ENGRENAGEM
poesia
não se entorna
se transforma
não se copia
cria-se
tem dedos
nos pés
pra caminhar
na linha
sem desequilibrar
poesia é máquina
e pulsação
FARELO
poema
tem que ser
sequinho
MAGRO
se possível
nordestino:
desnutrido
e valente
deve ser
raquítico
definido:
coureosso
XILOGRAVURA
artesão
ata a palha
menino atrapalha
construção dos balaios
espantalho
espanta
com alho
vampiros do milharal
crianças atentas
aprendem com pai-véio
folclore das matas
mugido
que vem
do rancho
oculta cantar rouco do galo
cata-vento
corta vento
mirradas fatias
ESQUIZOFRENIFORME
amigos
nunca existiram
obra na privada
onde mais?
delírio, doença
alucinações
nenhum Jabuti
ou Nobel
pagará
essa dívida
com todos.
epilepsia
eletrochoque
são prendas poucas
pro poeta sem-deus.
INDIGESTUAL
MEDO: temidas são verdades que perturbam.
ESCURIDÃO: luz se revolta pra dentro.
VIGÍLIA: sono é velado por anjo devasso.
NÔMADE: em cada povoado, semente de sua perversão.
VATICANO: batinas estendidas na torre da luxúria.
PACTO: agora em 12x no cartão.
ESPELHO: face viciosa que outros contemplam.
ALTAR: grande trabalho está posto.
OLÁ
MEU NOME
É POVO
sempre
disposto
começar
de novo
sangue
que nunca
escorre
sou meu
próprio porre
alma
que não
declina
sou minha
própria vagina
ASSALARIADA
rodando
bolsa
na estrada
DES-PRO-TE-GI-DA
sentada
no torno
da vida
preenchida
por tipos
e protótipos
por nórdicos
por nordestinos
por cretenses
e por cretinos
MORRER PARA CRER
alguém morreu
agora
parte mulher
parte José
morte covarde
militarizada
morte banalidade
desdentada
alguém morreu
agora
parte Mandela
parte vela
morte partidária
viralizada
morte diária
estancada
alguém morreu
agora
parte furor
parte flor
morte chacina
orquestrada
morte bailarina
discriminada
alguém morreu
agora
parte patrão
parte peão
morte comercial
tramitada
morte territorial
despautada
COM A JANELA ABERTA
a vida é mais bonita
no meio da pista
meus grandes planos
estão queimando
meus bons amigos
foragidos
a vida é mais completa
com janela aberta
meus voos insanos
estão pousando
meus bons ruídos
constrangidos
setembro, 2019
Bruno Candéas. Poeta e compositor pernambucano, autor dos livros: Poeta nu na alcova (2002), Filé 1,99 (com Malungo, 2003), A Trégua dos ditadores (2004), Férias do gueto (2004), Indigestual (2006), Teatrauma (2018), Poema desgovernado (com Sanjo Muchanga, 2018) e Cangaçocity (2019). Integrou dezenas de antologias no Brasil e no exterior; colaborou com centenas de fanzines, informativos e folhinhas em inúmeros países. Prêmio Destaque Nordeste (Gravatá/PE, 2019), poeta homenageado do 31° salão nacional de poesia "Psiu poético" (Montes Claros/MG, 2018); poeta homenageado da 67ª edição do "Sarau da Boa vista" (Recife/PE, 2019). Tem poemas traduzidos para o inglês, francês, espanhol e alemão. Parcerias musicais com Isaac Sete Cordas, Ricardo Silva, Rama On, Carlos JCarlos e Banda Maktub. Sua obra foi usada como referência para estudos acadêmicos pela professora Ana Paula Generoso, de Belo Horizonte, o que deu origem ao 1º Prêmio Literário Poeta Bruno Candéas, em 2018.
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