DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS POÉTICOS



Preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da essencialidade e inutilidade da poesia para todos os membros da família ou solteirice humana e dos seus direitos e esquerdos iguais e inalienáveis constitui fundamento das coisas desimportantes, esquecidas, conhecidas somente pela imaginação das

crianças e fruto dos delírios dos amantes;

A Assembleia Geral dos Poetas, não reunidos e perdidos no mundo das palavras e dos sonhos, proclama a presente DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS POÉTICOS.


ARTIGO 0º

Todos os seres humanos nascem sorrisos e se transformam em poemas, livres e iguais, a caminho de uma boa prosa.


ARTIGO 0,1º

Todos têm direito à vida boa, à liberdade livre (e libertina), ao ócio e à vagabundagem criativa e intensa.


ARTIGO 0,2º

Toda semana terá cinco sábados e todos os dias, duas manhãs. Todos têm o direito de assistir ao pôr do sol com encantamento e êxtase, ou simplesmente de bobeira e viajando na maionese.


ARTIGO 0,3º

Todas as pessoas terão direito de brincar com as palavras e sons, subtrair e alterar as normas da língua escrita, e usar expressões de sentido duplo ou sem qualquer sentido, sem receber críticas dos amigos e familiares

ou notas baixas nas provas escolares.


ARTIGO 0,4º

Os bares não fecharão na segunda-feira. A ninguém será negado um copo de cerveja gelada ou uma pinga de boa qualidade. Todo poeta terá direito a um bom vinho depois de ler seu poema em público.


ARTIGO 0,5º

O mundo dos sonhos e o mundo mágico serão tão valorizados como a realidade. Os loucos passarão a ser chamados de sábios. Eles divulgarão suas teorias nas universidades e terão espaço garantido nos meios

de comunicação.


ARTIGO 0,6º

A língua dos pássaros será nossa segunda língua. Ela será ensinada nas escolas. Os pássaros também lecionarão artes e ensinarão as pessoas a voar.


ARTIGO 0,7º

Às crianças, ficará a tarefa de educar os adultos. A ensiná-los a arte de brincar, de sorrir, de se encantar com as pequenas coisas e conversar com seus amigos imaginários.


ARTIGO 0,8º

Não existirão cadeias. Aqueles que não aceitarem isso serão presos na liberdade ampla, geral e irrestrita; soltos na imensidão das boas lembranças; jogados nos jardins de delícias e convidados para as festas em que todos são amigos desde a infância.


ARTIGO 0,9º

As armas serão substituídas por flores e todos os problemas serão transmutados em poemas.







HOMENAGEM AO POVO BRASILEIRO



Os brasileiros não são heróis

são Sóis!


São arretados

trilegais

cabras da peste

joinhas, uai!


Do Amapá ao Paraná

De Natal ao Carnaval

Do Piauí ao Chuí

De Belo Horizonte a Antes de Ontem.

De Nova Lima a Petrolina

De Aracaju ao rabo do tatu

De Paraty a Paracatu

De Belém ao Além


Salve, salve,

O tirador de dentes e todos os desdentados

o pescador de sonhos e todos os acordados

o contador de histórias e todos os calados

o pensador de paraísos e todos os apaixonados

o criador de piadas e todos os abençoados

o fazedor de viagens e todos os estradados

o tomador de cachaça e todos os embriagados

o acostumador de boas lembranças e todos os namorados

o catador de amanhãs e todos os atrasados

o pendurador de sorrisos e todos os ensolarados

o libertador e todos os libertados

o poetador e todos os beijados

o entendedor e todos os desavisados

o começador e todos os terminados


Salve, salve,

Xexéu Beleléu, andarilho e poeta!

Dona Olímpia de Ouro Preto, moradora símbolo de Minas Gerais e do mundo!

Zé Limeira, poeta e analfabeto!

Maria Carolina de Jesus, empregada doméstica e poeta!

Arthur Bispo do Rosário, doido e artista plástico!

Dona Lili, apenas uma celebridade anônima!






MANIFESTAÇÕES



Fui jogar um coquetel molotov

joguei meu coração

que explodiu


destruiu a placa

"PROIBIDO ESCREVER"


no lugar do meu coração

coloquei um poema

para minha amada.







CAPITALISMO



O artista será pago com elogios.

Quatro mil e quinhentos aplausos

Pagos em três parcelas

Sem entrada.


Como FGTS receberá

Duas moças apaixonadas que serão

Apresentadas e selecionadas

Pelo departamento de recursos humanos.


Ganhará gritinhos bem agudos

E olhares maliciosos

Como gratificação.


Além disso, 

112 abraços e

Muitos 

Parabénsfantásticomaravilhosodocaralhogosteilegaletc.







CAMINHO DO BEM



Todos os malucos-beleza

caminham pelo caminzim

cheios de esperança

de encontrar o bem


pelo caminho do bem

el caminho do bem

pe cminho d bem

p cmnhod bem

p cmnhd bm

pcmndb

pelocaminhodobemminhodobempelocamhodobempcaminhodbempcminhodem


porque o caminho do bem

tem altas canções

e belos discos voadores.







DESESPORTES



Sempre fui ruim de bola

andava mal de bicicleta

não conseguia acertar a cesta

e se ia cortar batia na rede


sem falar que nada de nadar

enquanto todos corriam

eu ia devagar

para admirar a paisagem.







DIVERGÊNCIAS DO AMOR



Ele queria a mar

Ela queria o mar


Ele rio

Ela ria


O amarelo queria amar-ela

A amarela queria amarula

(amar-elos)


Ele problema

Ela poema


Então eles divergiram felizes para sempre.







~



A minha arma é o amor

a poesia um tipo de flor

a arte uma forma de amar-te.







~



Mataram um rio

que era doce.


Mataram Minas

que eram Gerais.


Mataram pessoas

e seus ideais.


Mataram deuses

que eram imortais.


Saíram dizendo:

Não foi nada de mais.



 


 

 

 

 

[imagens ©michael gaida]



Jairo Fará (Jairo Faria Mendes) Escritor, jornalista e professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Pós-doutor pela Universidade de Coimbra (Portugal). Autor de Cidadezinha Biruta (Literatura infantil, Páginas, 2019), O Ovo do Minerim (Poesia, Jararaca Books, 2011), Livro de Bolso (livro-objeto, 2014), de peças teatrais, roteiros e várias obras sobre jornalismo. Coordenou a área de literatura do Inverno Cultural da UFSJ, de 2010 a 2018. Participou das exposições "Ocupação Poética" (Tiradentes/MG), "Coletiv4" (São João del Rei/MG), "Além da Palavra" (Belo Horizonte), "Além da Palavra 2" (Ouro Preto), "Palavra Sólida "(São João del Rei), "6 em 1" (Belo Horizonte), "Palavra Sólida" (Tiradentes e Itaúna/MG) e "Além da Palavra 2" (UFMG/Belo Horizonte). Foi um dos poetas homenageados do 33º Psiu Poético. Diretor do curta O Telefone (2019).


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