoras, foram rápidos em capitalizar. Mas estou me adiantando.

Um dos problemas aqui é que o mito nesse estágio pós-tribal da sociedade se encontra a meio de caminho de se desmitificar. O lado mítico da manutenção dessas comunidades parece se concentrar sobretudo nos mitos humanos, que são os que compõem, por exemplo, quase todas as tragédias da antiguidade (as únicas puramente divinas são as da trilogia de Prometeu, de Ésquilo, cuja atribuição de autoria e período exato de composição são discutíveis), ao passo em que as narrativas dos mitos divinos já se transformaram em religião organizada, marcando um movimento que vai do costume (o "fazemos assim, porque é assim que sempre fizemos") para a ortodoxia ("fazemos assim, porque é assim que tem que ser"), quando os sacerdotes, como diz Joseph Campbell, deixam de ser xamãs e passam a assumir o papel de burocratas11.

O exemplo dos antigos hebreus é marcante por conta da sua relação com a escrita, que reforça esse sentido de verdade e autoridade, em prol da ortodoxia. No ímpeto de eliminar os outros deuses para favorecer um único deus, demonstra Raphael Patai, eles foram reescrevendo e revisando a narrativa bíblica de modo a apagar os resquícios do politeísmo que era certamente praticado, inclusive pelos próprios hebreus, em todo o Oriente Médio. Como Patai aponta, a deusa Asherah, no panteão dos cananeus, esposa do grande deus El (também um dos nomes de Iavé usado na Bíblia), foi idolatrada até a data da destruição do Templo de Jerusalém por Nabucodonosor em 586 a. C., e, no entanto, não há nenhuma menção a ela no texto bíblico, exceto por via indireta, quando diz-se que Salomão cometeu idolatria ao venerar "a Deusa dos Sidônios", e em trechos que parecem ter sido (mal) emendados12. É um ímpeto oposto ao sincretismo do mundo grego e latino e do restante do Oriente Médio, que tendia a acumular deuses, e poderia ser visto, talvez, como uma reação ao sincretismo politeísta, já que se trata de uma experiência bastante natural dessas religiões (os mitos, como vimos, tendem a ser compatíveis). Em Atenas, podemos observar, a principal figura a promover um movimento semelhante ao judaico foi Sócrates, acusado de ateísmo por desprezar os deuses gregos — visto que não representavam o seu ideal de um divino perfeito, não maculado pelas paixões e vícios humanos —, o que pesou no veredito de sua condenação à morte (vide A Apologia de Sócrates). Em ambos os casos, supõe-se que tanto o ateísmo platônico quanto a demonização dos deuses alheios cometida pelos autores bíblicos seriam estranhos às sociedades tribais primitivas. Para elas, supõe-se, não é tanto uma questão de se acreditar nos mitos e nos deuses, quanto a de que esses mitos e deuses de algum modo façam sentido para elas e encontrem ressonância na comunidade. Parafraseando Candido, o artesão de Sinaketa não vai tentar fazer um tronco flutuar no rio pela pura força da fé. No entanto, desde o século I na Europa do Mediterrâneo e Oriente próximo, pelo menos, havia templos realizando espetáculos dessa natureza, nem que para isso precisassem recorrer à farsa, como as estátuas construídas por Heron de Alexandria para o culto de Cibele, que jorravam leite dos seios no auge das cerimônias por meio de um temporizador mecânico. O fenômeno, desnecessário dizer, perdura até hoje, o que demonstra o quanto é irônico o menosprezo pelo sistema de pensamento dos "primitivos".

Nota-se então que, por mais que não saibamos, afinal, como é ao certo que os mitos nascem, é muito fácil observar como eles morrem. Os mitos podem deixar de fazer sentido para a comunidade conforme ela muda, podem se transformar em religião, ou podem ainda ser demonizados por outra religião conquistadora — e o resultado é o grande cemitério dos mitos que compõe a história da mitologia. Os mitos divinos da tradição grega provavelmente significavam algo para Homero (e os outros poetas da tradição oral da qual ele é descendente) e seu público, e uma outra coisa bastante distinta já para os contemporâneos de Sócrates, Sófocles, Heródoto e Aristófanes do século V a. C., mas é certo que não significavam mais nada para um inglês do século XVIII como Alexander Pope, que, em seus poemas pastorais, por exemplo, parece usá-los com efeito decorativo, uma demonstração de erudição e conhecimento da tradição literária que enfeita suas descrições da natureza: "The Naiads wept in every watery bower, / And Jove consented in a silent shower" ("Pastorals: Summer", vv. 7-8).

No entanto, mesmo que os mitos em si tenham se perdido ao longo do caminho de nossa cultura ocidental, o processo mítico que os gera é difícil de ser impedido, em parte por conta do apelo que o mito carrega — e o "monomito", a narrativa da jornada do herói descrita por Joseph Campbell e que se pode enxergar por trás de uma miríade de histórias diferentes, é um bom exemplo disso. Mesmo que o modelo do monomito não seja, de fato, tão universal quanto se propõe, qualquer nova narrativa estruturada com base nele ganha imensamente em apelo, e, como se sabe, George Lucas o empregou deliberadamente no primeiro filme de Guerra nas Estrelas (1977), que, não por acaso, se tornou um dos filmes de maior sucesso financeiro e alcance cultural do século. Como o sal e o açúcar para o paladar, há algo nesse tipo de narrativa que parece, como por instinto, atrair a atenção.

Negar o mito, a consciência mítica e o processo mítico são possíveis, mas geram outros problemas a longo prazo. Novamente retorno ao caso do judaísmo. Como nos mostra Gershom Scholem, o judaísmo rabínico rejeitou com veemência o mito:

 

Igualmente pronunciada e significativa para a história do judaísmo foi a restauração do caráter mítico da Torá. Pois o que, no judaísmo rabínico, separava a Lei do mito? A resposta é clara: a dissolução da Lei de eventos cósmicos. No judaísmo rabínico, a Lei é só em parte, se o é, alicerçada na memória de acontecimentos históricos – mas não é mais considerada em nenhum sentido como a representação, no culto, de um evento mítico. O êxodo do Egito, que desempenhara um papel tão importante na Torá, deixara de ser um evento mítico para a consciência judaica. (...) E este divórcio da Lei em relação a suas raízes emocionais é uma das grandes e fundamentais, mas também perigosas e ambivalentes, conquistas da Halahá do judaísmo rabínico normativo13.

 

No entanto, continua ele:

 

O próprio gnosticismo, ou, ao menos, certos dos seus impulsos básicos, constituiu uma revolta, em parte talvez de origem judaica, contra um judaísmo antimítico, uma erupção tardia de forças subterrâneas tanto mais carregadas de mito quanto se apresentavam vestidas sob o manto da filosofia. (…) Em seu primeiro e crucial impulso, foi a Cabala uma reação mítica dentro de uma área que o pensamento monoteísta, a duras penas, desembaraçava do mito14.

 

O pensamento cabalista inseriu o drama cósmico no cerne da narrativa da criação e do problema do mal, através da noção do tzimtzum, das sefirót e suas cascas (klipót) e a reparação (tikkun) do mundo, bem como o ressurgimento da dualidade masculina e feminina na reunião de Deus com a Schehiná (presença divina) que ecoa e recupera o casamento entre El e Asherah apagado da narrativa bíblica. Ao mesmo tempo, ele também mitificou a experiência judaica da diáspora: "os judeus enquadraram sua experiência histórica dentro de sua cosmogonia. O mito cabalístico teve 'sentido' porque brotou de uma relação plenamente consciente com uma realidade que, vivida simbolicamente mesmo em seus horrores, foi capaz de projetar poderosos símbolos da vida judaica como um exemplo extremo de vida humana pura e simples15". Assim Scholem explica as fontes desse apelo da Cabala, que acabou, inclusive, moldando muitos dos ritos judaicos que perduram até hoje, e influenciando correntes místicas e teosóficas, não-judaicas, posteriores.

Mesmo muito antes da Cabala dos séculos XII-XIII, porém, já tínhamos pelo menos um caso da reemergência violenta do mito dentro do judaísmo antimítico, ainda que não em seu cerne, mas às margens, que foi o cristianismo. A narrativa de Jesus Cristo como o deus primaveril que morre e renasce é uma das coisas que faz com que sua narrativa seja particularmente poderosa — e mesmo um cristão como C. S. Lewis reconhece esse arquétipo mítico por trás dela, sem que isso, porém, para ele acarrete uma perda na fé (Lewis o descreve como um mito, mas "um mito verdadeiro"). Não por acaso, o cristianismo cresceu imensamente e eclipsou não só todas as outras pequenas seitas contemporâneas concorrentes, mas também o próprio judaísmo do qual surgiu e até o politeísmo predominante no Império Romano, se tornando, pois, ele próprio uma poderosa religião organizada, também hostil ao mito.

Acredito que esses exemplos ilustram bem o modo como o mítico ressurge mesmo após  reprimido, mesmo num tempo impróprio para o surgimento orgânico de cantos cosmogônicos e narrativas comoventes de heróis do passado. A nossa sociedade, no entanto, já não compõe mais nem a máquina primitiva, nem a despótica, mas a máquina civilizada capitalista, que atribui sua produção nem à terra, nem ao déspota, mas ao capital. Todo fluxo material então está radicalmente desterritorializado e descodificado (em oposição à supercodificação despótica), desprovido de sentido. Tudo que é sólido desmancha no ar16. Dizem Deleuze & Guattari, então:

 

Houve sempre desejos descodificados, desejos de descodificação — a história está cheia deles. Mas os fluxos descodificados só formam um desejo — desejo que produz em vez de sonhar ou faltar, máquina simultaneamente desejante, social e técnica — pelo seu encontro num lugar, pela sua conjunção num espaço, que leva um certo tempo a dar-se. Por isso é que o capitalismo e o seu corte não se definem apenas pelos fluxos descodificados, mas pela descodificação generalizada de fluxos, pela nova desterritorialização massiva, e pela conjunção dos fluxos desterritorializados. Foi a singularidade desta conjunção que fez a universalidade do capitalismo. Podemos dizer, simplificando bastante, que a máquina territorial selvagem partia de conexões de produção, e que a máquina despótica bárbara se fundara sobre disjunções de inscrição a partir da unidade eminente. Mas a máquina capitalista, a civilizada, começa por se estabelecer sobre a conjunção. A conjunção já não designa só os excedentes que escapariam à codificação, nem os consumos-consumações como nas festas primitivas, nem mesmo o «máximo de consumo» no luxo do déspota e dos seus agentes. Quando a conjunção passa para primeiro plano na máquina social e deixa de estar ligada quer ao gozo quer ao excesso de consumo duma classe – faz do próprio luxo um meio de investimento, e rebate todos os fluxos descodificados sobre a produção, num «produzir por produzir» que reencontra as conexões primitivas do trabalho na condição, única condição, de as prender ao capital como ao novo corpo pleno desterritorializado, o verdadeiro consumidor donde elas parecem emanar17.

 

O problema das datas cerimoniais, creio, ilustra bem o drama da desterritorialização e o seu esvaziamento de sentido. A Páscoa cristã deveria coincidir com a primavera – do contrário, o papa Gregório não teria se esforçado para desenvolver um calendário em que isso é possível sem maiores malabarismos, mas ela ocorre no outono, a estação oposta, nos países do hemisfério sul. Outubro, o mais cruel dos meses. Do mesmo modo, há uma relação entre as estações do ano e os arquétipos zodiacais, na medida em que cada signo cardinal indica o começo de uma estação nova: Áries aponta para a primavera; Câncer, para o verão; Libra, outono; Capricórnio, inverno. Essa relação com as estações é crucial para os arquétipos míticos por trás de cada signo (não é coincidência que a época do signo regido pelo Sol, Leão, seja pleno verão, nem que o penoso inverno seja marcado por dois signos regidos classicamente pelo chamado "Grande Maléfico", Saturno), mas se perde por completo também quando transposta para o hemisfério sul. Essa falta de sincronia entre o humano e o natural parece ser sintomática de toda a sociedade dentro da máquina capitalista, que, não por acaso, passa a enxergar a natureza como mero recurso a ser explorado e gerenciado, e o humano como algo à parte disso.

Nós, os civilizados, temos um horror cínico ao mito. Valorizamos demais nossa imagem de indivíduos racionais, superiores aos ignorantes que acreditariam que um fenômeno natural como o trovão fosse uma manifestação de deuses inexistentes, para darmos o braço a torcer e confessar que o mito ainda tem poder sobre nós. Mas o caso do judaísmo rabínico e o surgimento da Cabala e do cristianismo é exemplar do que ocorre quando se tenta suprimir essa dimensão da experiência e do desejo humano. Nada disso inibe o processo mítico, que não cessa, porém não parece em nossa época ainda (será que poderá um dia) ter sido capaz de se cristalizar de maneira natural em mitos distintos, graças à descodificação plena dos fluxos e à ausência de uma localidade específica (desterritorialização) e de uma identidade comunitária. O mundo da alucinação, em que qualquer coisa pode estar viva e consciente e falar e depois se transformar em qualquer outra coisa, longe das amarras da lógica e da causalidade, parece muito próximo do mundo do sonho e do mito. A psicose, portanto, nos termos de que falam Deleuze & Guattari — tal como exemplificado pelo caso famoso do juiz Daniel Schreber, que acreditava que Deus estava transformando-o em mulher e que raios de sol emanavam de seu ânus — é talvez a única ocasião em que o homem moderno é capaz de ter contato direto com o mundo mítico, mas é um mergulho brusco, descontrolado e aterrorizante, tanto quanto, imaginamos, poderia ter sido para Abraão, na narrativa bíblica, ao ser convocado para sacrificar o próprio filho, ou, para Ganimedes, ao ser raptado por Júpiter para tornar-se seu amante no Olimpo. Por que diabos Deus iria querer transformar Schreber em mulher? Que motivo lógico ele teria para isso? Porque essas perguntas só podem ter respostas externas à própria narrativa podemos enxergar o quanto há de metafórico nesses delírios. Talvez seja por isso que Deleuze & Guattari tenham equivalido a literatura com a psicose18.

Mas é óbvio que essa é uma situação extrema, e seria imprudente traçar algum paralelo causal, para além das semelhanças entre as narrativas, entre psicose e isso que estamos chamando de processo mítico. O exemplo psicótico é extremo, em todo caso, e, na maior parte do tempo, o processo parece operar coletivamente num nível quase imperceptível, e o resultado é que, dentro da sociedade capitalista, temos mitos disformes, difíceis de se identificar, fragmentos, traços e arquétipos que surgem aqui e acolá e se confundem com ideologia ou, melhor dizendo, se encontram na sua base. Eles se revelam, no entanto, quando se observa certos padrões de comportamento que se repetem, e prestar atenção às produções da publicidade e da indústria cultural é um procedimento útil aqui para poder observá-los.

O próprio capital age como uma forma de mito, um tipo de deus intangível, primo-móbile de tudo, recebendo o crédito pela produção da máquina social sem sequer existir concretamente, que encontra seu rito equivalente nas transações financeiras. Ele poderia servir para dar aquele senso de comunidade de que falamos que existia na Atenas de Péricles ou na Inglaterra elisabetana. Talvez de fato o capital ansiasse por isso, reunindo toda a humanidade contente em torno do rito do consumo, mas sua falta de caracterização, sua natureza abstrata e a falta de experiências compartilhadas pela comunidade demasiadamente heterogênea que ele gostaria de reunir (i.e. o mundo) frustram a empreitada. Além disso, o consumo visa incluir a todos em seu rito universalizado, ao mesmo tempo em que tenta manter a exclusividade reservada aos seus maiores devotos — por isso basta ver a reação de horror das classes dominantes sempre que sentem que as classes mais baixas estão invadindo os seus espaços para notar o quanto essa postura gera dissidência e ressentimento, impossibilitando qualquer sensação de comunidade.

Ainda falando em termos de ritos, que sempre acompanham os mitos como seus desdobramentos, não seria o caso de imaginarmos que, na família burguesa de hoje, a humilhação do fracasso financeiro de um membro da família, por exemplo, seria em alguma medida equivalente, na Grécia, à de se deixar um cadáver sem enterro, pasto de aves e cães, como foi o caso de Polinices? Nesse sentido, não podemos enxergar num drama pequeno burguês como A Morte do Caixeiro Viajante, de Arthur Miller, com o sacrifício do pai de família falido Willy Loman na tentativa de tentar promover o empreendedorismo dos filhos fracassados, algo do mito de Antígona?

Nossos ideais de masculinidade e feminilidade, Adônis e Vênus fragmentários, também são uma forma de mito, aos quais se espera que dediquemos os devidos rituais — sem nenhum uso metafórico de linguagem aqui — de beleza. Deleuze & Guattari falam das formas como o corpo é marcado nas culturas primitivas, signos que marcam o seu pertencimento ao corpo pleno da terra, "o movimento da cultura que se realiza nos corpos, se inscreve neles, domesticando-os19" — e, no tocante à beleza, isso ainda se repete em pleno capitalismo, mesmo após trocarmos o terror e a crueldade das outras máquinas sociais pelo cinismo capitalista. É certo que alguma coisa governa nossos ideais de beleza, e, por mais que seja cômodo simplesmente pôr a culpa na mídia e nas grandes empresas que estariam "nos enganando", pode ser que esse gesto atribua poder demais a essas figuras, certamente já bastante poderosas, no entanto, mas que talvez pareçam mais procurar se beneficiar o máximo desses ideais (i.e. lucrar) do que efetivamente criá-los e impô-los. Os ciclos da moda são exemplares disso, na medida em que sempre que uma subcultura urbana populariza alguma peça, como foi o caso da camisa de flanela do grunge de Seattle, utilizada por ser um material barato e durável, ela é apropriada pelos estilistas o mais rápido possível, visando vender ao público mais amplo uma versão mais cara, de marca, da mesma peça (no caso do grunge, a transformação do lixo em luxo foi obra e graça de ninguém menos que Marc Jacobs). Mas há provavelmente algo por trás dessas emergências e dissoluções de padrões, para além da dicotomia entre autenticidade individual e manipulação midiática.

Por fim, como um último exemplo aqui de um mito moderno mais reconhecível, Hitler, eu arriscaria dizer, seria o caso de alguém que deixou de ser um homem para se tornar uma forma de mito também, não tanto uma pessoa histórica quanto um monstro, usurpando — como aponta Brian Palmer num artigo sobre o tema20 — o lugar de "pior pessoa da história" para uso retórico, até então ocupado pelo Faraó do Egito bíblico, Pôncio Pilatos e Judas Iscariotes. Joseph Goebbels, seu ministro da propaganda, também um homem de um antissemitismo extremo, e Josef Mengele, o "anjo da morte" de Auschwitz, responsável pessoalmente pelos experimentos desumanos perpetrados contra os prisioneiros, pode-se dizer, foram tão monstruosos quanto ele, mas não têm a mesma aura ao seu redor, e seus nomes não são evocados com a mesma frequência como sinônimo do mal. Ao mesmo tempo, para os neonazistas, que, décadas depois, continuam a se proliferar, Hitler mantém um apelo de que nenhum outro líder totalitário desfruta, como se eles estivessem à espera, algo sebastianista, de que ele voltasse à vida para concretizar um Quarto Reich.

Quando há a formação de mitos mais distintos após a passagem da máquina despótica para a máquina capitalista, expressos em termos muito semelhantes aos dos mitos das comunidades primitivas, eles são os mitos — aí sim — apropriados e/ou fabricados por certos grupos — que ou já se encontram no poder ou o buscam — com outros propósitos, como o de justificar medidas drásticas por parte do Estado, como a violência extrema, a xenofobia e a intervenção militar. O nazismo é o exemplo mais clássico disso, com seus mitos de sangue e solo (Blut und Boden) e de superioridade racial (Herrenvolk), que se encontram na raiz da ideologia hitlerista. A ideologia, em termos muito resumidos, é o que molda a visão do que é a realidade e do que ela deveria ser (no caso nazista, como se sabe, o mais importante seria a "pureza" da "raça superior" e o seu triunfo sobre as outras), mas o que fornece a emoção com a qual ela é defendida e aplicada é algo de um nível muito menos racional — o que há de racional na ritualística elaborada das cerimônias, ou nos sacrifícios apaixonados dos atos de terrorismo ou guerra? — e mais básico, mais instintivo. Os nazistas das décadas de 20 e 30 não precisavam necessariamente ser leitores devotados do Mein Kampf, monstros sanguinários e naturalmente cheios de ódio no coração — pensemos na "banalidade do mal" de Adolf Eichmann, como apontado por Hannah Arendt —, mas a mera necessidade de pertencimento, o anseio por uma comunidade (que o capitalismo tem dificuldades de suprir) e a nostalgia de um passado grandioso bastam para alimentar neles no mínimo um desgosto por aqueles vistos como empecilhos para a realização desse ideal — ou pelo menos para que, sob os líderes devidamente carismáticos, se tornem colaboradores leais, para os quais a eliminação dos indesejados é um detalhe sórdido de que não querem nem saber. Não por acaso, também o governo de Salazar se interessou pelo Mensagem de Pessoa, encontrando no poema um nacionalismo mítico que poderia justificar o salazarismo e concedendo-lhe o prêmio Antero de Quental do Secretariado da Propaganda Nacional, mesmo que o próprio poeta fosse avesso ao fascismo português e tivesse se recusado a participar da cerimônia. E, assim, nesses movimentos totalitários do século XX em diante encontraremos esses elementos em comum que têm em sua raiz o processo mítico e os anseios que os mitos visam suprir: o louvor à terra e/ou à "raça", o apelo à glória do passado, o culto de personalidade em torno dos líderes e o desejo pela formação de uma comunidade forte e unida em torno dessa figura.

Mas há ainda mais um aspecto da relação entre o indivíduo e os mitos da sociedade à qual ele faz parte, que é a questão da sintonia, que surge como um problema especialmente relevante a partir do momento em que o senso orgânico de comunidade se dissolve. O mito está associado ao sonho, e Campbell diz das duas coisas que o mito é o sonho coletivo, e o sonho, o mito privado21 — daí, por exemplo, o fato de uma narrativa como o Finnegans Wake, de Joyce, da qual Campbell foi um dos primeiros comentadores, ser uma mescla de sonho e mito — e o público e privado podem então estar ou não em sintonia. Quando os sonhos individuais combinam com os mitos locais, tem-se uma harmonia do indivíduo com a sociedade, e ele se sente integrado a ela. No entanto, Campbell continua, quando esses sonhos não se alinham com os mitos públicos, o que se tem é um chamado à "aventura", um tipo de busca ou jornada, que é o começo do monomito. Como disse, há bons motivos para se questionar a validade ou a universalidade pretendida pela tese do monomito campbelliano, mas esse ponto até aqui, pelo menos, parece ser bastante observável. Dados os mitos do capital, quem podemos ver que são os mais bem-ajustados a ele? aqueles que acreditam, primeiramente, na naturalidade da propriedade privada, e então no consumo como resposta aos problemas do indivíduo, e que ficam contentes com a alternância entre os ciclos de ganhar e gastar dinheiro. Eles não precisam ser membros das classes dominantes, mas provavelmente irão aspirar a sê-lo, e tanto mais estarão em sintonia com o que a sociedade espera deles quanto se enquadrarem nos padrões estabelecidos de masculinidade e feminilidade. Aqueles em quem esses mitos não encontram ressonância são os desajustados, atormentados por sentimentos de alienação até que algo seja feito para que possam romper com isso. E, porque os nossos mitos modernos são mal-formados, inconstantes e difíceis de identificar, mesmo quem se encontra em sintonia com eles não tem qualquer garantia de constância nessa relação. Assim, as histórias anedóticas, porém recorrentes, em que alguém de sucesso abandona tudo para se fazer qualquer outra coisa, que encontram seu arquétipo básico nas narrativas de Moisés e Buda, são ilustrações desse gesto de ruptura. O do monge budista milionário Mingyur Rinpoche, autor de um livro best-seller sobre meditação e auto-ajuda, que em 2011 desapareceu do monastério em que vivia para assumir uma vida de monge mendicante, é um exemplo recente marcante disso. Já aqueles que, por qualquer motivo, estão impossibilitados de largar tudo, sobretudo os que já não têm muito o que largar, acabam relegados a essa condição de desajustados.

Mas, se há uma figura para a qual o desajuste se tornou norma, esse personagem é o poeta, pelo menos desde os princípios do romantismo. Como vimos, Peacock anunciava já no começo do século XIX que a poesia estava para acabar. Não acabou, mas o que se tinha à época — a poesia cheia dos "barbarismos" da "idade de bronze" de românticos como Wordsworth e Byron — e o que viria posteriormente são coisas que sequer poderiam ser chamadas de poesia para os poetas dos séculos anteriores. É a obra do poeta inserido na modernidade, cuja gênese e motivo de ser vem, há um século, pelo menos, sendo tema de discussão entre críticos e teóricos, que tendem a localizar o ponto de ruptura entre a poesia clássica e a poesia moderna, nessa nova concepção do termo, em algum ponto entre as primeiras violações mais fortes da linguagem em Rousseau e a crise de versos de Mallarmé, passando também pelos românticos e Whitman e Baudelaire. Como dito já, Joseph Campbell afirma que o papel que nas sociedades primitivas é relegado aos xamãs não é herdado pelos sacerdotes, os burocratas das religiões, mas pelos artistas — e, de fato, esse é o discurso a qual os poetas tantas vezes recorrem, inclusive para justificar o ofício pelo apelo à sua ancestralidade, a prática da poesia como descendente desses cantos tribais primordiais. Só que a situação social em que nos se encontramos é muito diferente da estrutura social tribal. Quando pensamos em versos como os dos cantos cosmogônicos dos índios Mbyá-Guarani, por exemplo, que foi traduzido recentemente como parte do livro Roça Barroca, de Josely Vianna Baptista22, a organização do texto sugere ser muito provável que eles tenham sido elaborados por alguém, por um criador em algum momento, mas eles nos surgem como anônimos e parte integrante do tecido da cultura dos Mbyá-Guarani, não por terem sido de fato compostos coletivamente, mas porque a arte coletiva, tal como diz Candido, "é a arte criada pelo indivíduo a tal ponto identificado às aspirações e valores do seu tempo, que parece dissolver-se nele, sobretudo levando em conta que, nestes casos, perde-se quase sempre a identidade do criador-protótipo23". E isso já não é mais possível, pelos motivos de que já falamos anteriormente, tanto quanto é também impossível voltar aos tempos do Império Romano de Virgílio ou de Portugal de Camões e compor épicos nacionais sob a aprovação de Augusto ou Dom Sebastião. A modernidade impôs sobre o gênero épico tantos problemas que diz-se que a epopeia é impossível hoje, e, de fato, ela é impossível sob esse modelo clássico. Os poetas ainda escrevem obras com um certo apelo épico, como O Guesa, de Sousândrade, Mensagem, de Pessoa, ou A Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, mas nesses casos a forma final emerge tão modificada pela experiência da modernidade que é preciso apertar muito os olhos para se reconhecer o impulso épico por trás delas. Em vez disso, o tradicionalismo classicista, o tom triunfante e o nacionalismo exacerbado acabaram se tornando hoje as marcas registradas da obra fascista, a propaganda dos Estados totalitários.

Em suma, na sociedade da máquina capitalista, não há espaço para os xamãs da máquina primitiva, nem para os poetas da corte da máquina despótica, e o que governa a recepção e produção das obras literárias é a lógica do mercado editorial. Tal como Steiner observou no teatro no século XIX, que já não tinha as funções rituais e cívicas do teatro ateniense ou elisabetano, o público moderno está primariamente interessado em entretenimento. O poeta ainda se agarra às suas raízes como xamã, hierofante, vidente, capaz de oferecer algo de mais humanamente relevante, além do entretenimento fácil, mas se encontra desprovido de uma comunidade ao seu redor. Daí os lamentos de Baudelaire, ao longo de todo o As Flores do Mal, especialmente em poemas como "O Albatroz", sobre a situação deplorável do poeta moderno. Dado esse contexto, é difícil concordarmos com Joseph Campbell quando ele diz que os criadores de nossos mitos modernos são os artistas, sobretudo depois do exemplo da criação de mitos na Alemanha nazista. Independentemente desses artistas, cuja obra tantas vezes chega só com muita dificuldade e atraso ao público, os mitos semiformados do capitalismo estão lá, e os seus xamãs são os publicitários. Muito já se disse sobre as semelhanças de linguagem entre poesia e publicidade no tocante à exploração da chamada função poética da linguagem, segundo Jakobson, em que o texto busca, via recursos formais, chamar atenção para si próprio, mas o que os difere em essência é o objetivo. O publicitário, pelo menos o que trabalha para promover produtos de consumo, está alinhado com a mitologia do capitalismo e, através dos seus slogans, imagens e jingles, tenta reunir a comunidade em torno do rito do consumo, estimulado pela promessa de que ele é capaz de suprir alguma carência básica que, por falta de nome melhor, convencionou-se chamar de felicidade. E isso, por sua vez, alimenta o fluxo de capital. Compre x e as mulheres cairão aos seus pés, compre y e salve seu casamento, compre z e sinta o que é a liberdade.

Isso não quer dizer necessariamente que todos os poetas sejam marxistas (o marxismo é uma das reações à mitologia do consumo e compõe também, segundo Steiner, a sua própria mitologia, com seus ritos, seus anátemas e sua escatologia) ou ativistas anti-consumo. A questão é que a poesia moderna parece surgir precisamente a partir desse desajuste entre o poeta e a mitologia corrente, mesmo nos casos curiosos em que ele consegue obter sucesso financeiro em vida, como foi o de Wallace Stevens. Essa dessintonia entre os mitos públicos e privados, em que consiste o chamado à jornada do herói campbelliana, é o motor por trás do gesto do poeta de rejeitar esses mitos e criar os seus próprios, numa espécie de jornada que não é mais literal, mas metafórica — mental ou, vai lá, espiritual, portanto. William Blake é provavelmente o exemplo mais notável disso, tendo criado uma extensa e complexa mitologia própria, mas poderíamos arriscar afirmar que essa mitopeia pode ser observada, de forma um pouco mais diluída e menos nítida, em quase todos os poetas mais importantes inseridos numa sociedade de máquina capitalista. Então, de fato, Campbell tem razão quando identifica o artista como criador de mitos, mas a questão é que ele não é o criador dos mitos que predominam na sociedade — quando foi a última vez que você foi a uma igreja assistir a um culto às entidades blakianas mais benevolentes, como Los e Luvah? —, mas de mitos que dizem respeito a si próprio e à comunidade — pequena, heterogênea, dispersada pelo tempo e espaço e nem de longe tão unida quanto as comunidades tribais — reunida ao seu redor na forma de leitores e outros poetas, presentes e futuros, com os quais sua obra virá a dialogar.

Não por acaso, parece, é no romantismo e na poesia moderna em geral que se desenvolve a partir daí que o tema da busca (quest) dos romances medievais ressurge com força24. O Alastor de Shelley, o Endymion de Keats, o Childe Harold's Pilgrimage e Manfred de Byron, o "Barco bêbado" de Rimbaud, o Guesa de Sousândrade, até mesmo o Fausto de Goethe. São todos poemas que partem do princípio desse chamado a uma jornada de herói — com a diferença de que o que se passa depois desse chamado é algo muito diferente do que se deveria esperar pelo monomito de Campbell. Eles se abrem com a alienação do sujeito em relação à sociedade em que estão inseridos (até mesmo o barco de Rimbaud professa um alívio em ter sido despojado de sua carga de bens de consumo, à qual era indiferente), ao que se inicia uma viagem pelo desconhecido, através de terras estranhas e as visões maravilhosas que elas ofertam, mas, em vez de conquistarem seu objetivo e retornarem à sociedade para enriquecê-la com a sabedoria trazida pela travessia, que é a conclusão clássica da jornada do herói, esses protagonistas têm em comum o fracasso e a morte precoce ou sacrifício, por vezes por si própria aquilo que o herói de fato busca.

Fausto se abre com o desespero e a inquietação de seu protagonista, que dá margem para a aparição de Mefistófeles e o famoso pacto. Após a tragédia doméstica em que consiste a primeira parte da obra e trata da desonra de Margaret, a amada de Fausto, a segunda parte introduz uma longa e bizarra jornada em que embarcam Fausto e Mefistófeles pelo tempo e pelo espaço, que vai muito além da cidadezinha em que se passa a primeira parte e por pouco não culmina em sua danação. O Poeta wordsworthiano da natureza que protagoniza Alastor abandona a sociedade, perseguindo uma visão que lhe aparece em sonho, e viaja para longe, passando por "Atenas, Tiro e Baalbek, e os escombros / Que eram Jerusalém, o pó das torres / Da Babilônia, as sólidas pirâmides, / Mênfis e Tebas...", até subir numa barquinha frágil e desolada no mar da Corásmia, onde parte rumo à sua morte por afogamento. O pastor Endimião (Endymion), como diz Bloom, é o "herói a quem sua busca é negada25", uma busca que ele só conclui ao abandoná-la. Manfred busca a própria morte e a encontra no final da peça, ao passo que Childe Harold encontra em Roma, na arte clássica, enfim a dissolução de suas inquietações que o levaram à jornada (morrendo, portanto, como herói metaforicamente, uma vez apaziguado). O barco bêbado não afunda como o barco do Poeta de Alastor, mas, após testemunhar cenas impressionantes, de abismos onde "apodrece o Leviatã" (v. 50) e Maelströms e os "cios do Beemote" (v. 82), ele se vê à deriva e desejando naufragar. E o Guesa, por fim, buscava chegar à Wall Street, esse símbolo do umbigo do capitalismo, para lá ser sacrificado, e talvez seja mais do que todos esses outros poemas o que melhor explora a problemática da busca na sociedade de consumo.

Que a jornada culminando no fracasso seja mote recorrente de alguns poemas influentes do século XIX não há de ser coincidência, e esses padrões se prestam com facilidade à leitura alegórica. No modelo típico da jornada do herói, a dessintonia entre mitos públicos e privados o leva à jornada, da qual retorna mais sábio e com isso modifica a sociedade que havia deixado. Se a busca do poeta consiste em ir procurar esses mitos próprios e trazê-los de volta para modificar os da sociedade cujos mitos rejeitou, essa recorrência do mote do fracasso da jornada é ilustrativa do que de fato ocorre com o poeta, que apenas em momentos muito otimistas pode ter qualquer esperança de que os mitos forjados no fundo de sua psique encontrem ampla ressonância e venham a suplantar os mitos correntes — e isso na melhor das hipóteses. Na pior, esse desejo é perversamente atendido. Foi o desastre de que Pessoa conseguiu escapar com Mensagem, mas não o poeta alemão Stefan George. Porque sua poesia, que desde 1914 assumia um tom pessimista de "profeta nietzschiano do fim dos tempos", entrava numa estranha ressonância com algo do ideário dos nazistas (ainda que ele, para a época, não fosse particularmente antissemita), eles tentaram recrutá-lo em 1933, assim que tomaram o poder, oferecendo-lhe dinheiro, prêmios e publicidade — ao que George, assustado, recusou, fugindo do país para morrer no mesmo ano, enfermo e desiludido, na Suíça26. É diante do apelo da totalização impossível ou indesejada, do sucesso como a medida suprema de todas as coisas, que talvez dê para entender o que há de um possível valor ético no fracasso.

Olhar para a poesia sob esse viés mítico, levando em consideração como os mitos podem ou não funcionar em cada etapa da estruturação das sociedades humanas, que nunca deixam de desejá-los, ainda que secretamente, e como os poetas lidam com isso, é importante para repensarmos a partir de um outro ângulo o problema persistente do espaço do poeta (ou a sua falta de espaço) na modernidade, que, longe de se resolver, nem que fosse através de uma resolução aniquilante, como queria Peacock ou como quis Adorno, só se torna mais complexo conforme a história avança. E refletir sobre isso, mais do que repetir automaticamente os velhos clichês sobre a herança xamânica da poesia — do poeta como o legislador não-reconhecido do mundo, antena da raça, aquele que purifica as palavras da tribo, etc., etc. — é a tarefa que, mais do que nunca, recai sobre o poeta escrevendo hoje.

 

 

 

Notas

 

1KNOX, Bernard MacGregor Walker. Word and action: essays on the ancient theather. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1986, pp. 9-10
2PEACOCK, Thomas. The Four Ages of Poetry (1820). Poetry Foundation. Outubro de 2009.
Disponível em <http://www.poetryfoundation.org/learning/essay/237842> Acesso em 08 out. 2014. Tradução minha.
3WITTGENSTEIN, Ludwig. Observações sobre "O Ramo de Ouro" de Frazer. Tradução e Notas
de João José R. L. Almeida. Suplemento da Revista Digital AdVerbum 2. Jul a Dez, 2007, p. 194.
4CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. São Paulo: Nacional, 1967, pp. 51-52.
5DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia. Tradução de
Joana Moraes Varela e Manuel Carrilho. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004, p. 144.
6DELEUZE & GUATTARI, 2004, p. 199.
7STEINER, George. The Death of Tragedy. Londres: Faber & Faber, 1961, p. 56.
8DELEUZE & GUATTARI, 2004, pp. 201-2.
9HALL, Edith. The sociology of Athenian tragedy. In: EASTERLING, P. E. The Cambridge
Companion to Greek Tragedy. Cambridge: Cambridge Press, 1997, pp. 101, 112.
10STEINER, 1961, p. 115.
11CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athena, 2011, p. 89.
12PATAI, Raphael. The Hebrew Goddess. Detroit: Wayne State University Press, 1990, pp. 34,
40, 53.
13SCHOLEM, Gershom. A Cabala e seu simbolismo. Tradução de Hans Borger e J. Guinsburg. São
Paulo: Perspectiva, 1978, pp. 114-15.
14SCHOLEM, 1978, p. 118.
15SCHOLEM, 1978, p. 141.
16PROTEVI, John. Political Affect: Connecting the Social and the Somatic. Minneapolis:
University of Minnesota Press, 2009, p. 98.
17DELEUZE & GUATTARI, 2004, pp. 232-3.
18DELEUZE & GUATTARI, 2004, pp. 138-9.
19DELEUZE & GUATTARI, 2004, p. 149.
20PALMER, Brian.  Before Hitler, Who Was the Stand-In for Pure Evil?. Slate Magazine. 2011.
Disponível em <http://migre.me/no9et> Acesso em 27 nov. 2014.
21CAMPBELL, 2011, p. 42.
22BAPTISTA, Josely Vianna. Roça Barroca. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
23CANDIDO, 1967, p. 35.
24BLOOM, Harold. The Visionary Company: A Reading of English Romantic Poetry. Ithaca &
London: Cornell University Press, 1971, p. 2
25BLOOM, 1971, p. 369.
26PERLOFF, Marjorie. The Vienna Paradox: a Memoir. Nova York: New Directions, 2003, pp.
89-92.

 
 
dezembro, 2014
 

 

  

Adriano Scandolara (Curitiba/PR, 1988). Poeta e tradutor, formado em Letras e mestre em Estudos Literários pela UFPR, onde estudou e traduziu o poema "Prometeu Desacorrentado" de Percy Bysshe Shelley, ainda inédito. Também traduziu os livros Deuses Sem Homens, do romancista Hari Kunzru (editora Nossa Cultura), e O Gênio Não Original: poesia por outros meios no novo século, da crítica Marjorie Perloff (editora da UFMG). Como poeta, foi publicado na Babel Poética e no Caderno Ilustríssima. Lançou, em 2013, Lira de Lixo, seu primeiro volume de poemas (editora Patuá). Integra o coletivo escamandro [www.escamandro.wordpress.com].
 
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