A MULHER DE LOT
[Anna Akhmátova, 1924]
A mulher de Lot, que o seguia, olhou
para trás e transformou-se numa estátua de sal.
Gênesis
E o homem justo seguiu o enviado de Deus,
alto e brilhante, pelas negras montanhas.
Mas a angústia falava bem alto à sua mulher:
"Ainda não é tarde demais; ainda dá tempo de olhar
as rubras torres da tua Sodoma natal,
a praça onde cantavas, o pátio onde fiavas,
as janelas vazias da casa elevada
onde destes filhos ao homem amado".
Ela olhou e — paralisada pela dor mortal —,
seus olhos nada mais puderam ver.
E converte-se o corpo em transparente sal
e os ágeis pés no chão enraizaram-se.
Quem há de chorar por essa mulher?
Não é insignificante demais para que a lamentem?
E, no entanto, meu coração nunca esquecerá
quem deu a própria vida por um único olhar
[Trad. Lauro Machado Coelho]
A MULHER DE LOT
[Wislawa Szymborska, anos 1970]
Dizem que olhei para trás de curiosa.
Mas quem sabe eu também tinha outras razões.
Olhei para trás de pena pela tigela de prata.
Por distração — amarrando a tira da sandália.
Para não olhar mais para a nuca virtuosa
do meu marido Lot.
Pela súbita certeza de que se eu morresse
ele nem diminuiria o passo.
Pela desobediência dos mansos.
Alerta à perseguição.
Afetada pelo silêncio,
na esperança de Deus ter mudado de ideia.
Nossas duas filhas já sumiam lá no cimo do morro.
Senti em mim a velhice. O afastamento.
A futilidade da errância. Sonolência.
Olhei para trás enquanto punha a trouxa no chão.
Olhei para trás por receio de onde pisar.
No meu caminho surgiram serpentes,
aranhas, ratos silvestres e filhotes de abutres.
Já não eram bons nem maus — simplesmente tudo que vivia
serpenteava ou pulava em pânico consorte.
Olhei para trás de solidão.
De vergonha de fugir às escondidas.
De vontade de gritar, de voltar.
Ou quem sabe foi só um vento que bateu,
despenteou meu cabelo e levantou meu vestido.
Tive a impressão de que me viam dos muros de Sodoma
e caíam na risada, uma e outra vez.
Olhei para trás de raiva.
Para me saciar de sua enorme ruína.
Olhei para trás por todas as razões mencionadas acima.
Olhei para trás sem querer.
Foi somente uma rocha que virou, roncando sob meus pés.
Foi uma fenda que de súbito me podou o passo.
Na beira trotava um hamster apoiado nas duas patas.
E foi então que ambos olhamos para trás.
Não, não. Eu continuava correndo,
me arrastava e levantava,
enquanto a escuridão não caiu do céu
e com ela o cascalho ardente e as aves mortas.
Sem poder respirar, rodopiei várias vezes.
Se alguém me visse, por certo acharia que eu dançava.
É concebível que meus olhos estivessem abertos.
É possível que ao cair meu rosto fitasse a cidade.
[Trad. Regina Przybycien]
A MULHER DE LOT
[Dana Littlepage Smith, 2001]
Não olhe para trás
(Gênesis 19:17)
Tão simples, um erro. Disseram-me: vire-se e veja;
No lugar disso, era para ouvir. Não sabia: apenas
Os mortos podem ouvir as músicas das esferas tornadas letais.
Presos em meu capuz, os duros acordes do caos:
O grito infantil, a litania da mãe que nomeia
A perda que imediatamente lhe retira o nome.
E então, o inconcebível: entre o riscar da pederneira
E o estalo do ferro, eu vi a queima
Da asa chamuscada da mariposa,
O lírio e as pétalas em fogo branco,
Mas, mais que isso, os passos de um
Homem nu que corre para o nada.
Então, eu escolhi essa salmoura:
Agora, os cristais mudam.
O sal se dissolve e quero falar.
Prostituta de todas as esperanças,
Agora acredito que algumas histórias
Sobrevivem para refazer seus finais.
[Trad. Benedito Costa]
A MULHER DE LOT
[Assionara Souza, 2016]
Um passo atrás
Enquanto a cidade desaba
Todos correndo
Um tumulto dos diabos
O filho, a filha, o marido
A vizinha da frente — com quem o infeliz tem fornicado
Há mais de cinco anos embaixo de seu nariz
Como se ela não soubesse
Como se ela não tivesse visto de tudo nessa vida
Ele perguntando se a camisa vermelha
— Aquela com um só bolso no lado direito?
— Sim. Essa mesma.
Se a camisa vermelha não estava limpa e bem passada
E o filho indo no mesmo caminho
Tratando-a feito lixo
— A mãe não sabe pronunciar a palavra "estultícia". Tenta, mãe!
Estúpidos todos
Até a filha, que ela tanto ensinou
Agora andava com um centurião
Um centurião!
Maior desgosto para uma mãe
E depois dessa correria toda
Quando arrumassem pouso
Adivinhem quem prepararia o jantar?
Não teve a menor dúvida
Mirou a cidade em chamas
Uma sensação incrível
Deixar de ser uma mulher de pedra
Seu corpo inteiro puro sal rebrilhando ao sol