A leitura de um livro sobre o escritor Graciliano Ramos, Conversas (editora Record), me fez pensar em algo um tanto impopular. O livro traz muitas entrevistas com Graciliano Ramos e é volumoso, mas é uma realização devorada pela redundância. Graciliano não gostava de dar entrevistas, dizia quase sempre a mesma coisa, e as entrevistas, ainda que os entrevistadores demonstrem esforços especiais para fazê-lo falar, acabam sendo repetitivas de cansar.
Pensei em quão imensa é a incompreensão em torno de celebridades literárias que não fazem o pacto da mídia, quer dizer: não falam de si abundantemente, fazendo da pessoa do escritor algo mais importante que a obra. Os silenciosos e os lacônicos parecem bizarros, desajustados, numa época em que todo mundo quer e precisa aparecer. E eles não podem contar com a compreensão dos leitores nesse aspecto — os silêncios célebres da Literatura, de Salinger nos EUA ou de Dalton Trevisan no Brasil, para lembrar apenas dois, parecem mistérios promovidos por sujeitos arrogantes que talvez deles se beneficiem em termos publicitários.
Não se imagina de modo algum que algum escritor que tenha lutado pela fama, ao obtê-la, quererá desdenhá-la ou não aproveitar aquilo que o vulgo julga ser um trunfo maravilhoso: ser reconhecido e respeitado em toda parte. A ideia de que alguém assim possa preferir um anonimato convicto é totalmente incompreendida, visto que a Fama é, desde sempre, de um apelo infalível para as pessoas comuns, prometendo-as revesti-las de um carisma que tornará sua vida preciosa e sua presença desejável e irresistível em toda parte. A Fama, em essência, é o mais profundo anseio ontológico: o de não morrer, o de nunca deixar de ser notado pelo mundo, por cada olhar, cada consideração alheia. É uma ilusão grosseira, mas é assim que se imagina a coisa — algo que nos libertará dos laços com a vulgaridade e a invisibilidade e nos tornará magicamente superiores ao resto.
Na atualidade, num país de cultura superficial e bajuladora como o Brasil, isso é doentio: o escritor é sempre convidado a aparecer enquanto sua obra permanece no mais das vezes não lida. As pessoas apreciam mais as capas dos livros que seu conteúdo, apreciam mais escritores campeões de palestras, de talk-shows na tevê, que escritores que vivem para escrever, não para aparições circenses. A chamada "cultura do espetáculo" devora tudo. Na Feira do Livro de Poços, que anualmente atrai escritores de todo país, a coisa é notável — só os famosos (pela televisão, em geral) provocam filas quilométricas — para os menos conhecidos, embora possam estes ter muito mais a dizer e muito mais Literatura a oferecer, nada ou quase nada resta em termos de público ou vendas de livros.
Graciliano, hoje em dia, seria mil vezes mais silencioso e esquivo do que já era. Conhecia perfeitamente o peso e o valor das palavras e usava as poucas que achava realmente necessárias. Mas hoje em dia ninguém acha que o laconismo e o silêncio sejam eloquentes. É preciso que o escritor fale, fale, dê opinião sobre tudo, seja uma espécie de oráculo que dispense os preguiçosos mentais e os adoradores de celebridades fugazes de pensar em qualquer coisa com independência.
Passando para a história do Cinema, lembremos Persona, de Ingmar Bergman, em que Liv Ullmann, no papel de uma atriz que interpreta "Eletra", subitamente decide não mais falar no palco, interrompendo sua carreira e sendo por isso recolhida a uma clínica psiquiátrica onde, aos poucos, voltará à vida através de uma enfermeira sensível ao seu caso. É impressionante o que a enfermeira lhe diz a uma certa altura: que sabe o que ela sente, que falar realmente não significa nada, que o silêncio é que pode conter tudo. No caso de Hollywood, admirável que Greta Garbo tenha dito "I want to be alone" e nunca mais tenha dado entrevista alguma. Ela pôs todo o empenho de sua vida em se esquivar, em abominar repórteres e curiosos em geral. Manteve-se firme nisso. Acabou sendo a reclusa mais famosa do mundo, mas, lendo suas biografias, vê-se que ela era íntegra, que não havia cálculo publicitário nenhum em sua atitude.
É algo que merece reflexão, isso de algumas pessoas famosas fazerem um pacto resoluto com o silêncio. O mundo atual é uma profusão absurda de blá-blá-blás e conversas estéreis e são cada vez mais diversificadas as maravilhas tecnológicas com que as pessoas podem se comunicar, embora dia após dia elas sintam ter menos a dizer, menos a sentir, num embotamento crescente. Não é mesmo um lugar para Gracilianos, atrizes trágicas ou Garbos. É um mundo que sofre de tagarelice, em que até para morrer as pessoas querem ser públicas, exibirem-se. Um mundo em que cultivar uma alma no sentido mais profundo já não significa mais nada.