©oberholster venita

 
 
 
 
 
 
 

NASCENTE



Não é na cena de Almodóvar

Que habito

Estou no intervalo do que

Brota neste exílio de todas

E precipícios


A fome, os pés, a seca nos olhos

O sol recheado nas mãos

A fé no piso milenar da terra


Do risco, do cisco, da lavoura

Da folha

De toda agonia brota a minha

Poesia.







AMAZÔNIA



De tempos em tempos

O espinho reconhece

A ferida


Vez em quando

O amor arranha

E se vai.







POR DENTRO OS GIRASSÓIS



Voo para dentro

E fecho as janelas


Amanhã

Acenderei o candeeiro


Permanece o silêncio

Que nada pergunta

E nunca se espanta


Acolherei todos os

Girassóis que não

Se despediram de

Mim







DO QUE AINDA PULSA



Só o retrato me faz chorar

No descampado da memória


Tinha risos

Tinha rosas


(O amor embrulhado com os olhos de ternura)


E uma porta aberta.







ACOLHIMENTOS



O que outrora me expulsas

Agora me aconchega


Ir embora é algo que demora

A terminar


A porta entreaberta

Mostra-me a prevalência

De ficar.


Há uma manhã nascendo

Sobre os meus remendos


Ouço a chuva mansa

No telhado da casa.







POLÔNIA



Preciso

Comportar

No peito

Os escombros

De uma vida

Inteira







UM POEMA QUASE



Não fosse esse gosto

De chumbo derretido

Na boca

A mão estendida

Humilhada e com fome


Não fosse esse chão duro

Os ossos duros de roer


Não fosse o corpo das

Marieles, Camillas

Arethas, Emiles

Das Tânias, Dandaras

Marias


Não fosse a miséria

No mapa dos continentes

Não fosse esse grito preso

Essa indignação

Essa impotência

(O silêncio que asfixia)


Eu diria que isto é quase

Um poema.







INDIGENTIA



No caminho

Abraço minhas

Indigências

(Um Deus manco

E meus passos em falso)







VELHAS ANGÚSTIAS



Os olhos fechados


Não é silêncio, é sina


A dose de cachaça

Trincando o copo


Tenho pílulas

Pra dormir e a cara

De deboche do tempo.







SE NÃO MORRO, FALO



Vinde pois, os desprovidos

De tudo catar o que ainda

Existe neste chão improvável


Retiremos os olhos suicidas

Preguemos a revolução

Dancemos sobre a lâmina

Cega


Se não morro, falo!







CASA DE PALHA



As cidades se repetem

Nos mesmos subúrbios

E escondem seus vícios

Num relicário sagrado.







A DIALÉTICA DA FERIDA



A noite recolhe sua boca

Engole em silêncio


A luz é incapaz

De remendar

Tantos incisos.

 



setembro, 2021



Luiza Cantanhêde é de Santa Inês, Maranhão. Reside em Teresina, Piauí. Possui formação em Contabilidade, e é membra fundadora da Academia Piauiense de Poesia. Membra da Academia Poética Brasileira e da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil, coordenadoria Maranhão. Publicou pela Editora Penalux os livros de poesia: Palafitas, 2016; Amanhã, serei uma flor insana, 2018 e Pequeno ensaio amoroso, 2019. Recebeu menção honrosa no Prêmio H. Dobal da Academia Piauiense de Letras e menção honrosa no Prêmio Vicente de Carvalho, em 2018, e no Prêmio Álvares de Azevedo, 2019, ambos pela União Brasileira de Escritores. Recebeu em Pernambuco o prêmio "Destaque Nordeste", 2019, categoria poesia. Tem poemas traduzidos para o italiano e para o espanhol. 


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