Canção para Carolina do Sul
Nina,
a festa é sempre
distante deste lugar
de sol e espera.
Não tarde a voz.
Sapatos negros
querem dançar
sobre as mortes do trigal.
O solo é propício à canção
e o sol a este chapéu
Noturno
Os cabelos acariciados
por dentro do chapéu.
À espera do que se foi,
seu casaco cresce sobre a pele,
como pelo ou mofo.
As formigas caem ao acaso
na quentura do café.
A solidão queima,
como lâmpadas deixadas acesas
Fardos
Ela se curva.
Costurando pensa
em quantidades
intermináveis,
em seu menino
negligenciado,
na terra exaustiva
que não se importou em deixar.
A madrugada
atravessa lentamente.
Seus pés adormecidos
tocam a parede
e ela finge alcançar
o casco de um barco.
Mesmo que não haja
rio à sua frente,
o tecido corre
até as margens do Guapay.
Mas chegar
é impossível.
A dívida é um cão
por detrás das janelas
e ela ficará ali,
silenciada e invisível,
como um fantasma
na máquina de costura.
Desenho para Emília
Quando tua Aranha
dobra os joelhos
e reverencia o Nada,
é a hora exata da Luz.
Oscila a folha no caule.
Oscila o calor nas sedas.
Oscila a pálpebra diante da ilusão.
Trama ou Flor?
Sabemos — o amanhã destrói.
Intentos
O que guardo
são risos, lágrimas
e o amanhã.
Não guardo Motivos,
silencio o porquê.
Canta um galo invisível
todos os dias,
não o vejo, mas ele canta
Deriva
Obedeci,
saí da ilha, saí de mim.
Em terra seca, à margem,
à beira do vão, sempre espero chuva.
A poça dirá ao meu rosto quem era minha cidade?
Não importa,
a mãe cobria os espelhos,
não ensinou vaidade
Método
Abrir a manhã
pegajosa do mundo,
ter a fidelidade canina
de que tudo esteja em seu lugar;
o mesmo homem ao lado,
os mesmos sapatos pretos,
as mesmas pombas arrulhentas,
a mesma tristeza da casa vizinha.
E não é mau que as manhãs
nos acordem todos os dias
e sejam as mesmas.
Quando abrir a porta
e avistar a escada,
saberei que lá embaixo começa a rua
e até mesmo o futuro estará no seu lugar.
[Poemas do livro Mulheres de Hopper. Patuá, 2020 – Prêmio ProAC Poesia 2019]
junho, 2021
Katia Marchese (Santos/SP, 1962). Consta nas antologias: Senhoras Obscenas I e III (Benfazeja, 2017 e Patuá, 2019), Tanto Mar sem Céu: Laboratório de Criação Poética (Lumme, 2017), Casa do Desejo: a literatura que desejamos (Patuá, 2018), Poesia em Tempos de Barbárie (org. Claudio Daniel; Lumme, 2019), 80 balas, 80 poemas (org. Claudio Daniel; Zunái, 2020 [versão digital]), Coleção A Poesia Sobrevive (conjunto de cartas, Literatura SESC Campinas, 2020). Poemas nos periódicos: Musa Rara, Portal Vermelho, Zunái, Ruído Manifesto e Jornal Tornado (Portugal), O Rascunho, Revista Gueto. Publicações: plaquete Por favor, diga meu nome (edição Coletivo O Ateliê de Poesia; com a produção gráfica de Uva Costriuba, 2019). Formação no Curso Livre de Preparação do Escritor (CLIPE) de 2019 (Casa das Rosas – Museu Haroldo de Campos de Poesia e Literatura/SP). Participa do Coletivo O Ateliê de Poesia. Foi contemplada pelo ProAC Poesia de 2019, edital do Governo do Estado de São Paulo, com o projeto do livro Mulheres de Hopper. Mora em Campinas e é consultora em projetos de gestão pública. Mulheres de Hopper é seu primeiro livro.
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