Edward Hopper: New York Movie (1939), MOMA, Nova York

 
 
 
 
 
 
 

Canção para Carolina do Sul



Nina,

a festa é sempre

distante deste lugar

de sol e espera.


Não tarde a voz.

Sapatos negros

querem dançar

sobre as mortes do trigal.


O solo é propício à canção

e o sol a este chapéu







Noturno



Os cabelos acariciados

por dentro do chapéu.

À espera do que se foi,

seu casaco cresce sobre a pele,

como pelo ou mofo.

As formigas caem ao acaso

na quentura do café.

A solidão queima,

como lâmpadas deixadas acesas







Fardos



Ela se curva.

Costurando pensa

em quantidades

intermináveis,

em seu menino

negligenciado,

na terra exaustiva

que não se importou em deixar.

A madrugada

atravessa lentamente.

Seus pés adormecidos

tocam a parede

e ela finge alcançar

o casco de um barco.

Mesmo que não haja

rio à sua frente,

o tecido corre 

até as margens do Guapay.

Mas chegar

é impossível.

A dívida é um cão

por detrás das janelas

e ela ficará ali,

silenciada e invisível,

como um fantasma

na máquina de costura.







Desenho para Emília



Quando tua Aranha

dobra os joelhos

e reverencia o Nada,

é a hora exata da Luz.

Oscila a folha no caule.

Oscila o calor nas sedas.

Oscila a pálpebra diante da ilusão.

Trama ou Flor?

Sabemos — o amanhã destrói.







Intentos



O que guardo

são risos, lágrimas

e o amanhã.


Não guardo Motivos,

silencio o porquê.


Canta um galo invisível

todos os dias,

não o vejo, mas ele canta







Deriva



Obedeci,

saí da ilha, saí de mim.

Em terra seca, à margem,

à beira do vão, sempre espero chuva.


A poça dirá ao meu rosto quem era minha cidade?


Não importa,

a mãe cobria os espelhos,

não ensinou vaidade







Método



Abrir a manhã

pegajosa do mundo,

ter a fidelidade canina

de que tudo esteja em seu lugar;

o mesmo homem ao lado,

os mesmos sapatos pretos,

as mesmas pombas arrulhentas,

a mesma tristeza da casa vizinha.

E não é mau que as manhãs

nos acordem todos os dias

e sejam as mesmas.

Quando abrir a porta

e avistar a escada,

saberei que lá embaixo começa a rua

e até mesmo o futuro estará no seu lugar.



[Poemas do livro Mulheres de Hopper. Patuá, 2020 – Prêmio ProAC Poesia 2019]



junho, 2021



Katia Marchese (Santos/SP, 1962). Consta nas antologias: Senhoras Obscenas I e III (Benfazeja, 2017 e Patuá, 2019), Tanto Mar sem Céu: Laboratório de Criação Poética (Lumme, 2017), Casa do Desejo: a literatura que desejamos (Patuá, 2018), Poesia em Tempos de Barbárie (org. Claudio Daniel; Lumme, 2019), 80 balas, 80 poemas (org. Claudio Daniel; Zunái, 2020 [versão digital]), Coleção A Poesia Sobrevive (conjunto de cartas, Literatura SESC Campinas, 2020). Poemas nos periódicos: Musa Rara, Portal Vermelho, Zunái, Ruído Manifesto e Jornal Tornado (Portugal), O Rascunho, Revista Gueto. Publicações: plaquete Por favor, diga meu nome (edição Coletivo O Ateliê de Poesia; com a produção gráfica de Uva Costriuba, 2019). Formação no Curso Livre de Preparação do Escritor (CLIPE) de 2019 (Casa das Rosas – Museu Haroldo de Campos de Poesia e Literatura/SP). Participa do Coletivo O Ateliê de Poesia. Foi contemplada pelo ProAC Poesia de 2019, edital do Governo do Estado de São Paulo, com o projeto do livro Mulheres de Hopper. Mora em Campinas e é consultora em projetos de gestão pública. Mulheres de Hopper é seu primeiro livro.


Mais Katia Marchese na Germina

> Poesia