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não há como regurgitar
tudo aquilo que se grita
febre alta, lua ébano
eu aqui comendo brita
não há como recauchutar
todo aquilo que se inaudita
página clara
sobram apenas olhos
a sensação pálida
de nenhuma conquista
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nada excelso
o céu que o poeta escreve
nada incesto
o que para o poeta é texto
nada récita
para o poeta
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Granizos na cara
Corra pivete, descalço
Morro desce abaixo
[inspirado em haicai de Silvana Guimarães]
Algum soneto de amor
Não pensar nesse amor como estratégia de fuga ou envergadura
Uma rusga que se coloca na balança de supermercado barato
Vale vintém, decadência, para o vento se esbaforir na montanha
Uma nesga de contemplamento frente ao abismo, com seus buracos
Em vão, pois não há, no simulacro, quando se procria, um elo mágico
Tudo é o que se leva, onde se estreita, a sucumbir cada lado
Em que aparecem as mesmíssimas falas, revoam apenas zumbidos
O troco recebido não é, para céu ou inferno, seu pior castigo
Todos os morros foram alamedas; em transe a se desfazer em poeira
Acima do que pensamos, existe um barro que se arvora argila
E que almeja ser a planície, olhares onde ainda resiste vista
Mas é apenas uma cavidade, oca em si, em que se faz silente
Nada soma ao que já estava na conta do desprezo, obra tênue
Ou se insinua acima das correntezas, no horizonte perene
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crianças
de 0 a 90
brincam a
felicidade
pedida
Setembro reescrito
em setembro reescrito
te esperei como
um aluvião corrompido
inocente e assíduo
a mim
em folhas
que voam
à putrefação
em setembro
não vinhas
mesmo não confabulados
em outros contextos
espetáculos
de folhas
ventanias
e um ar de fole
que se expira
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A navegar-te
Mares, bússola, astrolábio
E minha luneta
[14/12/2020]
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pra conquistar esse amor
nem trabalho de tarô
nem Ogum nem Xangô
ou poema de Rimbaud
nem haicai de Bashô
nem múltiplos orgasmos
ou romantismo de Carlos
pra conquistar esse amor
nem leitura de Lucáks
nem barra de chocolate
ou frase de Engels ou Marx
nem ideograma de Pignatari
nem ideia de Voltaire
ou aforismo de Baudelaire
pra conquistar esse amor
nem música de Beethoven
nem humor de Grande Otelo
ou uma noite em hotel
nem soco de Eder Jofre
nem romance de Joyce
ou pintura de van Gogh
pra conquistar esse amor
nem rosas vermelhas
nem uma caixa de ameixas
ou buquê de amor-perfeito
pra conquistar esse amor
nem um beijo
Perpendiculares
Menudo canta no rádio
o que se pensa dispensável
minutos deixam no ar
um cheiro antialérgico de amor
Deus, que o sexo seja sempre assim:
calafrios e ereções perpendiculares
ou você dorme — ou finge
ou goze — ou me alise
ou me olhe — ou me sopre nos ouvidos
— ou dê um soco nas têmporas do tempo
e fique aqui entre minhas anáguas de homem:
bem sonâmbula.
[1980]
Minas
300
anos
ouro
leite
café
ferro
ânus
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o que será de mim
da poesia?
Trindade de dois perdidos
o Espírito Santo
que ilumina
saiu
foi comprar vitaminas
[1980]
Os pulhas
o que um pulha mede
somenos mentecapto
o que um pulha impeste
somenos rato
o que um pulha argumenta
somenos agourento
o que um pulha reza
somenos inferno
o que um pulha elege
somenos cerebelo
Métrica
saibas que sofrer com a métrica
é mais do que sofrer com o sexo
em que se entra e tira a palavra
e ainda falta
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Me coma com a cal dos teus olhos
Me coma com a tua carne, o seu avesso
Me coma com o teu silêncio umedecido de desejo
Me coma como se eu fora o teu Sade, eterno vassalo
Me coma como a tua sátira, lasciva arte
Me coma como o cosmo come a Terra e não engole
Me coma como o povo come ópio
Me coma como o povo não come brioche
no meio do caminho tinha uma bala dirigida à criança de fatigadas retinas
dezembro, 2020
Carlos Barroso. Poeta, artista, jornalista. Do grupo fundador das revistas Cem Flores e AquiÓ. Coeditor da e-plaquete 2022 (2020). Publicou Poetrecos (Poesia Orbital/1997) e os livros-objeto: Carimbalas (2008); Sãos; Usura; Livraria (os três em 2010); Futebol de Barro – 7 poemas de futebol&lirismo e 1 cancão iconoclasta (plaquete/2015); CunilínguaPátria – 69 poemas (2017). E a miniantologia (e-book) 41 poemas contra (2020). Todos pela Edições Cemflores. Artista plástico/contemporâneo, participou das mostras: Coletiv4 (UFSJ/2015); Ocupação Poética (UFSJ/2017); Além da Palavra (Biblioteca Pública/BH/2018); minimasminas (Café Kahlua/BH/2018); Além da Palavra2 (Casa dos Contos/Ouro Preto/2018) e Faculdade de Letras (UFMG/2019). Repórter político e cronista em vários jornais mineiros, comentarista político da Rede Bandeirantes em Minas; criador e apresentador do programa Cena Política (BHNews). Prêmio Esso de Reportagem (2001). Prêmio Nacional Líbero Badaró (no mesmo ano). Curador da Mostra de Arte de Jornalistas Mineiros (três edições) e da Feira de Livros de Jornalistas de Minas.
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