Aniversário de casamento
Ele gira a chave. A fechadura não tinha sido trocada. Ótimo. Empurra a porta e entra. Na janela, contra o céu que escurece, vê a silhueta de flores; antes, nenhuma planta. Olha em volta, a casa parece diferente na penumbra. Acende a luz. Na sua frente, uma parede vermelha confirma a impressão. Vira-se, procurando o ambiente neutro, mas um quadro que não conhece — um homem beijando uma ruiva — o surpreende. A mulher da pintura se parece com ela. Sente ciúmes. Onde está a foto do casamento? A lacuna na estante o perturba.
Sabe que ela ainda não chegou do trabalho, quer surpreendê-la com a visita. Se ainda estivessem casados, fariam trinta anos hoje. Enquanto viviam juntos, ele sempre esquecia a data. E ela sempre o lembrava. No ano passado, com um recado na caixa postal do celular, que ele só ouviu de madrugada, quando saiu do motel com a estagiária. Ou era a secretária?
Não faz diferença. Ela já esqueceu, já o perdoou. Ela sempre perdoava. Além disso, o que importa, diante da decisão que ele tomou? Vai fazê-la entender, no aniversário de casamento, e de uma vez por todas, que ela tinha sido precipitada. A relação não terminaria daquele jeito.
Ele caminha até a sala de jantar, deixa as compras sobre o aparador. Abre o armário, destampa caixas, vasculha gavetas. Acha a louça inglesa, as taças de cristal, os talheres de prata, só usados em ocasiões especiais. Estende a toalha de renda sobre a mesa. Entre os candelabros, coloca o presente.
Entra na cozinha, põe o champanhe na geladeira. Você estava com a mão quebrada, escreveu com a outra, lembra-se dela responder, num fiapo de voz. Ele havia achado, no meio das cartas de namoro (que ela guardava com tanto zelo), um bilhete escrito por outro. Ficara possesso. Você estava com a mão quebrada, ela insistiu, chorando, olhos de medo. Você... A bofetada ressoou nos azulejos. Escreveu com a outra.
Ele se apoia na bancada, estica os braços, sentindo o peso da lembrança. Na ocasião, perdeu o controle, é verdade. Andava nervoso com os problemas na empresa. Passou a beber mais e, admite, já não a tratava como antes. Fita a aliança na mão esquerda. O que aconteceu com você... Talvez ela tivesse razão e ele precisasse mesmo de ajuda. Mas que importância tem isso, agora? Está decidido a resolver, sozinho, a situação.
Ele abre o armário, pega a garrafa de uísque. Não é a marca que costuma beber. Serve-se. Ela reclamava da solidão. Ele sugeriu aula de pintura, de cerâmica, coisas para matar o tempo. Ela queria mais, os filhos já tinham saído de casa, era a oportunidade de retomar a carreira. Ele cedeu, afinal. E foi seu maior erro: ali começou a perdê-la. Enche novamente o copo, toma de um só gole. Arreganha os lábios, fazendo um chiado entre os dentes. Nunca deveria ter deixado, balança a cabeça, servindo outra dose. Nunca.
Caminha para o quarto de casal, o seu quarto. Está numa maré de azar, pode acontecer a qualquer um. Não há nada de errado com ele, nem precisa da ajuda de ninguém. É só uma questão de tempo até as coisas se ajustarem. Ela vai ver. E depois, sendo sua mulher, ela tem a obrigação de... Como é? Na alegria e na doença, na saúde e na... Ou de nada valia aquela porra repetida na frente do padre?
Chinelos no chão, ao lado da cama. O seu lado. Não se lembra desses chinelos. Desvia os olhos, vai até o guarda-roupas. Hesita. Abre. Camisas de linho, calças sociais, sapatos de cromo alemão. Mas, de quem é que... Vira-se e, tropeçando no criado-mudo, entra no banheiro.
Sobre a bancada, o estojo de maquiagem, potes de creme. Com um tapa, joga-os longe. Junto à pia, um vidro de perfume azul. Ele o pega. P-o-u-r H-o-m-m-e. Nunca usou perfume. Ao lado do box, vê as duas toalhas.
Ele se olha no espelho: cabelos desgrenhados, a barba por fazer. Imóvel, deixa-se fitar. E então, sente que um longo tempo passou desde que entrou no banheiro, na casa, desde a separação. Agora, é um desconhecido que o observa. Sarcástico. Cruel. Coloca o frasco no mesmo lugar e, num acesso de raiva, esmurra o outro que, do fundo do espelho, escarnece dele.
Volta para o quarto. Com violência, abre o armário da esposa. Revira malas, caixas, objetos, até encontrar o que procura. Do pequeno baú, tira o vestido de casamento. Estende-o sobre a cama. Deita-se ao lado, ofegante.
Juiz de merda, diz para si mesmo, rilhando os dentes. Quem é ele para proibi-lo de se aproximar da própria mulher? O Estado se intrometendo em sua vida, não aceita isso. E ai dela se o denunciar! Mas isso ela não faria, pensa, acariciando o vestido com a mão ensanguentada.
Recorda-se da lua de mel: Santos, ele filmando-a na praia, em Super 8. Ela prende o cabelo, o vento atrapalha; a câmera se aproxima. Ela protesta, vira-se de costas; a câmera dá a volta, insiste. Irritada, ela tenta bloquear a lente; ele agarra sua mão, aproxima-se ainda mais. Ela grita e, soltando-se dele, corre; ele a persegue. Ela tropeça e cai. Estendida na areia, chora de raiva.
Viu esse filme inúmeras vezes. Deliciava-se com a sequência final - sem perder o enquadramento, ele põe a filmadora ao lado; segura os punhos da mulher e deita-se sobre ela, beijando-a com força; inerte, ela não reage. — Agora, já não tem como dominá-la. Olha o porta-retrato sobre a cômoda: ela ri de sua impotência. Humilha-o. Sua mão fecha-se na gola do vestido.
Trabalhou como um escravo para dar à família conforto, segurança, uma vida sem preocupações. E o que recebeu em troca? Dos filhos, desprezo; da mulher, abandono. Ela, que dependia dele, tinha tudo o que queria e sempre vivera às suas custas, agora o traía. Ele pega o porta-retrato, atira-o na parede.
Acumulou dinheiro, prestígio, poder; ganhou uma úlcera, inimigos, um princípio de cirrose. E, depois do escândalo de corrupção, a distância dos interesseiros: nunca o tinham visto, jamais haviam falado com ele. Filhos da puta.
Ele, que nunca tolerou derrotas, já não tem o que perder.
Levanta-se da cama, vai até o cofre. Abre. A arma ainda está lá, na gaveta da direita. Ele a examina. Com a mão trêmula, destrava o mecanismo de proteção. Encosta o cano na têmpora, engatilha. Fecha os olhos.
***
Quando a mulher entra em casa, não se espanta ao vê-lo. Não há tempo: o barulho do tiro a assusta. Ela olha o namorado que, ao lado, ainda segura o que restou da garrafa, o peito manchado de vinho. Na camisa branca outra mancha se forma. O homem solta o pacote de compras, dá um passo e cai.
Ela não se move ao ver o ex-marido caminhar na sua direção. E já está de olhos fechados quando o soco arrebenta-lhe o nariz. Desacordada, não pode sentir a mão apertando sua garganta, mais e mais, até o peito se imobilizar. Da mesma forma, não sente dor quando a mordida violenta arranca-lhe um pedaço do seio. Mas se sentiria vingada se visse o desespero do outro ao entender, finalmente, que ela já não lhe pertencia.