©peter h

 
 
 
 
 
 
 

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não há como regurgitar

tudo aquilo que se grita

febre alta, lua ébano

eu aqui comendo brita


não há como recauchutar

todo aquilo que se inaudita


página clara

sobram apenas olhos

a sensação pálida

de nenhuma conquista







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nada excelso

o céu que o poeta escreve

nada incesto

o que para o poeta é texto

nada récita

para o poeta







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Granizos na cara

Corra pivete, descalço

Morro desce abaixo



[inspirado em haicai de Silvana Guimarães]







Algum soneto de amor

 

 

Não pensar nesse amor como estratégia de fuga ou envergadura

Uma rusga que se coloca na balança de supermercado barato

Vale vintém, decadência, para o vento se esbaforir na montanha

Uma nesga de contemplamento frente ao abismo, com seus buracos

 

Em vão, pois não há, no simulacro, quando se procria, um elo mágico

Tudo é o que se leva, onde se estreita, a sucumbir cada lado

Em que aparecem as mesmíssimas falas, revoam apenas zumbidos

O troco recebido não é, para céu ou inferno, seu pior castigo

 

Todos os morros foram alamedas; em transe a se desfazer em poeira

Acima do que pensamos, existe um barro que se arvora argila

E que almeja ser a planície, olhares onde ainda resiste vista

 

Mas é apenas uma cavidade, oca em si, em que se faz silente

Nada soma ao que já estava na conta do desprezo, obra tênue

Ou se insinua acima das correntezas, no horizonte perene







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crianças

de 0 a 90

brincam a

felicidade

pedida







Setembro reescrito

 

 

em setembro reescrito

te esperei como

um aluvião corrompido

inocente e assíduo

a mim

em folhas

que voam

à putrefação

 

em setembro

não vinhas

mesmo não confabulados

em outros contextos

espetáculos

de folhas

ventanias

e um ar de fole

que se expira

 

 

 

 

 

 

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A navegar-te

Mares, bússola, astrolábio

E minha luneta



[14/12/2020]







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pra conquistar esse amor

 

nem trabalho de tarô

nem Ogum nem Xangô

ou poema de Rimbaud

 

nem haicai de Bashô

nem múltiplos orgasmos

ou romantismo de Carlos

 

pra conquistar esse amor

 

nem leitura de Lucáks

nem barra de chocolate

ou frase de Engels ou Marx

 

nem ideograma de Pignatari

nem ideia de Voltaire

ou aforismo de Baudelaire

 

pra conquistar esse amor

 

nem música de Beethoven

nem humor de Grande Otelo

ou uma noite em hotel

 

nem soco de Eder Jofre

nem romance de Joyce

ou pintura de van Gogh

 

pra conquistar esse amor

 

nem rosas vermelhas

nem uma caixa de ameixas

ou buquê de amor-perfeito

 

pra conquistar esse amor

 

nem um beijo

 

 

 

 

 

 

Perpendiculares

 

 

Menudo canta no rádio

o que se pensa dispensável

minutos deixam no ar

um cheiro antialérgico de amor

 

Deus, que o sexo seja sempre assim:

calafrios e ereções perpendiculares

 

ou você dorme — ou finge

ou goze — ou me alise

ou me olhe — ou me sopre nos ouvidos

— ou dê um soco nas têmporas do tempo

e fique aqui entre minhas anáguas de homem:

bem sonâmbula.

 

 

[1980]

 

 

 

 

 

 

Minas

 

 

300

anos

 

 

ouro

leite

café

ferro

 

ânus

 

 

 

 

 

 

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o que será de mim

 

da poesia?

 

 

Trindade de dois perdidos

 

 

o Espírito Santo 

 

que ilumina

 

saiu

 

foi comprar vitaminas

 

 

[1980]

 

 

 

 

 

 

Os pulhas

 

 

o que um pulha mede

somenos mentecapto

o que um pulha impeste

somenos rato

o que um pulha argumenta

somenos agourento

o que um pulha reza

somenos inferno

o que um pulha elege

somenos cerebelo

 

 

 

 

 

 

Métrica

 

 

saibas que sofrer com a métrica

é mais do que sofrer com o sexo

em que se entra e tira             a palavra

e ainda falta

 

 





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Me coma com a cal dos teus olhos

Me coma com a tua carne, o seu avesso

Me coma com o teu silêncio umedecido de desejo

Me coma como se eu fora o teu Sade, eterno vassalo

Me coma como a tua sátira, lasciva arte

Me coma como o cosmo come a Terra e não engole

Me coma como o povo come ópio

Me coma como o povo não come brioche







no meio do caminho tinha uma bala dirigida à criança de fatigadas retinas

 

dezembro, 2020


Carlos Barroso. Poeta, artista, jornalista. Do grupo fundador das revistas Cem Flores e AquiÓ. Coeditor da e-plaquete 2022 (2020). Publicou Poetrecos (Poesia Orbital/1997) e os livros-objeto: Carimbalas (2008); Sãos; Usura; Livraria (os três em 2010); Futebol de Barro7 poemas de futebol&lirismo e 1 cancão iconoclasta (plaquete/2015); CunilínguaPátria69 poemas (2017). E a miniantologia (e-book) 41 poemas contra (2020). Todos pela Edições Cemflores.  Artista plástico/contemporâneo, participou das mostras: Coletiv4 (UFSJ/2015); Ocupação Poética (UFSJ/2017); Além da Palavra (Biblioteca Pública/BH/2018); minimasminas (Café Kahlua/BH/2018); Além da Palavra2 (Casa dos Contos/Ouro Preto/2018) e Faculdade de Letras (UFMG/2019). Repórter político e cronista em vários jornais mineiros, comentarista político da Rede Bandeirantes em Minas; criador e apresentador do programa Cena Política (BHNews).  Prêmio Esso de Reportagem (2001). Prêmio Nacional Líbero Badaró (no mesmo ano). Curador da Mostra de Arte de Jornalistas Mineiros (três edições) e da Feira de Livros de Jornalistas de Minas.

 

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