TEXTOSTERONA



é certo

meu falo é maior

do que de muito

homem


meu texto é duro

como o pau ereto

e abaixo delu

teus testículos

duas pequenas

testemunhas

dois pupilos


meu texto é reto

e as palavras te penetram

como cuspe dedos e unhas

no teu olho semiaberto


tuas pupilas se recolhem

no globo ocular

lusco-fusco, crepúsculo 

eclipse do prepúcio

em um momento secular


porque eu sou o homem

chulo, sem escrúpulo

pronto para dominar.

 

 

 

 

 

 

POSTO QUE É MORTE

 

 

enquanto o escopo

do humano

se esgota

 

um corpo dissidente

se debruça sobre o outro

corpo

 

ou seria corpa

ou corpe

ou corpallitus post mortem?

 

porque outros carlitus

e flavitus

nasceram em corpo de menino

e desde cedo são ensinados

a beber o seu leite

branco

 

com lactovacillus

vivos







PARA EVITAR ALÇADURAS



homans

e mulheros

decepem

seus paus

e se castrem


a si


para calar

a pulsão

de poder


metam a

cabeça

podada

como

uma

rolha

no rabo

próprio


assim


para evitar

alçaduras







OS DADOS

 

 

Tentam a sorte

homens bem vestidos

fecham as mãos

e chacoalham seus pintos

 

como se fossem dados

poliédricos

feitos de plástico

açoite

e ascensão

 

é certo

o poder sempre mais reto

erguido

ereto

 

enquanto estatísticos

lamentam os gráficos caídos

como a morte no chão

 

 

 

 

 

 

COSTELAS



precisei dos meus

dois punhos

um posto contra

o outro

para separar

minhas costelas


delas não nasceram

nenhuma mulher


muito mais ao meio

estava o veio

a viga a vida

o seio comprimido

maria

josé

maria

joão

tantos nomes

apertados

contra o pulmão







NÃO IDENTIFICADE



não me identifico

como homem

e também

nem sou mulher


se me olha e me

entende como bem

quer


só posso te dizer

achou errado:


o              t


o

á

i

r







X DA QUESTÃO



ok!

podemos não escrever

pretxs para dizer pretes

podemos também não chamar

gordxs para falar gordes

trocar elxs por elus


mas o verdadeiro X

da questão do impronunciável

é como faremos para neutralizar

esse excesso de xepa chamada

xomem.







XOMENS



neutralize a república

dos xomens xiris


xestemidos xachos

xasculinos xásculos

xaronis xigorosos


o x não é didático e

de fácil compreensão

o x não é acessível

para as plataformas de leituras

o x não é pronunciável


ou xeja, 

tem tudo a ver 

com os xomens.







ESTREITO



o discurso

do homem

não segue o

curso do rio


é preciso

se manter

sóbrio para

que o brio

não deslize

sob a superfície fácil

da palavra frágil.


todo discurso

navega o

estreito

da

sen

ten

ça






DEFINIÇÕES



nenhuma fala é capaz

de me contar

palavras buscam 

definições cada

vez mais complicadas 

rebuscadas e precisas

repletas de preciosismos

é preciso definir para dizer

mulher não binária

com genitália feminina

atraída romanticamente

por expressões mulheris

sem muita libido ou atração 

sexual demissexual

sapiossexual                panssexual   ?

?                                    liberal

monogâmica                   ?        grissexuais

bdsmer

?                                        aquário             ?

grey-arromânticas        ?

sex positive

?               homorromântica                        queer ?

?

monorromântico    ?     poligâmico

antifascista                transumano


toda definição é uma forma de exclusão







RELATIVIDADE GERAL



ao aprofundarem

o horizonte da palavra

enquanto navegavam

em busca da verdade

pessoas se perderam

no burcaco de minhoca


a espécie é uma

vagina molhada

penetrada pela língua

britadeira


o buraco é trans-

ponível, a matéria viaja

de uma boca para a outra

hora entalando

na garganta


definições complexas

demais para ensinar

as diferenças

relatividade geral

das existências







DESCONSTRUÇÃO DISCURSIVA



toda definição

é uma medida excessiva

opte sempre pela

desconstrução

discursiva


não diga

sou mulher trans

lesbica não-binária

genderfluid


aponte a língua

ao homem ditador

encha a boca ostensiva

na direção da ofensa

e diga


hétero! cis!

branco! padrão!


opte sempre pela

desconstrução

discursiva

ou, então,

pela eliminação

desta armadilha

da espécie.



[Poemas do livro TeXtosterona: do X à neutralidade dos homens]

 


[imagens ©alexandre rapoport]

 


 

 

 

 

Jéssica Iancoski é pessoa não-binária, escritora, poeta e artista plástica. Publicou em várias antologias e revistas, nacionais (Mallarmargens, Ruído Manifesto, Acrobata, etc.) e internacionais. Teve o poema "Rotina Decadente" reconhecido pela Academia Paranaense de Letras, aos 15 anos. É editora do Toma Aí Um Poema — o maior podcast lusófono de declamação de poesia e, também, revista literária digital e editora. Nasceu em Curitiba em 1996. É formada em Letras pela Universidade Federal do Paraná e em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.