©myriam zilles 
 
 
 
 
 
 
 

Vai querer?

 

 

Vendia-se de tudo, naqueles tempos de pouca esperança. Alvoradas, para quem não conseguia vê-las. Crepúsculos para os que se deitavam cedinho. Festas, para aqueles que não deixavam seus olhos na janela, perdidamente enamorados pela lua cheia. E chuva. Muita chuva também era oferecida para pessoas sensíveis e caladas. Que só conseguiam chorar por dentro.

Contaram-me que havia até quem vendesse alegria.

— Como assim? — Alguém perguntou, interessado.

Então, a falta de alegria era trocada por uma fatia plena e sorridente da mais fresca melancia.

— Futuro, futuro, eu quero um! — esgoelou-se aflita uma criança.

Até que uma mocinha lhe entregou docemente um pedaço de algodão umedecido, com um grão de feijão já germinando dentro dele.

 

 

 

 

 

 

Sumiço

 

 

Juliana começou a emagrecer sem causa aparente. Foi emagrecendo assim, bem de fininho, um jeito sonso, dissimulado. De quem finge para si próprio que não está perdendo peso.

Os mais próximos lhe perguntavam:

— Está de dieta, Juliana, por quê? Você não tem o que perder aí nesse corpo tão lindo.

A menina sorria, mas não explicava. Seu silêncio funcionava como uma arma desfechada contra ouvidos alheios, aflitos e interessados por suas histórias, causas, alguma doença disfarçada, talvez.

Ela nada dizia. No último ano, perdera, quieta e sozinha, meio quilo de alegria, 800 g de ideais, um quilo e meio de ternura. Sem contar os dois litros de lágrimas não derramadas e secas pelo esquecimento do choro, em algum canto do seu assustado coração.

No mais, Juliana emagrecia por ter ingerido, ao longo daquele ano, e sem que ninguém soubesse, quase três quilos tristeza.

Segundo os compêndios da medicina, essa melancolia cinzenta e torta que ela carregava no corpo, feito mochila antiga, jamais engordou alguém. Só servia para murchar sonhos e deixar olhos minguantes. Uma noite, Juliana apagou as luzes mais cedo buscando relaxar e adormecer.

Só que ela se esforçou tanto para dormir que acabou perdendo seis quilos e lá vai fumaça de puro sono.

Foi assim que Juliana desapareceu para sempre.

 

 

 

 

 

 

Branco sobre branco

 

 

Gostava de usar o talco da mãe pousado no vistoso toucador.

Gostava de assistir ao Lago dos Cisnes, um de seus balés preferidos, sempre que possível.

Gostava de admirar cisnes brancos, lhe transmitiam paz, no grande lago da montanhosa cidade de Petrópolis.

Gostava da neve. Porque era fria e branca. Gostava de atuar como mímico, era competente, a cara toda pintada. De branco.

Gostava de cheirar cocaína, pura e branquinha, sempre que seu bolso permitia.

Gostava de escrever poemas a giz. No quadro negro.

Gostava de bater claras em neve. Espuma linda.

Gostava de mulheres nórdicas. Branquíssimas. De roubar hóstias branquinhas da paróquia vizinha à sua casa.

Gostava também de sequestrar noivas. Todas aparentemente cândidas. Todas de branco. Todas aparentemente felizes, um pouco antes de chegarem à igreja. Pedro White as enforcava com um rosário. De madrepérolas brancas. Que pertencera à bisavó.

Ah, interessa acrescentar: Pedro White não gostava apenas de fazer isso. Ele adorava.

 

 

setembro, 2019

 

 

Graça Taguti. Poeta, contista, cronista. Jornalista, publicitária, professora universitária e de MBAs. Mora no Rio de Janeiro.

 

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