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Manual para montar bicicletas



Certifique-se de que reconhece todas as peças

Se possível desenhe

Imagine

Sinta ela pronta e bela

Na vitrola, que role um vinil dos bons

Shirley Bassey, Nina Simone ou o travesti visto em filme

Ne me quitte pas

Necessário um pouco de talento

Igual a quem espera um noivo e não se desgasta

Aprender a andar de Skate pela TV

Qual a colocação do guidom?

Difícil

Quase impossível

Igual quando conhecemos alguém mais novo muito inteligente

Naquela idade éramos assim?

Quando na ponta das acácias as favas dominam sobre a festa amarela

O certo é como fica como se molda ao nosso assento

Nosso percurso

Sei que não se responde em manuais essas questões

Vã tentativa de ajudar amigos

Superar distâncias

Suprir falta

Talvez ajude nessa manhã de buganvílias-que não cheiram

e nem são flores — a igualar nossos céus.

Não que eu não lave roupas à máquina e que pela primeira vez

Experimente um amaciante e seus cheiros de manhãs artificiais

Não que não me apaixone pelas paixões do Caio

E que ao ver seu livro ao lado do sabão em pó, me tenha feito pensar

Nas utilidades do três em um e suas transparentes bolhas

Ficar perdendo tempo com tais pensamentos

No surreal da cena que não entendo

No sem nexo que é o visível, o agora

No enxágue das engrenagens

Seria melhor tê-la montada

Sem caixas ou manuais

Pronta para o uso

À festa das bandeiras

Que se atendam as visitas

Se mude o disco 

Pedale-se nas largas estradas que aqui não temos

E que o presente sirva ao propósito

À alegria

Meu reino pelo risco

Meu gozo pelo arfar

Pelo prazer sobre duas rodas

Todo o horizonte à frente.








Nosso encontro



Foi em um domingo de lua cheia

O céu tocava a terra em sua chuva de estrelas

O filme já visto

Certeza de querer

Beijos na escada

Elevar-se às nuvens

Breve flutuar

Todas as músicas tocadas

Um quase deslizar podia ser ouvido

Quando se faz tanto e muito

Outros eus são encontrados

Fundou-se outro tempo

Argamassa

Prazer

Onde tudo se pode dar de coração.







Impossibilidades



Desejo

Sonho de Ícaro

Brincadeira de bem-me-quer

Malmequer

Em margarida despetalada.







Paixão



Pulso em síncope

Nova respiração

Desintegro

Vejo sem lentes

Filtro a violência que emana

De onde o amor e a pureza eram previstos.







Verdade



O pulso

Do baixo de Sting

O trompete em "Qualquer coisa"

A flauta em "Chega de saudade"

Indescritíveis

Impublicáveis

Um pouco de sono

A morte poderá chegar

Doce.







Todas as pessoas que eu poderia amar



Experiência do inesperado

Transgredir o traço dado

Percorrer novas trilhas para manter o norte

Aquilo que salta

Sobressalta o peito

Descontrola

Beijo de amor que roube um pouco da morte.







Cage



Quatro minutos e trinta e três segundos de absoluto som

Do corpo

Cordas

Tendões

Pulso

Tímpanos

Circulação sanguínea

Agudo do sistema nervoso

Não há silêncio possível fora da música

John prepare o piano

"I play my guitar gently".







Semântica



Talhou

O leite

A roupa

A peça em madeira

Tudo o que era do verbo.







Afeto



Traçamos sonhos bons

Música

Livros

Alegrias

Velhas casas e ruas dessa cidade onde até a água mofa

Aposta na transformação

Sobriedade das plantas

Coisa em si

Sem titubeios.







Prêmio



Tenho sonhos cheios de coisas inteiras

Alegria que uma criança traz

Nada é tão bom que ultrapasse

A capacidade de ser afetado.







Pedra



Para Sousa Neto



Sensibilidade mineral

Precioso brilho colecionado em caixas

Pedaços do mundo

Ossos

Vento

Sol

Calcificação da beleza embrutecida

Queria eu ter visto a tua solidão.







Tomate



O orgânico invade o asfalto

Pássaros chegaram antes da perfeição

A vida pode ser sensacional.

 



setembro, 2021



Tânia Rêgo. Doutora em Música pela UNIRIO. Mestrado e Graduação em Música na Universidade de Brasília (UnB). Toca saxofone e é professora do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Maranhão-IFMA. Participou de festivais de poesia falada da UFMA, tendo o poema "Números", publicado no vol. III dos Novos Poetas Maranhenses, em 1991. Participou da coletânea de poesia O feminino na poesia: antologia poética de professoras poetas (São Paulo: Todas as Musas, 2018). Publicou o livro de poesia Espraiamento do sólido (7Letras, 2017)


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