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VERIFIQUE SE O MESMO

 

 

Antes de entrar no elevador

Verifique se o Mesmo encontra-se

Parado no andar. Em seguida salte.

 

 

 

 

 

 

MARVEL

 

 

Quando criança, também teve

Uniforme do Capitão América

Com ele combateu o mundo

Com seus mamilos marcados

Sinalizando a estrela na blusa

Azul.

Depois que as rugas cresceram

(Elas crescem em câmera lenta)

Vendeu a máscara no carnaval

E do escudo fez bandeja de garçom.

Só guardou as botas de lembrança,

Embora não tenha mais lugares

Para ir com elas. Foi barrado

Pelo risco de giz da vida adulta

Que, no chão, também aprisiona

Os galos.

 

 

 

 

 

 

DOMINGO CIVILIZATÓRIO

 

 

Filho:

Vamos ao zoológico para os animais

Nos verem em nossas jaulas.

Que ficamos eretos apenas

Para afastar da boca o cu.

 

 

 

 

 

 

A CLASSE OPERÁRIA FOI AO PARAÍSO

 

 

Quando Jennifer Jones

Em A Dama de Paus

Perguntou ao encanador

Se podia desentupir sua pia,

Ou quando Tracey Adams

Em Pornorama

Disse ao entregador de pizzas

Que estava sem dinheiro.

Até mesmo quando Traci Lords

Em Casamento à Sueca

Questionou o limpador de piscina

Se sua vara alcançava até o fundo.

Depois disso, nunca mais. E nunca mais

É muito tempo.

 

 

 

 

 

 

O TRABALHO LIBERTA

 

 

Volta a dormir, são apenas manicures

Colhendo digitais na hora extra. Também

Operam guilhotinas nos regimes de exceção

E tendo tempo ainda circuncidam.

 

 

 

 

 

 

MICHEL TEMER MONA LISA

 

 

Levaremos tábuas para consertar a ponte

Mas bateremos os pregos pela ponta errada.

Abaixo de nós o rio correrá, arrastando

Afogados na direção do futuro.

Nunca crucificamos ninguém, mas

Os que chegam à porta aos domingos

Insistem que sim. Que o salário do pecado

É o mínimo, e que o Paraíso é um comercial

Com mongoloides.

 

 

 

 

 

 

HORÓSCOPO

 

 

Ou um anjo da guarda com penas de galinha

E porte de armas vencido.

 

 

 

 

 

 

MANIFESTO COMUNISTA

 

 

Trabalhadores de todo o mundo —

Mudai-vos para a Suíça.

Lá as máquinas quebram pedras

Por nós, que recebemos por tanto

O justo salário, enquanto aprendemos

A indiferença nas ruas limpas de garrafas

PET molotovs.

E sempre que ocorre um acidente de trânsito,

Sobre os carros amassados paira um arco-íris

De Paint Brush.

 

 

 

 

 

 

 

GOMA DE MASCAR

 

 

A reunião dos eruditos começa

Com as pílulas azuis e termina

No gel lubrificante a base d'água.

O escritório onde se reúnem guarda

O teto baixo porque o rei que preside

O falatório foi decapitado. Houve uma

Revolução que ninguém viu, daí não

Constar nas atas que, dia a dia, geram

Mofo.

 

 

 

 

 

 

LARVATUS PRODEO

 

 

Em 1910, a grande enchente de Paris

Some com o crânio de Descartes

Do Museu de História Natural

E o embaralha com as demais

Peças do ossuário. Com o recuo

Das águas, mil crânios cartesianos,

(Todos brilhantes)

Vêm à tona — posteriormente

Comparados à máscara de gesso

Que um artista desenhou, com base em um

Quadro onde o filósofo não sorria.

Desde então René caminha mascarado

Por Paris, abrindo contas em bares

Sem a mínima

Intenção de pagar.

 

 

 

 

 

 

EXPEDIENTE

 

 

De dia, Bucéfalo folheia os códices.

À noite, Rocinante os destrói.

O primeiro quer coroas de ouro,

O segundo prefere guarda-chuvas.

Entre eles, um cavaleiro,

Decide ir de patins.

 

 

 

 

 

 

CRIANÇAS TÊM O EGO DOS GRANDES DITADORES

 

 

Para não dar a impressão

De que adultos são cruéis, ela

Consentiu que o peixe ficasse em casa,

Com a condição de que a filha se

Responsabilizasse por alimentar e trocar

Sua água. Um mês depois e o peixe morre

Sufocado no aquário sujo, para que a criança

Pudesse

De novo

Duvidar do mundo

Dela

E da porra toda.

 

 

 

 

 

 

O CORAÇÃO É INVOLUNTÁRIO

 

 

O amor não terá de você

O músculo que prefere.

 

 

 

 

 

 

DOBRO OU NADA

 

 

Pollock pagava (regularmente)

Para que uma criança autista

Pintasse seus quadros. A criança

Chamava-se Mark Thompson,

Morava em Delaware e passava

Os dias em frente a

Uma tevê fora do ar.

 

 

[Poemas inéditos]

 

 

 

março, 2020

 

 

Tadeu Sarmento é recifense, safra de 1977. Tem três prêmios na bagagem e seis livros publicados, entre eles Associação Robert Walser para sósias anônimos (vencedor do II Prêmio Pernambuco de Literatura) Um Carro Capota na Lua (Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura) e O Cometa é um Sol que não Deu Certo (Prêmio Barco a Vapor).

 

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