O barro é a mistura da água com a terra. É a mistura do líquido com o sólido. O barro é uma argila vermelha, utilizada na fabricação de telhas, tijolos, vasos, potes e… poesia plural. Barros é o sobrenome de um pássaro, um João-de-Barro, que voa poemas em uma fazenda de versos que rimam com a natureza, com os ciclos da vida, com a própria vida. Manoel de Barros é o poeta mato-grossense que escreveu uma fazenda de versos no belo livro O guardador de águas.
Quem leu o heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, pensará de cara na referência a seu livro de poemas O guardador de rebanhos. E o diálogo com Pessoa continua pelos versos livres, pelas metáforas sobre a natureza e sobre o campo, pela ausência de metafísica nas estrofes que espalham chuvas, raios, cobras, pássaros e cheiros na fazenda poética que é O guardador de águas.
Quem lê Manoel de Barros percebe que o poeta do Centro-Oeste do Brasil é o contrário do João Cabral de Melo Neto, é um quase Guimarães Rosa, é um bucólico árcade que arde em imagens barrocas. Se João Cabral é a pedra, O guardador de águas é o etéreo, é um mergulho de ponta-cabeça, só com cabeça e asa, um mergulho no além, no em volta, sem volta, pois Manoel de Barros é um poema sem densidade, sem gravidade. Ele escreve em uma oitava acima do supersônico.
Ler os poemas de Manoel de Barros é alterar o estado da consciência, é anestesiar o cérebro, é realçar os sentidos. Tudo fica mais leve, é quase enlouquecer. Não se passa incólume por versos como estes:
"Quando chove nos braços da formiga, o horizonte diminui".
"A quinze metros do arco-íris, o sol é cheiroso".
Ou ainda: "Escrever acende os vaga-lumes".
Ler O guardador de águas é voltar a ser Adão, retornar ao barro original, é viver no pântano da criação. É habitar o Pantanal que Manoel de Barros habitou e traduziu, em versos, a cama em que Adão e Eva se deitaram. O guardador de águas é um Jardim do Éden recheado de frutos proibidos. E cada poema é um convite para mordidas em doces maçãs vermelhas cercadas por serpentes. Leia este livro de estômago vazio para saciar sua fome de conhecimento. Sem medo de pecar por excesso de lirismo.
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O livro: Manoel de Barros. O guardador de águas.
Rio de Janeiro: Alfaguara, 2017, 112 págs., RS$ 30,32
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março, 2021