~
Pior, se Deus apressasse um beijo,
viesse aqui como lembrança.
Pior, se viesse, do fundo, uma outra verdade
submersa. Porém, todos, como nós, abafam
os casos. Se eles fossem diferentes
e, no lugar de arriscar, preferissem o pior,
mó de uma nova estrebaria, veio para rugas, greves,
congelamentos, autoramas.
Ainda, se reinventassem um dia de sol.
Deveriam supor, não a mim, nem ao poema,
mas ao desejo tácito e fiel.
Ao menos um castigo; de pano
de fundo, uma guerra de Tróia, meninas
choram, sete e oito anos. Ainda, por ciúme,
seria pouco, muito pouco querido para nos atrapalhar,
ferir-nos a memória, a calmaria da face...
Não poderia ser assim. Não deveria ser por menos,
senhoras tricotam mentiras de abonada
gente. Quem é joio, quem
é Judas, por que te beijou, preciso saber.
Naquele lugar distante
e faminto, naquela marionete
de pensamentos vãos, ainda persiste. Eis que primeiro
falece, nada não há, aquilo de que
tanto falei, por quem tanto pedi, finalmente — não chego.
~
Se, das desavenças,
restasse uma flor,
peremptório gancho
dessa face cruzando
alheia a sonhos
e diretrizes; se, do peso
e da palavra bom-dia,
rogasse um pranto,
duro (...), daninho
queria dizer; decifrar
a tétrica cor de homem
manchando a camisa
colhendo as divisas
de uma dignidade
que não conheceste
que nem recebeste
e até soprara forte
no peito; sim, dessa flor
que desaba quarteirões
inteiros de rugas, natais
opressos sem mão
afago de mão pelo
filho vindouro: mal
reveste a lacuna do medo
num muro
ardente de cal.
~
Boca de vinho,
dois andares
em pleno fosso:
sim — escrever
tem suas cinzas.
Boca de veneno,
nessa meia onde
se coa café, andar
de malas prontas,
coração agasalhado.
Sobra-nos a virtude
dos que fogem do empate
e aplacam, da memória,
tais bênçãos, sem oração.
~
É noite. Tudo parece escondido.
Silêncio entre os carros que rodam
a madrugada. Tudo se passa
na cabeça: manhã, os trens lentos
e lotados, o olhar da mulher que amo
a solidão dos livros. Tudo assim
sob a mira do fuzil. De repente
o relógio toca: é preciso acordar
antes, porém, precisa-se dormir.
Sigo o poema para vê-lo onde termina.
Tudo está nu, debruçado na janela
feito um latido. O frio anuncia
o fastio do próximo verão. Não
por esta noite, num abraço acolhedor.
Não agora. Tudo range nessa hora:
os pelos crescem, ela vira para o lado
e dorme, ouço, entre os batimentos,
a voz do coração. Ouço calado
sem par. Haverá outro momento
para escutá-la senão o de dormir?
~
Foi do outro lado do Rio que nasci.
O semblante de minha mãe
rejuvenesce com as lembranças.
Toda palavra é uma palavra magra
é o atroz desejo que outro te invada
sem rogo, a te roçar com a nuca.
Uma posta de carinho, pois
a joia do corpo sempre arderá
às vezes me pego cantando.
Aceita teu pai, o destino da vida
cada um é que faz, o cantarolar
do matuto convence qualquer um.
Basta que a vida repouse nos braços
um gato te incendeie na cama.
Não sei o que vai dar. A vida que ganha
~
POEMA PARA QUANDO SE FAZ DEZOITO ANOS
A culpa é minha, assumo.
Hoje respondo por qualquer ato.
A morte é o sorriso agreste,
a cor do que resta. A culpa
é cada passo que enferruja o aço.
Levo em mim os talhos que os anos
encravam no peito. Sangro
pelo chão os ditos populares.
Iansã, aqui estão os teus colares.
Para todo erro, há sempre
um jeito. É o amor sem
esperança, o verso mais brega,
porém ele é meu. Eu culpo
todas as crianças, todo ritmo,
toda espera, o que foi seu.
Deixe que eu vá para a prisão,
que eu decida meu coração
a quem quer que seja.
Minha senhora, senhora santa.
Decido eu se tem ou não se tem janta.
[1993]
~
Por não haver pecado é como se nascesse.
O temido arcano da morte não decifra seus mortos.
Como quem espera uma bala no crânio
não há motivo para honra ou orgulho.
Dorme quieto um cão vagabundo.
A lua ilumina o coração do planeta.
Ainda que se acenda a dinamite da paixão
e as cartas do mago caiam da manga
era como se eu tivesse medo
sem saber qual o medo do mundo.
O enfado nessas horas é sorrir.
Ponha o vinho que eu bebo até a cicuta.
É a hora canina do abandono.
Não fique sonhando que descansará feliz.
DUAS COISAS
É muito importante que você saiba
que precisa começar a quimio o mais rápido possível
e que para uma pizza pré-cozida
são dez minutos
no forno.
~
No manequim detrás da vitrine
ou em algum lugar
como propaganda
de cabeleireiro.
Está também
na mãe buscando atendimento;
mesmo na tv
quando se assiste
o congresso:
são dias sem dormir
e que saudade dos pesadelos.
MIGALHA
Fiz como você pediu
cortei o poeta
em versos
e os espalhei
em um prédio abandonado
numa caixa d'água vazia
pra ninguém saber.
NIKITA
Dizia
com o picolé na mão
adoro
tragédias
tarados
& promessas
quando vou
às festas
de meu pai
nos
leilões
imagino
mst
invadindo
deto
nando
a festinha
dos
barões
bois premiados
agora
servem
de churrasco
no prato
das crianças.
"Não me
queira mal
é que eu só desejo
o pior"
dizia
enquan
to chupava
picolé saindo
da boate
ainda de manhã.
~
3s
trelas
1 mapa
aqui
começa
a meta
fís
ica
como
na pergunta
se 'e'
ou 'em'
era o
que devia
3strelas
1 mapa
mos ai co de
cores
a teoria
das cores
de Goe
the
não
explica
se
3str
elas
com
bin
am
el
as
com
bin
am?
difícil
di
zer
só
sei
que
com
bi
na
das
já
com
bi
n
am
com o
ma
pa
março, 2020
André Luiz Pinto da Rocha nasceu em 1975, Vila Isabel, Rio. Doutor em Filosofia pela UERJ, leciona na FAETEC e SEEDUC. Casado com Cristina Melo, pai de Tales Melo da Rocha. É autor de: Flor à margem (1999), Um brinco de cetim / Un pediente de satén (Maneco, 2003), Primeiro de Abril (Hedra, 2004), ISTO (Espectro Editorial, 2005), Ao léu (Bem-te-vi, 2007), Terno Novo (7Letras, 2012), Mas valia (Megamíni, 2016), Nós os Dinossauros (Patuá, 2016), Migalha (7Letras, 2019) e, em parceria com Armando Freitas Filho, Na rua (Galileu Edições, 2019). Seus poemas foram tratados nos documentários André Luiz Pinto: Prazer, esse sou eue Autobiografias poético-políticas, em 2019, ambos de Alberto Pucheu.
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