[Maria Luz é a sombra de um pedaço íntimo
e desconhecido na inquieta mente de uma observadora.]
R E C O R T E S
Espiei pelo buraco da fechadura
A batida da música nonsense.
Um pedaço de mim no freezer da ilusão...
Serafim era um gigante das histórias
de terror-menina
Mulher depravada acenando
seu sexo
desconexo...
Pedi para entender o esquema
Explicaram a superfície
porosa, exposta, anjo em cima
de uma mesa de cristal boêmio
Deixa deslizar o álcool barato
pelo esôfago
Deixa queimar com cinza de jazzco
meu pulmão esquerdo, vizinho direito
do coração.
No espelho da Rua Tobias
mais um corte de mim.
S A C R O - P R O F A N O
A madrugada ladra no meu ouvido
querendo morder meu calcanhar
A boca é uma ruga desprendida
no meio da gargalhada solta
Onde se escondeu Maria?
No faz de conta do dia dos mortos
O corpo pregado em cruz
tem pernas escancaradamente abertas
Os olhos fechados
continuam esbugalhados
Conta 1... 11... 21... 31...41...
Quero em mim todas as mãos da lascívia
Amar é quase um rito de passagem
[Vivo contida dentro de emoções, nas quais não acredito.
Estou desaparecendo... Essa é a minha grande contribuição.]
P O E S I A
O dia começou agitado
Todos os escritos foram devorados na madrugada
Não havia sinal de arrombamento ou de qualquer invasão
Não havia pegadas, rastros e nenhuma prova digital
Não havia motivação, nem suspeitos ou cúmplices
Sem pistas...
os poemas não seriam mais recuperados
O relógio cuco marcou o tempo
que de tão inconsistente se transformou em uma xícara de café frio
Lá fora parecia que ia chover
mas também nada aconteceu
Um silêncio morno tomou conta da casa
Olhou para palma das suas mãos
todas as suas linhas estavam lá
Foi para o quarto de cabeça baixa e de lá nunca mais saiu
P R O C U R A - S E
Estava impregnada dele
Ele no corpo e na alma
Ligou o chuveiro 3/4 do meio-dia
Saiu de lá algumas horas atrás
As narinas quentes, a boca fria
e polainas velhas na cozinha
Fez seu miojo sem tempero
ligou a TV e assistiu ao Faustão
Domingos são dias tristes
Ameaças de uma segunda-feira
O celular tocou:
Era uma tal de atendente da Claro
Nada aconteceu...
e no dia seguinte
Nada aconteceu...
Um dia de tanto esperar, ela desapareceu!
[Na poesia, um encontro com a solidão masculina,
retratada por uma escrita em tons cinzas]
C I N Z A S
Nesta solitude negra
o vazio é imenso:
Falta luz
falta cor
falta a vontade de sair do escuro
O nada impregnou minha alma
Acostumei-me a ser um divagador de emoções
Não te amar mais, fez de mim um solitário
talvez mais um triste otário
Saudades
S E D U Z
Abro minha boca
feita de falácias
Em rimas pobres
faço um discurso sarcástico
do meu desejo torpe
Suas narinas tem rosas
acácias
Nefasto me embriago
no ardil de fazer o jogo
mas seus cabelos voam
Nos seus olhos crédulos
perco-me feito virgem
inesperado
me apaixono
Sou minha própria cilada de homem tolo