A ponte no nevoeiro, romance de Chico Lopes, está sendo lançado pela editora Laranja Original (que também publicou seu livro de contos A passagem invisível, em 2019). É o décimo sétimo livro de sua carreira, marcada pela experiência em muitos gêneros, mas com predominância dos contos. Pela ordem, é seu terceiro romance, depois do premiado (com Jabuti) O estranho no corredor, em 2012, e de Corpos furtivos, em 2015, livros voltados para personagens problemáticos e atormentados em cidades pequenas. Tal como nos dois, o cenário é de uma cidade desse tipo, mas já na década de 1990, marcada pelo neoliberalismo. Nesta entrevista, ele conversa comigo sobre o romance [Silvana Guimarães]
Silvana Guimarães – Você antecipou esse romance na internet falando tratar-se de nostalgia dos anos 1960. Pode explicar isso melhor?
Chico Lopes – Sim, a nostalgia dos anos 1960 acaba tendo importância fundamental, pois ela está em franco contraste com aquilo que vivem os dois personagens principais da narrativa, os jovens Bruno e Siqueira. Ela é uma idealização, pois o pai de Bruno foi um hippie (que ele não sabe dizer se é argentino ou vem de outro país sul-americano) que passou pela sua cidade (Verdor) e engravidou sua mãe, nunca chegando a ser conhecido por ele. Ele, aliás, nasce no "ano dos mortos" (Jimi Hendrix e Janis Joplin) e do fim dos Beatles, 1970, e cultua a figura do pai como uma lenda, já que sua mãe guardou postais, poemas e discos do amado desaparecido. Ele procurará descobrir o paradeiro do pai sem pista nenhuma que não seja precária e isso definirá a sua vida.
SG – O que é essa ponte? Por que um nevoeiro?
CL – Gosto da imagem por sua força simbólica. Na história, é a fotografia de uma ponte enevoada que o pai mandou para a mãe de Bruno com uma menção misteriosa. A imagem se torna obsedante para ele.
SG – Várias vezes você se referiu a esse romance como a história de dois amigos escritores face a uma cidade ignorante e repressiva. Também escreveu que é a primeira vez em que a política dá as caras nas suas narrativas. Pode adiantar alguma coisa?
CL – Bruno e Siqueira escrevem nos jornais da pequena cidade, apenas para não serem lidos por ninguém, em pegadas diferentes, o primeiro no lirismo, o segundo no realismo social. Enquanto Bruno pertence a uma classe média um pouco mais favorecida, Siqueira é mestiço e provém da periferia, sofrendo com o racismo e a pobreza. Siqueira, porém, ouvirá o "canto de sereia" de um político que chegou à cidade e se estabeleceu querendo mudar o jogo dos coronéis tradicionais com um discurso novo, muito inspirado em ideias neoliberais, candidatando-se a prefeito; Siqueira trabalhará num jornal que esse candidato lança, o que lhe permitirá ter algum dinheiro regular. Mas o jogo da política paroquial, com cartas bem marcadas, não permitirá gente de ideias aparentemente novas.
["A ponte no nevoeiro": lançamento em breve]
SG – Não há saída para o atraso?
CL – Se há, ela é depressa engolida pelo obscurantismo. E o livro está falando de algo que só se tornou ainda mais palpável com a vitória do atual Governo, com um candidato capaz de agregar tudo que a sociedade brasileira sempre teve de pior. Mas a política, embora tenha importância na história, é só um pano de fundo para as desilusões pessoais de Bruno e Siqueira e de um terceiro personagem, Otávio, um homossexual rico que, apesar do dinheiro, é também um proscrito na cidade. O trio acaba definindo um clima de marginalização e a busca desesperada de amor pelos personagens, cujo eixo é a procura de Bruno pelo pai perdido.
SG – Trata-se de um romance longo?
CL – Um pouco longo, para meus padrões (336 páginas), pois eu venho dos contos e tenho uma tendência a preferir histórias mais sintéticas. Dividi o romance em duas grandes partes. Ele é panorâmico no sentido de exibir a cidade como um microcosmo, mas parte da subjetividade de Bruno e Siqueira e tem muitos personagens secundários cheios de vida, a meu ver (gostei de criá-los). O que espero agora é que meus leitores correspondam ao entusiasmo com que o escrevi.
novembro, 2020
Chico Lopes, nascido em Novo Horizonte/SP, desde 1992 radicado em Poços de Caldas/MG. Começou como pintor e jornalista e se dedicou a essas atividades até chegar à publicação de seu primeiro livro de contos, "Nó de sombras", aos 48 anos, em 2000, já residindo em Poços. Publicou quinze livros até aqui, incluindo poesia, biografia, ensaios, memórias, crônicas e contos. É também tradutor, tendo traduzido 37 livros de ficção em Inglês. Em 2012 seu primeiro romance, O estranho no corredor, venceu um prêmio Jabuti.
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Silvana Guimarães Escritora, nasceu em Beagá/MG, onde vive. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Participou de várias coletâneas e organizou algumas. Editora da Germina — Revista de Literatura & Arte [www.germinaliteratura.com.br] e do site Escritoras Suicidas [http://www.escritorassuicidas.com.br]. Publica O corpo inútil, seu primeiro livro de poesia, em 2021.
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