A CABAÇA



Sou essa terra de chão batido

Esse sertão da língua de cinza


A fome alada, o Carcará 


Sou esse deserto de poeiras

longínquas

Sou água na cabaça, o arame

Farpado, cercando o latifúndio

De sol e estrada


Sou esse fruto no avesso da

Terra plantada.







DA VOZ



Tão rústica é a minha palavra

Não tem a fineza daqueles que

Passeiam pela boca da erudição


A minha palavra é a da roça

Da enxada circundando a

Poeira ao pé das cinzas


Meu vocábulo de pedra

Dizendo "desvão"







TREINAMENTO



Na barriga da minha mãe

Eu andava pelos babaçuais

Do Maranhão


Não conhecia ainda a função

Do machado

O coco aberto e ferido

O azeite


Depois conheci a fome

E a lâmina.







LAMBARIS



Trago comigo

Estas dúvidas

Suspensa sobre

As águas

As poucas certezas

Que tenho

Se escondem do anzol


Na lama.







DOIS DEDOS ABAIXO DO NÍVEL DO MAR



Não sei versar para a realeza

Gosto mesmo é de rimar

Com os vassalos

Sentar-me com palavras que se arrastam pelo chão

Que caminham de pés descalços

Que residem nos guetos

Gritam nas entrelinhas

Que ficam subentendidas

Minha palavra

É de coisa vivida.







MANJEDOURA



Vejam, Senhores

A poesia está nascendo

Ela está nos olhos

Das crianças famintas

Mas é também o pão

De cada dia

E este não saber para

Onde ir


Sim, Senhores

Porque o mundo geme.







PLEBE



Vocês tinham razão

A coroa

De Santa

Não cabe

Em minha cabeça.







GUILHOTINA



Enquanto o carrasco

Prepara a guilhotina

Baco amacia minhas

Espinhas com galhos

De oliveira.







DOS MARES



Quando lanço a rede

Ao mar

Espero um colibri

Dando risos profundos.







UMA PÉTALA ENGARRAFADA



Ela olha o mar

Pousa o ouvido n'água

Interroga os peixes

Seu coração é uma

Âncora submersa

No reflexo do aquário.







AJUDA-ME A ENCONTRAR TEU GRITO



Ajuda-me a encontrar o teu grito

Tua luz apagada

A vertigem de tua língua

Inalcançável

Ajuda-me a regar tua flor silvestre

Nesta orla feita de sol e primavera

Para mim, basta saber que me acolhes

Em teu voo migratório.

Quantos caminhos

Até encontrar em teus olhos

Um vestígio de eternidade?

Meus pés (trôpegos no tempo)

Perdidos, para refazer o caminho.

É preciso apagar as pegadas

Decodificar a trilha com a luz apagada

Olho-me no espelho e minha cara é de deboche,

Mas algum rasgo é de ignorância

Alguma linha tem algo de Frida

E da natureza morta no calo da vida.

Não creio nos tons amenos

Quando sinto fome.







HIMALAIA



Os dias perdidos

Foram tirando de mim

A habilidade de encontrar

A paz.

Mas resiste em mim

O olhar quieto

Das paredes 

E essa asa silenciosa

De quem faz ninho nos

Desfiladeiros.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Luiza Cantanhêde é de Santa Inês, Maranhão. Reside em Teresina, Piauí. Possui formação em Contabilidade, e é membra fundadora da Academia Piauiense de Poesia. Membra da Academia Poética Brasileira e da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil, coordenadoria Maranhão. Publicou pela Editora Penalux os livros de poesia: Palafitas, 2016; Amanhã, serei uma flor insana, 2018 e Pequeno ensaio amoroso, 2019. Recebeu menção honrosa no Prêmio H. Dobal da Academia Piauiense de Letras e menção honrosa no Prêmio Vicente de Carvalho, em 2018, e no Prêmio Álvares de Azevedo, 2019, ambos pela União Brasileira de Escritores. Recebeu em Pernambuco o prêmio "Destaque Nordeste", 2019, categoria poesia. Tem poemas traduzidos para o italiano e para o espanhol. 


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