Quando um homem chora, minha prima, a dor adquire um quer que seja de suave, uma voluptuosidade inexprimível; sofre-se, mas sente-se quase uma consolação em sofrer.

Vós, mulheres, que chorais a todo o momento, e cujas lágrimas são apenas um sinal de vossa fraqueza, não conheceis esse sublime requinte da alma que sente um alívio em deixar-se vencer pela dor; não compreendeis como é triste uma lágrima nos olhos de um homem (José de Alencar, A Viuvinha, 1857).

 

 

Quando José Martiniano de Alencar nasceu, em 1º de maio de 1829, havia apenas oito anos desde a independência do Brasil. O autor passou pelo período tumultuado das Regências e participou, já adulto, ativamente, dos debates políticos e literários do II Império.

A questão nacional no escritor cearense é inequívoca.

Seu projeto literário correspondeu à aclimatação do romance no território brasileiro. Muitos o consideram o nosso maior romancista do século XIX.

Segundo Valéria de Marco: É empobrecedor considerar o romance de Alencar sem levar em conta que intervém em um amplo debate e que convive, lado a lado, na escrivaninha do escritor com panfletos políticos e polêmicas literárias. Seu romance não é pausa na vida agitada. É também proposta de reflexão sobre o país e veículo de discussão política.

Ficaram conhecidos do público as obras indianistas deste nosso escritor: O Guarani (1857), Iracema (1865) e Ubirajara (1874). Na sua crítica a Gonçalves Magalhães, o escritor dizia que a forma literária dos épicos era um meio inadequado de retratar a nacionalidade: havia muito pouco tempo desde o fim da colônia e início da constituição da nação para se cogitar uma mitologia brasileira.

Também não se filiava Alencar à perspectiva dos cronistas que intentaram retratar de forma documental os índios brasileiros. Para o escritor, os índios deveriam ser retratados por intermédio do romance.

A idealização do bom selvagem, decorrência do pensamento romântico e com referência clara a Jean-Jacques Rousseau, geraria críticas já no tempo de Alencar. Manifestou-se o entendimento de que o autor era um artista de gabinete, que buscava retratar realidades regionais sem nunca tê-las conhecido de perto.

 

 

Sobre a vida do escritor

 

 

José Martiniano de Alencar nasceu em Mecejana, que na época era um povoado nas cercanias de Fortaleza. Seu pai fora padre, mas largou a batina para dedicar-se à vida política. José de Alencar estudou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em São Paulo, onde foi colega de Álvares de Azevedo (1831-1852) e Bernardo Guimarães (1825-1884).

Exerceu o jornalismo, a crítica literária e a política. Foi deputado pelo partido conservador e ocupou o cargo de ministro da justiça no gabinete Itaboraí. Defendeu a escravidão. Para os heróis do identitarismo que defendem a censura de Monteiro Lobato e o fogo nas estátuas, é possível que esse fato os autorize a deixar de conhecer nosso escritor, sem grandes remorsos.

O seu primeiro romance, publicado na forma de folhetim, foi Cinco Minutos (1856). A história é contada na forma de uma carta redigida pelo protagonista do enredo à sua prima. Conta uma história de amor decorrente de um atraso de cinco minutos: o acaso da falta da pontualidade do narrador faria com que no bonde, o protagonista conhecesse Carlota, por quem se apaixona, mesmo sem a conhecer ou mesmo a ver o seu rosto. A mulher tinha todo o seu corpo coberto por chapéu e panos, nascendo o sentimento amoroso espiritual antes mesmo de se saber se Carlota era ou não bela.

Nessas tramas, o enredo leva o leitor a um contato direto com o ambiente urbano do Rio de Janeiro de meados do século XIX. No seu segundo romance, A Viuvinha (1857), a trama torna-se mais sofisticada e interessante, podendo o leitor de hoje ter uma fonte histórica valiosa da cidade, e mesmo nos recantos populares.

Vejamos a descrição de uma tasca, espécie de taberna onde os pobres faziam suas refeições:

 

O interior do edifício correspondia dignamente à sua aparência.

A sala, se assim se pode chamar um espaço fechado entre quatro paredes negras, estava ocupada por algumas velhas mesas de pinho.

Cerca de oito ou dez pessoas enchiam o pequeno aposento: eram pela maior parte marujos, soldados ou carroceiros que jantavam.

Alguns tomavam a sua refeição agrupados aos dois e três sobre as mesas; outros comiam mesmo de pé, ou fumavam e conversavam em um tom que faria corar o próprio Santo Agostinho, antes da confissão.

Uma atmosfera espessa, impregnada de vapores alcoólicos e fumo de cigarro pesava sobre essas cabeças, e dava àqueles rostos um aspecto sinistro.

No fundo, pela fresta de uma posta mal cerrada, aparecia de vez em quando a cabeça de uma mulher de 50 anos, que interrogava com os olhos os fregueses, e ouvia o que eles pediam.

 

Em A Viuvinha, a forma literária é a mesma do livro anterior. Escrito em forma de carta, conta-se a história de Jorge, um jovem advindo de família rica que gasta toda a herança do pai numa vida desregrada e boemia. Em certo momento, apaixona-se por Carolina e pelo amor, abandona a vida dedicada ao ócio. Contudo, poucos instantes antes do casamento, descobre que tudo já era tarde demais. Seu padrinho, que cuidava das suas finanças por conta do falecimento do pai, informa que a empresa da família estava à bancarrota.

Como seria possível, na véspera do casamento, romper o enlace pela falta absoluta de recursos e, com isto, desgraçar para sempre a mulher que amava? O que fazer?

Sempre dentro do estilo romântico, após as mais duras provações, todas as dificuldades serão superadas e o casal tem um final feliz. A lição subjacente da história é a de que o homem, quando enfrenta as mais duras dificuldades da vida, tem a alma provada pelo desejo de evolução, redime-se ao final das culpas, e triunfa.

Há uma beleza nestas histórias românticas decorrente de um mundo que hoje parece perdido. Buscar a virtude e a pureza do corpo, hoje, assemelha-se a ser mais um defeito do que um mérito. A meta do homem dos dias de hoje aparenta antes ser a de granjear o máximo de prazeres, pelo mínimo de esforço. E, como se sabe, o prazer costuma ser uma experiência puramente individual.

Talvez por isso, e muito para o nosso pesar, livros de José de Alencar não despertam o interesse, senão do público especializado. Mas não desanimemos: as modas filosóficas são passageiras, mas as grandes obras de arte brasileiras permanecerão.

 



dezembro, 2021



Paulo Marçaioli é advogado e atua na cidade de Valinhos/SP. Escreve resenhas sobre literatura nacional e História do Brasil, que podem ser lidas em seu blogue: http://esperandopaulo.blogspot.com.