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Da insônia
reserva sóis
de matizada angústia.
A lágrima,
oleosa do ontem,
leva aos olhos
exaustos
da imensa barca roída de sol.
De posse do campo de alvura
versura a divina grandeza do grão.
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Na áspera encosta do dia
o velho
realimenta o fogo
do encarnado ensaio.
Amanheço
à gratuita
gratidão e graça
de um único dia.
E anoiteço
gênio,
pétala,
lanterna no escuro do céu,
sobrevivente remordido de mim,
pássaro furta-cor,
gestos sem corpo,
música de ruídos...
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Sangria
renascente
à luz
do sol
da noite.
A sobrevivência não é anfitriã muito delicada.
Ensaio vozes,
ecos da minha origem:
Eu sou a luz do mundo!
Na calçada de casa ofereço
minha ingenuidade ao mundo:
— Bom dia!
— Como vai!
— Tudo bem!
— Graças a Deus!
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Noite após noite de sol,
recupero minhas mãos
um dia impregnadas
do estranho perfume
do adeus;
e nas águas
sagradas
da solidão
a Poesia é lágrima vertida para dentro.
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No paraíso das folhas
mordo
verde-petróleo,
prata-brilhante,
mate,
sépia,
rosa-chá,
amarelo-pálido,
amarelo-limão,
ocre amarelo,
ocre vermelho;
e as costas
de nervuras de sol
alaranjado.
Minhas mãos resvalam
o chiado do arvoredo,
o arrastar
de pés no cascalho,
os acordes de vida distante.
E a voz clara da criança,
como a minha um dia,
formiga
a carne do meu peito.
Logo o sol da noite se aproxima;
então separo uma folha
oxidada de sol
como lembrança.
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Noite, víscera noite...
Eu ouço o seu lamento.
Há um sol negro,
um chiado
de brasas molhadas,
e uma flor a hálito de estômago
no esqueleto da casa rasgada de luz.
O vento dança
num punhado de folhas vermelhas
gastas de sol.
Atraído
à mesa empoeirada de luz,
o assoalho range no arrastar de meus sapatos.
Debruçado
à brancura da Obra,
flexiono o tempo,
todo o tempo do mundo,
entre porta e janela
entreabertas.
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O que vale a pena sem os ornamentos da salvação?
Entre vitrines,
salas vestidas de veludo,
há o espanto do cristal estilhaçado:
— Tu vendeste o Cristo!
— Tu incendiaste Roma!
Na incomensurável
luz da solidão,
pequenas coisas são a divindade:
bichinho de estimação,
florzinha pousada na relva,
figo nevado de açúcar...
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Na baia de gema esmeralda
ossos dourados sob o oceano branco e azul.
O tempo
que drena como água
entre os meus dedos,
que adensa dunas,
desidrata flores,
devora o peixe e ostenta a espinha,
lambe os meus pés
com a alvura da espuma.
Do céu azul anil,
sequestro da infância,
a lenta brancura de nuvens,
a linha luzente do areal.
Uma mulher,
todo o mar na borda do seio,
larga os braços à rebentação.
Uma gaivota súbita:
zap!
investe um arco
prateado
de sol.
Eu mal respiro
através do zumbido
de moscas e abelhas.
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Desvendo
meus olhos reversos
à folha oxidada de sol
na noite fria fria
onde arde uma fibra de luz.
A chuva
colhe a memória dessa fibra
como a uma terra sedenta
de algo além do tempo.
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É noite na pedra insone.
Janelas como pétalas se abrem ao alento da chuva:
azul celeste,
violeta,
amarelo sódio,
rosa encarnado,
branco marfim.
Janelas
em busca de coragem,
esperança
e eternidade.
Janelas como
pétalas de luz
adormecem
no azul da noite
insone.
A janela que habito apaga;
também adormeço.
Ao meu nada,
lavado de chuva,
a dor concede
um grão de encantamento.
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Da minha janela
vejo a grande pedra
leve
de véus de luz.
— Boa noite, dizem os habitantes da pedra.
— Dorme bem, outros respondem virando de lado na cama.
Eu medito:
incessante
forma do passado:
tantos passos
e dança por um dia.
Quantos passos
dança e guerra
por um único dia
escuro de sol?
Ó noite,
de centelha e frio,
dai-nos o hábito da paz.
/
Aceito do dia
a noite insone
como ao sono
do amanhã sem fim.
Mãos de rosa tocam meu sonho
na flor da pele do instinto.
No óleo do ontem
unto
a partícula cadente de insônia.
Ao Deus,
eternamente humano,
ofereço o pássaro
perfumado
de terra orvalhada.
Suscetível
como a cambraia
o mundo ilumino.
[Do livro Sóis – O Livro da Insônia, no prelo]
setembro, 2021
Ricardo Carranza (São Paulo/SP, 1953). Editor da 5% Arquitetura+Arte ISSN 1808-1142 Qualis A4 desde 2005. Possui publicações em Scortecci, Sesc DF, Revista Cult, Clesi MG, Zunái, Stéphanos, Mallarmargens, Cronópios, O arquivo de Renato Suttana, Triplov, &Escritas.org., Gueto, Ruído Manifesto, Pensador, Pixé, Acrobata. Publicou os livros Sexteto (São Paulo: Edição do Autor, 2010), A Flor Empírica (São Paulo: Edição do Autor, 2011), Dramas (São Paulo: Editora G&C, 2012), Centelha de Inverno (São Paulo: Editora G&C, 2019). No Prelo: Sóis — O Livro da Insônia. Escreve artigos e ensaios aqui: revista5.arquitetonica, desde 2005.
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