3 CINCO POEMAS, UM MITO, TRÊS TEMPOS
O primeiro poema, de Anna Akhmátova, é o mais antigo deles, datando de 1924. O sintagma "Лотова жена" é literalmente "a mulher de Lot", na forma genitiva, mantendo a ambiguidade "esposa de Lot" e "mulher que pertence a Lot". Também é o mais formal, com rimas imperceptíveis na tradução literal para o português. Em Akhmátova, a personagem é presa a um passado físico, à terra amada, mas um ser que se sacrifica "por um olhar", sem ninguém para chorar por ela. De todos os poemas citados, além do formalismo na construção frasal, é o mais intimista. Poder-se-ia afirmar que a mulher aí não é aquela mulher bíblica, de propriedade do marido, mas ainda não é a mulher liberta, que escolhe a pedra como libertação, o sal, o brilho, o passado. Se no texto sagrado a esposa de Lot erra pela desobediência ou pela curiosidade, aqui ela sofre por uma angústia, inclusive pelo ser amado ("На окна пустые высокого дома//Где милому мужу детей родила", "na casa alta de janelas vazias, [casa] onde ela deu à luz para seu amado", literalmente). De um modo ou de outro, temos que ela ainda é presa ao passado. E amava o homem com quem foge.
No entanto, interessa perceber que no poema do modernismo russo, da década de 1920, a mulher de Lot continua sem nome e sem uma identidade própria exatamente. Vale apontar que os versos finais de Akhmátova descrevem uma infelicidade muito grande, uma mulher para quem não há lágrimas: Кто женщину эту оплакивать будет? // Не меньшей ли мнится она из утрат? // Лишь сердце мое никогда не забудет // Отдавшую жизнь за единственный взгляд (Literalmente: "quem vai chorar por essa mulher? Ela não seria a menor de suas perdas? Meu coração nunca esquecerá quem deu a vida por um único olhar"). Enquanto a mulher, aqui, vale menos que os objetos perdidos, o verso de fechamento do poema dividido em estrofes de quatro versos, a "chave de ouro" do poema, traz uma ideia do que poderíamos chamar hoje "sororidade".
Poemas feitos por homens na mesma época ou no final do século anterior utilizavam o mito de Lot com outras funções. Atente-se para o longo poema de Alfred de Musset, "Les filles de Loth", por exemplo, em que ele evoca o mito. Ele reconstrói não a trágica morte da esposa de Lot, e sim como as filhas de Lot o seduzem.
Musset retoma duas tradições, pelo menos, nesse longo poema: a tradição erótica da poesia greco-roma, que nunca deixou de ser cultuada no Europa (PAES, 1990, p.11 – 23) e as escolas literárias que faziam migrar sua imaginação criativa a um universo de mitos ancestrais. Lot e suas filhas na caverna (a própria palavra "caverna" aqui ganha sentido erótico ou pornográfico) trocam as vestes semitas por apetrechos à grega, ao menos na fantasia do autor francês.
Há um lesbianismo nada sutil entre as irmãs (de clara fantasia masculina), incesto (entre elas e o pai), gerontofilia, enquanto as meninas, bastante distantes dos costumes do pai e da mãe, são apresentadas como cortesãs de uma decadente casa noturna parisiense, dispostas a qualquer tipo de prazer para "dar continuidade à espécie". Mas o poema não aponta nenhuma corrupção de valores ou decadência. Sua construção está mais para o onanismo fin-de-siécle francês.
Não podemos afirmar se Akhmátova leu Musset — e isso não está em questão — mas seu poema, já numa época de lutas feministas, pode ser entendido como uma resposta ao patriarcado, mesmo que involuntário. Mas são as autoras posteriores que levarão essa resposta ao extremo da luta libertária.
O poema de Wisława Szymborska, também de tradição eslava, traz uma ironia mais perceptível que a do primeiro, não distando muito do tom habitual da poética da escritora polonesa, característica que foi citada, inclusive, quando laureada com o Nobel.
O poema polonês, dos anos 1970, é em versos livres e as traduções costumam manter as características originais do texto, que foi escrito meio século após a primeira versão de Akhmátova de "A mulher de Lot", no ano em que nascia em Kórnik a menina Maria Wisława Anna Szymborska. O nominativo "żona" é esposa/mulher, e tem sentido próximo ao do português, sendo que a forma genitiva da expressão, "żona Lota"/ "a mulher de Lot", carrega uma ambiguidade comum a vários idiomas, a do pertencimento, já que ambas as línguas não diferenciam um objeto de uma pessoa no uso do genitivo e ambas usam "mulher" como "esposa". No poema em polonês, a situação da mulher como de pertencimento ao marido é um traço relevante na poética de Szymborska.
O traço mais marcante entre os poemas eslavos e seu diálogo é uma fina ironia, sutil, mas marcante (embora, como dito, seja mais tangível no segundo). A poeta polonesa traz uma lista de possibilidades que teriam movido para trás a cabeça da mulher de Lot: o cansaço da mesmice, a fadiga da velhice (em confronto com a juventude das filhas), a sensação de não pertencimento, o acaso.
Há imagens particulares no poema. O mal (saído ou não da cidade) acompanha a família na forma de animais icônicos (serpentes, escorpiões, abutres, com possível relação bíblica). E há a presença de um pequeno roedor (verso mais enigmático do poema) que parece ter a mesma curiosidade de Ado ou simbolizar, como ela, solidão e, talvez, ingenuidade.
A pesquisadora polonesa Paulina Kruszczyńska, no texto "Żona Lota jako symbol innego: Poezja młodopolska zaklętych w słup soli (literalmente, "A mulher de Lot como símbolo do outro: a jovem poesia polonesa encantada como estátua de sal"), mostra como a poesia da Polônia da passagem do século XIX para o XX usou o mito da mulher de Lot como símbolo para o aprisionamento do corpo. Em relação à poesia do século XX, ela intui que o mito passa a ser símbolo de uma libertação, já que, citando Simone de Beauvoir, ela lembra que, para o feminismo da chamada segunda geração, a mulher é "aquela que não pode demonstrar os desejos de seu eu" (KRUSZCZŃSKA, 2012, p. 49).
Há um deslocamento do sentido do mito, o de uma mulher que "vive/vivia com seu amado" (v. o poema de Akhmátova) e que não obedece nem a ele nem a Deus, para uma mulher que está enfadada e que reconhece isso. Embora a transformação em um pilar de sal seja sinônimo de morte, ao mesmo tempo que uma punição, ela se liberta. Então a punição não seria merecida, mas preferível.
No poema de Szymborska, embora a ação de virar a cabeça para trás possa ser obra do acaso, assim como o rato/camundongo o faz, ela está cansada da figura correta do marido, enquanto ela é apenas um apêndice da família: "Aby nie patrzeć dłużej w sprawiedliwy kark męża mojego, Lota" (literalmente: "para eu não olhar mais para a nuca/pescoço justa/justo do meu marido, Lot").
Há um outro verso que merece menção no andamento do poema, que começa a listar uma série de possibilidades, para depois deixar uma dúvida no ar: "Z nagłej pewności, że gdybym umarła, nawet by nie przystanął" (literalmente: "com a súbita certeza de que, se eu morresse, ele nem pararia"). Para ela, afora o cansaço mental dessa situação desgastante, a de pertencer a um homem que despreza sua presença, ela se sente velha: "Poczułam w sobie starość" (literalmente,"eu senti a velhice dentro de mim"). Talvez fuja ao escopo desse artigo enumerar autores que trabalharam com a situação do velho, do idoso, no mundo moderno e no contemporâneo. De todo modo, quando Ado olha para trás, ela como que se liberta dessa exaustão, a de uma velha mulher. A morte para ela não é um castigo, e sim uma saída da prisão.
Os outros três poemas são poemas da atualidade, de uma época em que os discuros feministas são tratados como os de terceira ou quarta geração. Temos os poemas de Smith, Simpson e Souza.
O poema de Smith é o único que trata o mito como uma libertação mística, por isso é o que mais se aproxima do mito de Orfeu (BRANDÃO, 2001, p. 115) e, em paralelo, o que mais se afasta do mito de Lot ("only the moral can stand the music of the spheres made mortal", literalmente, "apenas os mortos podem suportam a música das esferas tornadas mortais").
Já os poemas de Souza e de Simpson se aproximam, ao passo que se afastam do de Smith e ecoam o discurso do poema de Szymborska, afastando-se, também, por conseguinte, do poema de Akhmátova. De todo modo, é interessante observar como a ironia atravessa todos os poemas, — como se a citação, a referência, o redizer, a retomada da estrutura do mito e seus discursos possíveis não pudesse haver sem a ironia.
Sobre a ironia, cabe lembrar um raciocínio muito famoso de Mikhail Bakhtin, autor citado acima:
A ironia entrou em todas as línguas da Idade Moderna (…), entrou em todas as palavras e formas (sobretudo as sintáticas; por exemplo, a ironia destruiu a periodicidade desmedida e "empolada" do discurso). A ironia existe em toda parte — da ironia mínima, imperceptível, à estridente, que confina com o riso. O homem da Idade Moderna não proclama, mas fala, isto é, fala por ressalvas. (BAKHTIN, 2017, p. 21).
Embora Bakhtin analise em particular a produção romanesca, o raciocínio cabe aqui. Já o comentário, no entender de Foucault, é um
certo número de atos novos de fala que os retomam [aos discursos], os transformam ou falam deles, ou seja, os discursos que, indefinidamente, para além de sua formulação, são ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer. (FOUCAULT, 2001.2, p. 21).
Tais discursos são repetidos porque se acreditaria ver neles "algo como que um segredo ou uma riqueza" (FOUCAULT, 2001.2, p. 22). A literatura, como mencionado acima, é um dos melhores exemplos dessa "repetição" e na citação ela surge de modo direto, sem nenhuma espécie de véu ou de sombra ou ainda de maquiagem. Perceba-se que a ironia, mencionada por Bakhtin, nesses poemas, traz junto um aspecto crítico, libertador, que
"ambivalente e universal, não recusa o sério, [pois] ele purifica-o e completa-o. Purifica-o do dogmatismo, do caráter unilateral, da esclerose, do fanatismo e do espírito categórico, dos elementos de medo ou de intimidação, do didatismo, da ingenuidade, e das ilusões". (BAKHTIN, 1987, p.105).
As autoras deixam de lado a sisudez do texto bíblico (ou, em primeiro lugar, da Torá judaica) para inflar de um novo sentido o mesmo mito que se conta, tantas vezes repetido ao longo da História.
Em Simpson, a mulher de Lot é descrita como inútil, uma mulher sem nome efetivamente, que "não deixará saudade", que não interessa, sendo menos que um objeto. Ela é tão desprezada, que a poeta lembra que "soon Lot was sleeping with his young doughters" (literalmente: "logo, Lot estaria se deitando [em sentido sexual] com suas jovens filhas"). Morrer, então, é a libertação de um mundo de apagamento e de violência simbólica, e de um universo em que bibelôs vulgares têm mais peso que uma vida humana.
Já em Souza, temos o paroxismo do mito: Ado se liberta da uma vida vazia ou repleta de percalços angustiantes. Então, libertar-se da pedra (do aprisionamento) e tornar-se um ser brilhante ao sol/como o sol era a melhor saída para ela — e não uma fuga.
Valeria a pena reparar no anacronismo desses poemas (poderíamos deixar de lado provisoriamente Akhmátova). Nas abordagens do mito de Lot pelas poetas citadas, há vários indícios de um anacronismo trabalhando meticulosa e propositadamente. Souza é a que leva ao extremo o anacronismo, construindo várias camadas dele: temos o mito de Lot (camito-semita), uma paixão por um tribuno (época romana muito posterior ao mito), a atualidade, e assim por diante. É como se a poeta lidasse com a citação não como um resgate histórico e sim como a construção de uma corrente em que cada elo é diferente do outro e em que cada elo, por sua vez, está ligado a elos não paralelos, mas transversais.
Desse modo, a mulher de Lot, agora com nome — e um nome próprio —, na estética de Souza, ecoa personagens mitológicas, históricas, midiáticas, que sofreram com a castração, pois "não há união entre homem e mulher sem (...) castração", esta que "determina a realidade do parceiro" e que "instaura [apenas] a realidade do parceiro" (LACAN, 2008, p. 8). São exemplos do aprisionamento o julgamento e a punição Hipátia de Alexandria, Joana D'Arc e cada uma das milhares de mulheres mortas todos os anos pelo machismo institucionalizado (sobre a perpetuação das sociedades androcêntricas e a naturalidade delas, cf.: BOURDIEU, 2012).
Voltando ao sentido empregado, neste artigo, de "comentário", "todo enunciado concreto é um elo na cadeia de comunicação discursiva de um determinado campo" (o mito, a literatura, os discursos feministas ou sobre a mulher, aqui), sendo que "os próprios limites do enunciado são determinados pela alternância dos sujeitos do discurso" (as poetas citadas, no caso, seu lugar de fala e sua situação sociocultural, seus interlocutores), no interior de uma realidade fática do discurso em que "os enunciados não são indiferentes uns aos outros; uns conhecem os outros e se refletem mutuamente nos outros", pois os enunciados são "ressonâncias de outros enunciados" (citações todas de BAKHTIN, 2016, p. 57).
O comentário, que seria uma força coercitiva interna ao discurso, fica na superfície da enunciação (a intertextualidade, visível a começar pelo título de cada um dos poemas, em vários idiomas, "a mulher de Lot", um sintagma nominal que aponta para algo opaco, no sentido proposto por Pêcheux). Porém, se se pensa numa interdiscursividade, o comentário (commentaire) aqui se manifesta formando esses elos mencionados tanto por Foucault quanto por Bakhtin, fazendo instaurar, no entanto, toda uma rede nova de sentidos a cada vez que é verbalizado, ou seja, tornado verbo.
Trazido de um terreno outro, o enunciado (seja nominal, verbal, adverbial, seja analisado na sua presença sintática, semântica ou pragmática), deforma-se, no sentido proposto por Derrida, tornando-se outro, um novo enunciado com a aparência de mesmo, do mesmo. Trata-se da voz do outro (ou Outro) que atravessa a minha ("qu'au moment de parler une voix sans nom me précédait"; "j'aurais voulu être enveloppé par elle").
Em Akhmátova temos uma subversão do mito, mas ainda sem a subversão extrema da mulher frente ao marido. Impossível dizer se se trata de uma coincidência história, mas estamos na época da primeira fase do movimento feminista. Já o poema de Szymborska alcança a segunda fase do movimento feminista (Beauvoir e Szymborska foram coetâneas). Por sua vez, as outras três poetas são coetâneas aos discursos da terceira (ou quarta) "onda", ou fase, ou momento histórico do feminismo. Longe de colocar o carro na frente dos bois e afirmar que os poemas "são" transposições dos discursos feministas para a literatura, cabe observar que não são excludentes ou includentes: são coexistentes (o conceito aqui de "coexistência" foi emprestado a Peter Sloterdijk, de "Esferas I — bolhas").
Propositadamente, foi escolhido o poema de Assionara Souza. Trata-se da única das poetas mencionadas que escreve a partir de uma "periferia", de um país ex-colônia. No caso dela, poderíamos pensar até que ponto a retomada do mito de Lot não seria uma desterritorialização do mito para um lugar (físico e social), de uma voz não-branca, não heteronormativa. De todos os poemas, inclusive, ele talvez seja o mais transgressor.
Dos movimentos feministas pós-revolução francesa, passando pelo raciocínio de pensadores como Stuart Mill, que publica em 1869 seu "A Sujeição Feminina", passando por Simone de Beauvoir e os movimentos pós-1968, dentre tantos, chegamos aos discursos feministas que interseccionam as questões feministas com as da negritude e do capitalismo tardio.
Citemos quatro autoras que se debruçaram sobre essa questão complexa: Maria Lugones, Françoise Vergès, bell hooks e Silvia Federici. Há no trabalho das três primeiras uma preocupação em comum: através do prisma do assujeitado e da negritude pensar uma descolonização ou decolonização. Já a filósofa italiana lida com a situação da mulher frente aos sistemas econômicos na Idade Moderna.
Sem poder-se mergulhar profundamente em cada obra, infelizmente, temos que a luta das mulheres pela libertação e pela igualdade está bem longe do objetivo maior, a despeito das grandes conquistas alcançadas ao longo do século XX.
Embora o discurso corrente vá buscar na Antiguidade a situação de subordinação da mulher frente ao homem, Federici argumenta que tal construção social é um claro resultado do capitalismo. Já as demais autoras discutem como a libertação da mulher frente ao jugo masculinista precisa passar necessariamente pela questão da raça, classe, gênero e sexualidade. Não são situações opostas ou que se excluem. As poetas escolhidas trazem um posicionamento sobre tudo isso, de modo a apontar para a eliminação do assujeitamento da mulher, relendo o mito ao trazê-lo para o respectivo "local" de cada uma.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A citação, a apropriação de uma estrutura, pode ser entendida como um dispositivo de ordenamento do discurso, no entender foucaultiano. Para Foucault, o comentário (commentaire), bem distante do sentido comum dado a esta palavra, é um procedimento interno de controle discursivo. No caso do uso de um mito, a citação do mito permite que, a um só tempo, faça-se uma retomada de um discurso (e de uma estrutura) e o transforme, "indefinidamente (...) para além de sua formulação" (FOUCAULT, 2001, p. 22). Tal jogo não é "estável, constante, tampouco absoluto" (idem, p. 23), mesmo que se repita cada palavra do texto primitivo, primeiro, primevo ou primordial. O comentário é o desnível entre o texto primeiro e o texto segundo [que] desempenha dois papéis que são solidários. Por um lado, permite construir (e indefinidamente) novos discursos (...). Mas, por outro lado, o comentário não tem outro papel, sejam quais forem as técnicas empregadas, senão de dizer, enfim, o que estava articulado silenciosamente no texto primeiro. Deve, conforme um paradoxo que ele desloca sempre, mas ao qual não escapa nunca, dizer pela primeira vez aquilo que, entretanto, já havia sido dito e repetir incansavelmente aquilo que, no entanto, não havia jamais sido dito. (FOUCAULT, 2001, p. 25).
Essa recitação seria um conjurar do acaso do discurso. No caso das poetas escolhidas, talvez com ressalvas às escolhas de Akhmátova, todas as demais reconstroem o mito com os discursos do seu tempo, os quais atravessam o poema, para mais ou para menos, de forma tangível, ora exigindo menos, ora exigindo mais atenção do leitor. Em todos eles, o mito que tratava de uma desobediência e de um castigo passa a ser um mito da libertação, seja física, seja metafórica, seja espiritual, seja simbólica.
No caso particular de Assionara Souza, a poeta brasileira vai além, fazendo com que Ado não apenas se liberte de uma vida insossa, mas brilhe sozinha. Na construção poética de Souza, há ecos de discursos atuais sobre uma "libertação". Enquanto fundamentais teóricas da atualidade posicionam a mulher, hoje, como resultado de um processo colonialista (em sentido amplo de "colonialismo") e de um processo do capitalismo tardio, Souza sugere que a mulher liberte-se de todas as correntes que a aprisionam no mundo "naturalizado" do androcentrismo branco.
Esse corpo indócil, já tratado por Freud e posteriormente por Beauvoir, que se rebela, encontra outros contornos no discurso da atualidade, seja ecoando com autores como Butler ou Federici, tem nesses poemas a contrapartida literária de todo um movimento milenar em busca de um lugar brilhante ao sol.
REFERÊNCIAS
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Notas
Cf.: <http://www.cerisepress.com/01/02/lots-wife> Há tradução para o inglês nesse sítio. Acesso em 12 de set. de 2020.
O poema pode ser visto em <http://www.paradis-des-albatros.fr/?poeme=musset/les-filles-de-loth> Acesso em 14 de set. de 2020.
Sobre a erótica masculinista, talvez fosse de interesse o estudo: OLIVA NETO, João Ângelo. Falo no Jardim — priapéia grega, priapéia latina. Cotia/Campinas: Ateliê Editorial; Unicamp, 2006.
Disponível em: <https://www.babelmatrix.org/works/pl/Szymborska%2C_Wisława- 1923/Żona_Lota/en/5373-Lot_s_Wife> Último acesso em 16 de set. de 2020.
Disponível em <the-lot-s-wife-as-the-symbol-of-the-other-poetry-of-the-young-poland-literature-movement- of-the-enchanted-into-the-pillar-of-the-salt_Content File-PDF> Acesso em 15 de set. de 2020. Tradução nossa.
Disponível em <https://poets.org/poem/lots-wife-0> Acesso em 12 de set. de 2020.
Disponível em <https://www.griffinpoetryprize.com/lots-wife-2/> Acesso em 12 de set. de 2020.
Disponível em <https://nsantand.wordpress.com/2018/08/03/assionara-souza-a-mulher-de-lot/> Acesso em 12 de set. de 2020.
"Gostaria de perceber que uma voz sem nome me precedia"; "gostaria de ser envolvido por ela". Em tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio.
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dezembro, 2021
Benedito Costa. Doutor em Letras, Estudos Literários, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). É responsável pela coluna quinzenal Papel Máquina — altas literaturas do Jornal Plural e autor do livro Diante do Abismo, publicado pela Benvirá.
Mais Benedito Costa na Germina
> Poesia
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Eduardo de Lima Beserra. Mestrando em Estudos Literários pela Universidade Federal de Alagoas (PPGLL – UFAL).