CLAREANDO O VÁCUO

 

 

A lama

do húmus

tem asco

pelos líquidos

das palavras.

 

O deserto

se ilha

para o limbo

de Dante.

 

O caos do

desconhecido

é um balaço

às escuras.

 

Em tempos

de demência

a moira nem sempre

é fortuna.

 

 

 

 

 

 

FOTOGRAFANDO ESCOMBROS

 

 

O aparelho do mundo desaba

em lamas de ouro e anseios de porcos.

 

Na matéria-prima do Estado

sou enigma e caos.

 

É onírico encantar-se pela força do titã.

 

Na parte que me escapa

não tenho receio de nadar com rãs.

 

É em luz e transparência que me vasto.

 

 

 

 

 

 

URGÊNCIAS

 

 

Uma chave

dentro

de um copo.

 

A ferida

acende-se em átomos.

 

A ausência espanta.

 

Uma cama

no meio do mar

varre uma pátria

de roupas sujas.

 

 

 

 

 

 

BANDITISMO

 

 

Com uma bala

de cangaceiro

 

irei balear

a ordem

 

será um tiro

certeiro.

 

 

 

 

 

 

LÚMENES BALA

 

 

A miopia das luzes

tem a velocidade

das tartarugas.

 

Ter olhos é um risco.

 

Tiro

no claro. Bala

sonora. Ruído

seco.

 

No âmago

da bala germina

uma cigarra que dissipa

o silêncio.

 

 

 

 

 

 

FLÂNEUR

 

 

De poros abertos

expatrio a ordem

que me dementa.

 

Há algo grande

de encanto

e além.

 

Exorto em chamas

a escapar como pluma.

 

O calor

das nuvens

sangra

vaga-lumes.

 

 

 

 

 

 

FADO ALÉM-MUNDO

 

 

Dentro da fealdade do real – as moiras

tecem vida

até sangrar.

 

Em tálamo

com aventuradas amantes

o mar e Poseidon se encantam

pelos olhos azuis dos errantes.

 

Épico

eu gozo no perigo

igual aos heróis de antigamente.

 

 

 

 

 

 

CANÇÃO DAS COISAS PERDIDAS

 

 

Minhas flores

têm ácido

atemporal.

 

Dias primaveris: obra

prateada.

 

Os parques falam

de morcegos

que mancharam

de fezes

o tesouro corruptível

dos maratonistas.

 

 

 

 

 

RETRATO DE LUZ

 

 

É próprio do lúcido

vestir-se de estrela.

 

Alquimia nas vinhas

de Van Gogh

 

sangrando

orelhas na colheita.

 

O raio mais sóbrio

dos girassóis.

 

 

 

 

 

 

ANJOS BEATNIKS

 

 

Na solidão das flores do universo

me beatifico.

 

Doce-ácida primavera beat.

 

A estranheza do mundo

me namora em beijos

molhados

de eternidade.

 

Pode até soar como

insanidade

mas trepo

nas tripas

do vácuo.

 

E bailo nas lâminas

do ilógico.

 

Vou mencionar

um vagabundo

iluminado

dono de uma alma

cheia de jazz.

 

Místico errante

em busca do penúltimo

copo de loucura.

A rodar na route 66.

 

Eu também

numa liberdade maltrapilha

coroava a madrugada

num gozo cósmico.

 

Ainda

quero tudo

outra vez

(mesmo que tarde)

numa taça

de delírio.

 

 

 

 

 

 

A INÉRCIA DA VIDA

 

 

As coisas e minhas mãos têm

uma relação

de multidão.

 

Seduzo-me e perco. 

 

Mas ser inútil é vasto.

 

As coisas inúteis têm

longevidade.

 

 

 

 

 

 

LONGE DE CASA

 

 

Uma estrela

no fundo

da terra.

 

Desce a nuvem

em margem

de ferrugem.

 

Topázios límpidos

diluídos em petróleo

de porcos.

 

Vinho seco.

 

Um místico

se veste

de rito.

 

Como as flores se perdem

das suas estações?

 

 

 

 

 

 

NOVAS VEREDAS

 

 

Versos em notas de tropicália

tecidos em tramas

marginais.

 

Que este poema bata

asas escoltado pelos

rasgos de Rimbaud.

 

Estranha temporada de pássaros

modernos

entreaberta pela pólvora

de um revólver.

 

 

 

 

 

 

A ARTE E O CHÃO

 

 

A poesia coroa

os mortais

com os louros

das palavras.

 

Uma borboleta

semeada pelo ócio

sabe a arte

de falsear o nada.

 

Meu poema solta

um pássaro sem plumas

para despovoar

probabilidades.

 

Inventar

novo chão

é a arte

do poeta.

 

 

 

 

 

 

ABRINDO O POEMA

 

 

Um poeta

surra o real.

 

Saca

seu verso

da cauda de

uma jiboia.

 

Longe

das paranoias

arranca a poesia

maldita

do silêncio

da cigarra.

 

 

 

 

 

 

MANOELISMO

 

 

                   para Manoel de Barros

 

 

Um poeta rupestre

possuía abundância

da falta.

 

Na sua incompletude

criava infantilidade

de ouro.

 

Nos dejetos

das estrelas

aludia o deserto.

 

Amanhecia

pássaros

deixando às lesmas

o silêncio

da inutilidade

de ser árvore.

 

Estudava formigas

para catalogar

os esmos da pedra.

 

 
 
 
 
 

POEMA BEATIFICADO

 

 

A poesia

nasce na infância

do mistério

 

educada

pelos olhos

dos mágicos

 

sua mátria

é a língua

do silêncio.

 

 

 

 

 

 

POEMA DO ABSURDO

 

 

O que importa

a febre do aço?

 

Minha alma

tem o sulfato

das palavras.

 

Sou filósofo

do absurdo

contra o óbvio.

 

Se os versos

não tocam

no poema

eu me diverso.

 

 

 

 

 

 

CONFORMISMO E RESISTÊNCIA

 

 

A ilógica dominante estilhaça

petróleo em esmaltes e cicuta.

 

O cérebro que pensa Opus Faber

é narcotizado pelo Homo Dei.

 

Ilhas de possibilidades em turíbulos.

Orgias que abrem recifes contaminados.

 

O Agnus Dei que denuncia o DNA

dos lobos salva uma digital humana.

 

 

 

 

 

 

ARDUMES

 

 

Amamos o oceano, o perigo, o desconhecido.

Amamos o corpo, a ascese, as mulheres.

Amamos o vinho, o piano, o frescor

do sagrado.

 

Porque o amor não tem critério

de bem e mal.

 

 

[imagens ©lucian olteanu]

 

 
 

 

Tito Leite (Cícero Leilton). Nasceu em Aurora, Ceará, 1980. É monge beneditino em Olinda/PE. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2010), atuou como professor da disciplina.